O grupo interinstitucional NEVE (NÚCLEO DE ESTUDOS VIKINGS E ESCANDINAVOS, criado em 2010) tem como principal objetivo o estudo e a divulgação da História e cultura da Escandinávia Medieval, em especial da Era Viking, por meio de reuniões, organização de eventos, publicações e divulgações em periódicos e internet. Parceiro internacional do Museet Ribes Vikinger (Dianamarca), Lofotr Viking Museum (Noruega), The Northern Women’s Art Collaborative (Universidade de Brown, EUA), Reception Research Group (Universidad de Alcalá) e no Brasil, da ABREM (Associação Brasileira de Estudos Medievais) e PPGCR-UFPB. Registrado no DGP-CNPQ. Contato: neveufpb@yahoo.com.br

sexta-feira, 6 de novembro de 2020

O Ragnarök é pagão ou cristão?


Far away and long ago, 192, desenho do húngaro William Andrew Pogany com base nos lobos Hati e Sköll perseguindo a Lua e o Sol antes do Ragnarök.


Prof. Dr. Johnni Langer (UFPB/NEVE)

johnnilanger@yahoo.com.br

 

Um dos temas mais polêmicos envolvendo a Mitologia Nórdica são os referentes à narrativa do Ragnarök. No Brasil, muitos entusiastas e pesquisadores vem levando em conta uma dicotomia no que se refere ao tema: alguns o consideram de origem totalmente pagã e outros um relato criado pelos cristãos para denegrir ou melhor converter os escandinavos. Nossa principal idéia aqui é apresentar um referencial intermediário: o seu relato literário, na realidade, foi um híbrido entre os dois mundos.

Afinal, o que foi o Ragnarök? Trata-se de uma série de acontecimentos a serem propagados no futuro (portanto, escatológicos), de caráter catastrófico e de transformação do universo, dos deuses e dos humanos. A palavra vem sendo traduzida mais coerentemente como “destino dos deuses” e suas principais fontes primárias são o poema éddico Völuspá e a Edda em Prosa de Snorri.

Tradicionalmente desde o século XIX as narrativas do Ragnarök vinham sendo interpretadas como testemunho antigos sobre os mitos nórdicos, mas a partir das pesquisas de Sophus Bugge, os relatos começaram a ser considerados como tendo sido influenciados por referenciais cristãos, após a sua preservação por escrito.

O principal problema com relação ao Ragnarök é que ele não é encontrado nas fontes literárias e históricas antes do século X d.C. Ele não é citado, sequer mencionado, no período germânico antigo. Nossas pesquisas, contudo, vem apontando que alguns elementos podem ser identificados pela iconografia. Em algumas bracteatas do século V, tanto da Escandinávia quanto da Alemanha, identificamos algumas cenas que tem relação com as narrativas escatológica produzidas no medievo.

O mito de Balder sendo morto, talvez tenha sido reproduzido nas bracteata de Zagórzyn (Kalisz), tipo B, Alemanha, Museu Stuttgart, séc. V-VI; e de Fakse, Dinamarca, séc. V-VI (figuras 1 e 2). Três figuras aparecem nas imagens, talvez Loki, Hoder e Balder, sendo a figura do meio trespassada por um dardo. Mas as imagens mais importantes são referentes à figura do lobo. Este animal como inimigo dos deuses surge em duas bracteatas do século V-VI: Trolhattan, Suécia, séc. V-VI; e Skrydstrup (figuras 3 e 4). Na primeira, uma figura masculina é atacada em sua mão por um canídeo (Tyr e Fenrir?) Na segunda, uma figura masculina possui um elmo com formato e pássaro, outro pássaro está ao lado, com um cervídeo e uma serpente na base. Pelas suas costas, uma figura canídea o ataca, com feições ferozes. Sem sombra de dúvida trata-se de Wotan, já sendo associado com o lobo inimigo.

Mas porque o Ragnarök não aparece nas fontes literárias desta época? Talvez porque não fosse importante. Várias pesquisas arqueológicas estão apontando que catástrofes climáticas (desencadeadas por uma ruppção vulcânica) ocorreram na Escandinávia durante o século VI, ocasionando grande incidência de abandono de vilas, fome e crises sociais (Price, 2015). É neste contexto que poderia ter sido formada a imagem do Fimbulvetr, o período de três invernos que antecede ao Ragnarök na literatura medieval – uma imagem de desolação e crise ambiental. Também durante o século VI que as imagens do disco do Sol e de espirais nas estelas da ilha de Gotland desaparecem, dando lugar à imagens heróicas e figurativas. Uma recente análise da pedra de Rök (800 d.C., Suécia), afirma que o texto alude a morte de um filho com um contexto significativo de eventos escatológicos, uma batalha final contra os poderes cosmológicos destrutivos e uma memória de crise climática (Holmberg, 2018-2019, p. 1-38). Também neste contexto, é de ressaltar que a Völuspá str. 40 ("rauðum dreyra; svört verða sólskin; um sumur eptir/ névoa vermelha, escuro será o sol; que brilhará no verão, tradução nossa) alude a um acontecimento prévio ao Ragnarök, que é típico de um céu diurno após uma erupção vulcânica - o sol fica obsurecido, cinza ou avermelhado durante meses, devido à presença de resíduos na atmosfera.

Figura 5: pingente em forma de lobo devorando um globo, Dublin, séc. IX-X d.C.

Em nossas pesquisas de etnoastronomia, identificamos que o aglomerado das Hiades (constelação de Touro) era conhecido na Escandinávia pré-cristã como a mandíbula do Lobo (Ulf's Keptr, citado no manuscrito Gks 1812, seção referente a informações celestes do período pagão) e descobrimos que ele esteve associado no céu com vários eclipses totais do Sol, Lua e passagens de cometa (conjunções astronômicas visíveis a olho nú) a partir do século VIII – estes fenômenos tem larga tradição de terem sido associados pelas povos europeus antigos à catástrofes e acontecimentos maléficos. Assim, em um período que vai do século VIII ao X d.C., o céu noturno também passa a ser associado com acontecimentos malignos e a figura do lobo (Langer, 2018, pp. 1-20). Como este animal já era vinculado com os deuses (como vimos nas bacteatas), a representação de um canídeo atacando corpos celestes toma uma forma mais objetiva no imaginário. Um recente estudo do escandinavista italiano Andrea Maraschi reforça os estudos sobre o Fimbulvetr como experiências pessoais associadas com visões apocalípticas, fixando uma memória sobre o antigo acontecimento na tradição oral. Este autor ainda reforça que a tradição do lobo nórdico como representação de catástrofes pode ter sido devida à associação entre eventos celestes sinistros e a constelação da mandíbula do lobo (Maraschi, 2019, p. 35):


É durante o século X que encontramos uma farta quantidade de imagens provindas de áreas nórdicas, todas relacionando o lobo com objetos circulares. A mais contundente é a de um contexto totalmente pagão, de Dublin da Era Viking, onde um pingente representa um lobo em feições ferozes, curvado e devorando uma espécie de globo (figura 5). Também os hogbacks ingleses de Tyningham e Ovingham 1C apresentam esculturas de canídeos atacando globos (Langer, 2012) (figuras 6 e 7).

Figura 6:  relevos  no hogback de Ovingham 1C: em um lado, dois lobos segurando um globo, de outro lado, somente um lobo com globo. Inglaterra, séc. X.


Figura 7: Lobo perseguindo um globo entre duas figuras masculina (uma delas porta um grande corno). Hogback de Tyninghame, Inglaterra, séc. X.

Apesar da poesia escáldica não apresentar diretamente material relativo ao Ragnarök, ela confirma essa tradição mais antiga do lobo como inimigo dos deuses, como em um trecho do Eiríksmál 7 “Hvi namt þu hann sigri þa er þer þotti hann sniallr vera þvi at ovist er at vita sagðe Oðenn ser ulfr enn hausve a siot goða.” (Então, por que privas ele da vitória, quando você mesmo pensou sê-lo bravo? Não prevejo o que deveria para saber, diz Óðinn, entretanto, o lobo cinza olha sombriamente para a morada dos deuses, tradução de Pablo Gomes de Miranda). Eiríksmál é um poema escáldico anônimo, composto sob o patrocínio da rainha Gunnhildr konungamóðir para homenagear o seu marido, Eiríkr blóðøx, morto em 954 d.C. Também o poema Hákonarmálséculo X, confirma a concepção do lobo relacionado a eventos escatológicos, estrofe 20 (Mun óbundinn á ýta sjǫt Fenrisulfr fara/ Solto de suas amarras, Fenrir o lobo, andará pelo mundo, tradução nossa).

Então, de maneira objetiva, as informações iconográficas e etnoastronômicas nos levam a considerar que as cenas da morte de Balder, de Odin sendo atacado por um lobo e dos astros serem devorados pelo mesmo animal (vargǫld, a Era do lobo), já existiam anteriormente ao ano mil. Somando-se à então recente erupção do vulcão Eldgjá na Islândia do ano 940 d. C. (Oppenhelmer, 2018), os pavores coletivos devem ter ficado ainda mais acirrados. E todos eles devem ter sido incorporadas em uma narrativa que se somava aos crescentes medos escatológicos provenientes da Inglaterra do século X: é a narrativa da Völuspá, que pode se tratar de um híbrido entre tradições orais cristã e pagãs (Abram, 2011, p. 165), todas incorporadas pelo paganismo tardio, antes deste desaparecer totalmente (Cardoso, 2006, p. 36). Era um período onde pagãos e cristãos conviviam plenamente, de forma ampla e circular. Então, antes de desaparecer com a cristianização, o próprio paganismo incorporou elementos cristãos em sua cosmovisão e concepção escatológica (interpretatio Norrœna). Neste caso, o poema Völuspá é originalmente um produto literário híbrido e não como se pensava na academia de tempos atrás - que o relato pagão teria sido preservado por escrito em tempos cristãos e sua escrita alterada pelo modo de ver do escriba, já cristianizado.

Mas com relação à Edda em Prosa, de Snorri Sturluson, o conteúdo híbrido sobre o Ragnarök da Völuspá é inserido em uma grande sistematização uniforme dos mitos antigos e se torna ainda mais um produto de seu tempo (Abram, 2011, p. 208), conectando o velho mundo com o novo – especialmente na volta de Balder de Hel e com o casal de humanos sobrevivente. A própria produção da Edda em Prosa foi devida à existência de uma cultura cristã na região, mas também o seu conteúdo sobre paganismo foi filtrado pela nova religião (Sêmedo & Fernandes, 2017, p. 212).

 

Bibliografia:

ABRAM, Christopher. Myths of the pagan North. London: Continnum, 2011.

CARDOSO, Ciro Flamarion. Aspectos da cosmogonia e das cosmografias escandinavas. Brathair 6 (2), 2006, pp. 32-48.

HOLMBERG, Per et al. The Rök Runestone and the End of the World. Futhark 9-10 (2018-2019), pp. 1-38.

LANGER, Johnni. Um vulcão cristianizou a Islândia? Blog do Núcleo de Estudos Vikings e Escandinavos, 30 de março de 2018.

LANGER, Johnni. The Wolf's Jaw: an Astronomical Interpretation of Ragnarök, ARCHAEOASTRONOMY AND ANCIENT TECHNOLOGIES 6(1), 2018, pp. 1-20.

LANGER, Johnni. A morte de Odin? As representações do Ragnarök na arte das Ilhas Britânicas (séc. X). MEDIEVALISTA 11, 2012. 

LANGER, Johnni. Völuspá. In: LANGER, Johnni (Org.). Dicionário de Mitologia Nórdica. São Paulo: Hedra, 2015, pp. 555-558.

MARASCHI, Andrea. Learning from the Past to Understand the Present: 536 AD and its Consequences for Man and the Landscape from a Catastrophist Perspective. Ceræ: An Australasian Journal of Medieval and Early Modern Studies, 6, 2019, pp. 23-44.

OPPENHELMER, Clive et al. The Eldgjá eruption: timing, long-range impacts and influence on the Christianisation of Iceland. Climatic Changes 3/4(147), 2018.

PRICE, Neil; GRASLUND, Bo. Excavating the Fimbulwinter? Archaeology, Geomythology and the Climate Event(s) of AD 536. In: Past Vulnerability: Volcanic Eruptions and Human Vulnerability in Traditional Societies Past and Present, ed. Felix Riede, 2015, pp. 109–32. 

SÊMEDO, Rafael & FERNANDES, Isabela. The Context of Christianity and the Process of Composition of the Prose Edda. Roda da Fortuna 6(1), 2017, pp. 197-214.

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Como pesquisar pedras rúnicas pela internet

 

Imagem 1: alguns exemplos de pedras rúnicas. 




Leandro Vilar 

Doutor em Ciências das Religiões pela UFPB/NEVE 

vilarleandro@hotmail.com

Introdução

Esse pequeno texto consiste num material de auxílio para os interessados em querer trabalhar com as pedras rúnicas, mas não sabem como ter acesso a esse material arqueológico, e também como utilizá-lo para estudar a Era Viking e outros períodos da Escandinávia da Alta Idade Média (V-X). 

Na Escandinávia da Alta Idade Média, dois tipos de monumentos de pedra predominaram naquele território: as pedras gravadas (Picture stones), as quais possuem apenas imagens (pessoas, animais, objetos, lugares, armas, embarcações, etc.), estando restritas a ilha de Gotland (atualmente território sueco) e as pedras rúnicas (Runestones). Como a proposta desse texto é abordar o segundo tipo de monumento, foquei apenas em dissertar um pouco a respeito dele. 

Uma pedra rúnica ou estela rúnica, consiste num monumento erguido entre os séculos V ao XII, na Suécia, Dinamarca e Noruega, mas estando presente também na Inglaterra, Ilha de Man, Estônia e Rússia. Todavia, 80% desses monumentos concentram-se em território sueco, sendo datados principalmente do século XI, o qual representa o final da Era Viking. (ver imagem 1)

As pedras rúnicas inicialmente eram pequenas e continham apenas runas do Antigo Futhark (um dos alfabetos rúnicos de origem germânica). Por volta do século X, pedras rúnicas contendo imagens de pessoas, animais, símbolos e ornamentos, tornaram-se mais comuns. Além de passarem a usar o Novo Futhark, uma variação escandinava do alfabeto rúnico, possuindo menos letras, variações gráficas e fonéticas. Esse novo alfabeto predominou na produção desses monumentos até o século XII. 

No entanto, qual teria sido a função delas? As pedras rúnicas essencialmente são monumentos memorialistas e comemorativos, trazendo textos curtos, os quais destacam algum tipo de homenagem para uma pessoa específica. A maioria dos homenageados são homens, mas há casos de mulheres terem sido homenageadas. 

E nesse ponto, as homenagens eram prestadas para pessoas vivas, ou para se celebrar algum acontecimento, mas em muitos casos, principalmente no século XI, as homenagens eram de caráter póstumo, sendo dedicadas a pessoas que haviam falecido. Esses textos também eram curtos e expressavam informações diversas como nomes, descendentes, antepassados, local de falecimento ou de moradia, causa da morte, algum feito, acontecimento, uma oração (principalmente de tom cristão), etc. 

Agora sabendo um pouco o que são as pedras rúnicas e seus usos no passado, como elas podem servir de fonte de estudo? 

As pedras rúnicas não são apenas fontes arqueológicas, mas também são fontes escritas e iconológicas, o que revela três possibilidades distintas para o mesmo tipo de monumento, permitindo estudá-lo pelo âmbito da Arqueologia, História, Runologia (estudo das runas), Iconografia, Simbologia, etc. 

O conteúdo escrito permite uma série de possibilidades como estudos sobre localidades, territórios estrangeiros visitados (pois algumas informam sobre homens que faleceram em campanhas ou expedições), nomes próprios, relações familiares, usos da memória, recordação dos mortos, usos religiosos, acontecimentos históricos (ex: governo do rei Haroldo I da Dinamarca, as guerras do rei Canuto, o Grande, a expedição de Ingvar, o Viajante), etc. 

A nível iconológico é possível estudar os simbolismos presentes nestes monumentos e sua correlação com a arte, cultura, sociedade e religião do período. Nesse ponto, pode-se analisar os motivos ornamentais, os animais, pessoas, plantas, signos, etc. E há casos de algumas pedras rúnicas fazerem referências a mitos, como o de Sigurd lutando contra o dragão Fafnir, ou o do deus Thor pescando a serpente Jormungand. 

Estando diante dessas possibilidades que podem ser realizadas tendo as pedras rúnicas como fontes de pesquisa, agora falarei de como poder ter acesso a esse material sem precisar ter que viajar até o lugar. 

Nem sempre o pesquisador possui recursos e possibilidade para viajar até o local onde se encontram suas fontes, principalmente quando falamos em áreas como a Arqueologia, História e Antropologia. O pesquisador que tem interesse em estudar algo de um país distante, mas não possui condições de viajar para lá, isso para algumas pessoas se torna frustrante a ponto de fazê-las desistir de sua pesquisa. 

No entanto, graças a iniciativa de universidades, institutos, academias, grupos de pesquisas e estudiosos, acervos digitais foram criados. E no caso das pedras rúnicas existem vários sites que apresentam catálogos desses monumentos, o que ajuda bastante na hora de poder estudá-los, sem requerer a necessidade de ter que viajar a campo.

Alguns sites são mais simples, possuindo acervos pequenos e poucas informações, sendo organizados ou mantidos por voluntários, estudiosos independentes, estudantes ou até mesmo curiosos no tema. Mas para esse texto optamos em abordar dois sites profissionais, e citar um terceiro que serve para complemento. 

Rundata

Nomeado Scandinavian Runic-text Data Base ou em sueco Samnordisk runtextdatabas, consiste numa base de dados online e de acesso livre, a qual reúne informações sobre pedras rúnicas e inscrições rúnicas, contendo milhares de fontes. Anualmente a base de dados é atualizada com as descobertas. Consistindo num catálogo bastante preciso. 

O projeto do Rundata como é mais conhecido, foi iniciado em 1986 pelo Departamento de Línguas Escandinavas da Universidade de Uppsala, na Suécia. Inicialmente de uso interno, tornou-se público anos depois. A url de acesso é https://rundata.info/. 

O site atualmente está totalmente disponível em língua inglesa, já que originalmente era apenas em sueco. No site do Rundata é possível ter acesso a um acervo com mais de 6.700 mil itens. 

A interface do site não é de uso difícil, apresentando um mapa no lado direito com a localização das fontes, incluindo a quantidade por localidade. Ao centro temos as informações sobre o item escolhido, através de uma janela com barra de rolagem, a qual contém seu código de entrada (ou de catalogação), transcrição das runas, tradução para o inglês, informações complementares, e fotografias (embora nem todo item possua fotografia disponível). Ao lado esquerdo existe uma lista com barra de rolagem, que apresenta cada item do acervo, organizado pelo código geográfico (sigla da província ou país) e em sequência númerica. (ver imagem 2)




Imagem 2: página do site Rundata.


O site também permite usar a barra de pesquisa, onde insere-se o código de entrada referente a item a ser procurado. Pode-se também pesquisá-lo pelo mapa. O site também disponibiliza um link para referências bibliográficas, mas essas se encontram em sueco. 

Runic Dictionary

A interface desse dicionário rúnico foi desenvolvida pelo professor Tarrin Wills, e está online desde 2008. Tendo sido incorporada ao Nottingham Rune Dictionary. O site do Runic Dictionary está disponível na url: https://skaldic.abdn.ac.uk/db.php?if=runic&table=database&view=runic.  

Como o nome salienta, o site atua não apenas como uma base de dados contendo pedras rúnicas e inscrições, mas também outros tipos de informações de teor linguístico, pois disponibiliza um dicionário rúnico, onde pode-se inserir palavras em nórdico antigo, e procurar por seus siginificados, pois a interface do site permite cruzar dados com alguns dicionários de nórdico antigo. (ver imagem 3)

Imagem 3: página inicial do Runic Dictionary.

No entanto, no que diz respeito as pedras rúnicas, para se ter acesso ao catálogo, basta clicar na aba ”regions”, a qual mostrará a localização geográfica pela sigla e o nome do país ou território, e ao lado do nome haverá uma numeração identificando a quantidade de itens por localidade. Do lado direito da tela aparece uma lista específica, contendo todos os itens disponíveis daquela localização, ordenado em ordem númerica e nome da localidade onde foi encontrado. (ver imagem 4)

Imagem 4: página do catálogo de pedras rúnicas do Runic Dictionary. 


Ao se clicar em um deles, abrirá uma nova janela com as informações da pedra rúnica dentro de uma tabela no lado esquerdo, mostrando código de entrada, localização, coordenadas, transcrição das runas, tradução para o inglês, periodização e outras informações. No lado direito encontra-se o mapa com a localização e coordenadas no monumento. E abaixo, ficam as fotografias, quando disponíveis. No entanto, a maioria dos itens do Runic Dictionary não possuem imagens, e algumas são de baixa qualidade, o que requer conferir as fotografias ou ilustrações a partir de outros sites. (ver imagem 5)

Imagem 5: página da pedra rúnica Jelling 2 no Runic Dictionary.


Runeindskrifter

É um site mais simples, cujo título significa “Inscrições Rúnicas”, podendo ser acessado pela url: https://www.schleugerhard.com/. Diferente do Rundata e do Runic Dictionary os quais possuem mais informações, o Runeindskrifter embora possua um catálogo com milhares de itens, ele não traz informações sobre periodização, localização exata, entre outros informes. Além disso, a tradução das runas é feita para o dinamarquês, não o inglês. 

Entretanto, o destacamos aqui pelo fato de ele possuir imagens que as vezes não são encontradas no Rundata e no Runic Dictionary, o que torna esse site um complemento de pesquisa, sendo recomendado usá-lo como suporte para os outros sites mencionados. 

A interface do site é bem simples. No lado esquerdo há uma lista de localidades, e no lado direito encontram-se as imagens, ordenadas numericamente por região. (ver imagem 6).

Imagem 6: página do Runeindskrifter


Considerações

Os três sites apresentados aqui consistem em base de dados, embora que o Runic Dictionary também disponibilize o serviço de dicionário. No entanto, tais sites não servem necessariamente para estudar o que são pedras rúnicas, já que o objetivo deles é apresentar catálogos contendo informações básicas sobre elas e algumas imagens. 

Sendo assim, eles não possuem seções próprias para abordar as funções, origens, usos e estilos desses monumentos. Para se ter acesso a isso, deve-se recorrer a livros e artigos especializados. Recordando que nem sempre um livro sobre runas, vá abordar pedras rúnicas. Além disso, existe pouco material em língua portuguesa referente as pedras rúnicas. Sendo assim, abaixo segue uma bibliografia básica sobre esses monumentos. 

Referências básicas: 

ANDRÉN, Anders. Re-reading embodied texts – an interpretation of rune-stones. Current Swedish Archaeology, vol. 8, p. 7-32, 2000. 

GRÄSLUND, Anne-Sofie. Dating the Swedish Viking-Age rune stones on stylistic grounds. In: STOKLUND, Marie [et. Al] (eds.). Runes and their Secret. Studys in Runology. Copenhagen: Museum Tusculanum Press, 2006, p. 117-139.  

GRÄSLUND, Anne-Sofie. The Late Viking Age Runestones of Västergötland: On Ornamentation and Chronology, Lund Archaeological Review, v. 20, p. 39-53, 2014.

JANSSON, Sven B. F. Runes in Sweden. Translation by Peter Foote. 2. ed. Värnamo: Gidlunds/Royal Academy of Letters, History and Antiquities, 1987.  

OLIVEIRA, Leandro Vilar. A guardiã dos mortos: um estudo do simbolismo religioso da serpente em monumentos da Era Viking (sécs. VIII-XI). Tese (Doutorado em Ciências das Religiões), Programa de Pós-Graduação em Ciências das Religiões, Universidade Federal da Paraíba, 2020. (consultar o capítulo 4)

OLIVEIRA, Ricardo Wagner Menezes de. As religiosidades vikings em monumentos de pedra. Notícias Asgardianas, n. 8, p. 43-52, 2014. 

OLIVEIRA, Ricardo Wagner Menezes de. Feras petrificadas: o simbolismo religioso dos animais na Era Viking. Dissertação (Mestrado em Ciências das Religiões), Programa de Pós-Graduação em Ciências das Religiões, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2016.

PAGE, Raymond. Runes and Runic Inscriptions. London: Boydell Press, 1999.

SAWYER, Birgit. The Viking-age rune-stones: custom and commemoration in early medieval Scandinavia. Oxford: Oxford University Press, 2000. 

RUNDATA. Disponível em: https://rundata.info/. 

RUNEINDSKRIFTER. Disponível em: https://www.schleugerhard.com/.

RUNIC Dictionary. Disponível em: https://skaldic.abdn.ac.uk/db.php?if=runic&table=database&view=runic. 

THOMPSON, Clairbone W. Studies in Runography. Austin: University of Texas Press, 2016.

ZILMER, Kristel. Crosses on rune-stones: functions and interpretations. Current Swedish Archaeology, vol. 19, p. 87-112, 2011.


Leia também:


Runas e pedras rúnicas: guia visual


Sete erros históricos sobre Runas e Magia Rúnica






quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Lançamento: Dicionário de História das Religiões na Antiguidade e Medievo

 



Novo livro publicado pela Editora Vozes: 137 verbetes, redigidos por 43 pesquisadores nacionais e estrangeiros, com 570 páginas. Organizado por Johnni Langer (UFPB/NEVE) e prefácio de Hilário Franco Júnior (USP).


Vendas pela Livraria da Editora Vozes (clique aqui).


Informações detalhas do livro nesta página do Facebook (clique aqui).






sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Nova edição da revista Scandia é publicada online

 



A nova edição da revista Scandia está disponível online no site da revista. 

O novo número apresenta 1 entrevista, 3 resenhas, 9 traduções, 20 artigos e 36 pareceristas (lista completa no Editorial), num total de 910 páginas. 

Destaque para a entrevista com o professor Etunimetön Frog e o dossiê "Traduções - Vikings e Mitos Nórdicos na recepção literária ocidental, 1750-1900", com traduções ao português e espanhol dos seguintes poemas: The descent of Odin; An die nordische dichtkunst; Vikingen; ПЕСНЬ О ВЕЩЕМ ОЛЕГЕ; The challenge of Thor; L´épée d´Angantyr; The story of Sigurd; The folk of the mountain door.






terça-feira, 25 de agosto de 2020

Os seres espirituais na Religião Nórdica Antiga

Älvalek (“Elfos dançantes”), August Malmström, 1866.



Leandro Vilar

Doutor em Ciências das Religiões pela UFPB/NEVE

vilarleandro@hotmail.com


Introdução:

Na Religião Nórdica Antiga havia uma variedade de seres sobrenaturais que não eram os deuses ou os gigantes, mas que estavam relacionados com a natureza e o âmbito doméstico, atuando como protetores e proporcionadores de fertilidade, fecundidade e prosperidade. Por se tratar de uma religião pautada numa sociedade predominantemente agrícola e pecuária, percebe-se o destaque na crença em espíritos que asseguravam o sucesso nas colheitas, o crescimento dos rebanhos, a segurança da fazenda e da família. 

Esses espíritos englobavam seres os quais se manifestavam na forma humana ou na forma de animais, não sendo um termo utilizado como sinônimo de alma. Inclusive vários autores comentam a dificuldade de se estudar esses espíritos, pois alguns deles possuem funções bem parecidas, a ponto de ter suscitado dúvidas quanto a sua identidade: seriam espíritos diferentes? Ou os mesmos espíritos, mas com nomes diferentes? Sendo essa variação de nome, oriunda do regionalismo ou da época? Apesar dessas perguntas não possuírem respostas definitivas, os estudiosos perceberam alguns aspectos centrais nestes seres: alguns apareciam como mulheres, homens e outros em forma de animais, cujo gênero não era identificado. Esses espíritos eram somente visíveis em sonhos, visões, presságios ou por pessoas que possuíam alguma sensibilidade mágica ou espiritual. Esses seres viviam principalmente na natureza, habitando montanhas, cavernas, cachoeiras, florestas, etc. mas alguns moravam no lar. 

O presente texto consistiu numa pesquisa bibliográfica no intuito de definir alguns desses espíritos, comentando acerca de seus nomes, funções e aspectos. Algumas fontes literárias onde se pode consultar informações sobre esses espíritos, foram mencionadas. O estudo desenvolveu-se a partir da história das religiões, procurando trabalhar com a ideia de espíritos auxiliadores, proposta pelo historiador Angelo Brelich. As imagens apresentadas são meramente ilustrativas, não havendo representações de época desses seres. 

Para entender a existência dessa diversidade de seres sobrenaturais encontrados em algumas religiões, como a Religião Nórdica Antiga, mencionamos um comentário do historiador Angelo Brelich (1979, p. 43-44) a respeito da crença em seres sobrenaturais. O autor comentava que concebia esses seres divididos em duas categorias: 

1. A primeira refere-se aos deuses, os quais se manifestariam de várias formas, sendo visíveis, invisíveis, antropomorfos, zoomorfos ou híbridos, os quais estariam associados com vários aspectos da natureza, da vida, da sociedade e da cultura. 

2. A segunda era mais abstrata e vasta, incluindo uma diversidade de seres sobrenaturais como espíritos, entidades, monstros, heróis, criaturas fantásticas etc. 

Mas o que torna essa segunda categoria diferente da primeira para Brelich, é que nela estavam inseridos os seres associados com as necessidades ou expectativas cotidianas de proteção, alimentação, provimento, saúde, segurança, fertilidade, fecundidade. Brelich destacava que embora houvesse deuses que também estariam associados a essas necessidades, ainda assim, as pessoas queriam alguém mais próximo, e esses espíritos, animais, entidades e heróis viviam entre a humanidade, compartilhando de sua realidade, mesmo que os deuses eventualmente em algumas narrativas estivessem entre os homens, não era igual. A respeito disso, Brelich assinalava de forma mais específica, a crença em espíritos tutelares, comentando sobre seu vínculo com a residência, a terra, a propriedade rural, a família e sua herança. Tais características concediam a esses seres sobrenaturais uma percepção íntima entre eles e a pessoa (BRELICH, 1979, p. 48-50).  

Nesse ponto, acreditar em espíritos tutelares, segundo Brelich, vinha da necessidade do ser humano de ter alguém a quem recorrer par auxiliá-lo em sua vida de forma mais próxima. Os deuses eram solicitados sim, mas dependendo da religião, eles eram seres ocupados com suas vidas e afazeres, por outro lado, os espíritos tutelares tinham funções exclusivamente ligada aos seus familiares e protegidos, existindo praticamente para atendê-los e guardá-los. Diante desse comentário de Brelich, notamos que o caso das serpentes do lar ou serpentes-domésticas, insere-se nessa necessidade das pessoas de possuírem alguma forma mágica, religiosa, divina, sobrenatural a quem recorrer. Entretanto, acreditar que a residência pudesse ser guardada por um espírito guardião na forma de serpente não foi algo exclusivo dos escandinavos medievais. 

Os vættir e landvættir: os espíritos da natureza

A princípio começaremos pelas nomenclaturas, que nem sempre são fáceis de serem usadas. Os antigos nórdicos usavam o termo vættir para se referir aos espíritos no geral, o que poderia incluir seres que para nosso senso não seriam considerados espíritos, como elfos e anões. Além da condição que alguns estudiosos não consideram que as dísir e as fylgjur fossem vættir. A outra categoria ou subcategoria, eram os landvættir, os espíritos associados com a terra, sendo esses habitantes de rochas, cavernas, colinas, estando associados com a fertilidade da terra e intuitos de proteção. (TURVILLE-PETRE, 1964; DAVIDSON, 1968). 

Tentar catalogar qual espírito pertenceria a um dos dois grupos não é tarefa fácil, pois elfos e anões aparecem inseridos nas duas categorias, dependendo do autor que escreveu a respeito. Entretanto, os estudiosos tentam sublinhar algumas possíveis variações. O historiador Rudolf Keyser (1854, p. 192), um dos primeiros a dar atenção a essa crença nos espíritos protetores e da natureza, considerava que os vættir e os landvættir tivessem função de proteção, mas essa função estaria associada com o local e a região, diferente das dísir e as fylgjur que seriam espíritos que protegeriam individualmente as pessoas ou famílias. Keyser também assinalava que o conceito de landvættir, foi visto principalmente entre os islandeses e noruegueses. Ele comenta o caso da Lei Ulfjot de cerca de 930, que solicitava que as figuras de proa com cabeça de dragão ou serpente, fossem removidas ou cobertas, antes dos navios atracarem na Islândia, para que aquelas figuras não assustassem os landvættir. Outros autores comentam esse curioso exemplo, assinalando que a crença nesses espíritos da natureza fosse bem importante entre os islandeses, a ponto de terem criado uma lei para não os assustá-los. 

Os landvættir segundo consta nas sagas islandesas, estavam associados com a natureza, habitando colinas, montanhas, rios, rochas, concedendo proteção e fertilidade. Eles poderiam assumir forma humana, de gigantes e até a forma de animais. Eram conhecidos como seres tímidos, por isso dificilmente eram vistos, porém, alguns apareciam aos humanos. A história de Bjorn, o Bode conta que ele foi ajudado por um landvættir, nas atividades de caça e pesca; a ajuda foi tão boa, que o rebanho de cabras de Bjorn, cresceu. O fora da lei Grettir, o Forte, em sua jornada conheceu um estranho que disse que sua filha estava gravemente doente, mas ela foi curada por um misterioso homem que vivia numa caverna. O estranho disse à Grettir que achava que aquele homem na caverna fosse um landvættir. (TURVILLE-PETRE, 1964, p. 232).

Outros estudiosos assinalam algumas interpretações diferentes para entender os vættir e landvættir. Peter Munch (1926, p. 42) comentou que nos relatos escritos, existem as expressões holla vættir (bom espírito) e meinvaettir (mau espírito). Munch não deixa claro se trataria de uma influência cristã, essa noção entre bons e maus espíritos, já que ele comentou que com o avanço do cristianismo na Islândia e Noruega, os missionários e padres passaram a combater o culto a esses espíritos, os quais até receberiam oferendas em forma de comida. Os clérigos consideram essas criaturas como sendo demônios. 

Embora que Jan de Vries (1970, p. 260-261) assinalou que os vættir e landvættir se fossem ofendidos, poderiam causar danos aos humanos, suspendendo sua proteção e bênçãos, ou negando ajuda. O que poderia suscitar o uso da expressão meinvaettir. Não obstante, Munch (1926, p. 43) sugeriu uma dicotomia pouco usual, apontando que os holla vættir estavam associados aos deuses e elfos luminosos, quanto os meinvættir estavam associados aos gigantes, anões e elfos sombrios. Nota-se na referência aos elfos, que ele usa a classificação apresentada por Snorri Sturluson, na Edda em Prosa, em dividir os elfos entre seres benignos associados com a luz, e seres malignos, associados com as trevas. 

John MacCulloch (1930, p. 228-230) foi mais cauteloso ao falar desses espíritos. Para ele os vættir eram espíritos da natureza, diferente de outros seres como elfos, anões e fadas. Os vættir habitariam locais da natureza como florestas, cachoeiras e árvores, recebiam oferendas, geralmente em forma de alimento, e poderiam assumir distintas formas. Estavam ligados com a fertilidade, prosperidade e proteção. Ele comentou que esses espíritos eram confundidos com os elfos, por tais seres também estarem ligados com a natureza e a fertilidade, e poderiam estar associados com o culto aos ancestrais. Keyser (1854, p. 189-190) comentou que os vættir também eram confundidos com os elfos e as dísir, porém, os vættir estariam associados com os mortos, diferente dos elfos e as dísir. Embora ambos os autores não expliquem satisfatoriamente o porquê o culto aos ancestrais estaria ligado com esses espíritos. 

MacCulloch (1930, p. 229) assinalava que a palavra vættir possuía mais de um sentido, como visto nos relatos literários, mas em geral associada com a ideia de um espírito protetor, mas que também poderia agir de forma perversa. Ele comentava que havia histórias que mostravam vættir agindo de forma má, o que assinalava uma dificuldade de definir com clareza a identidade desses espíritos sempre como seres benignos. Essa visão negativa existiria segundo ele, durante o período pagão, e foi apropriada pelos cristãos, a fim de demonizar a crença nesses seres. MacCulloch (1930, p. 231-232) salientava que a crença nos vættir não esteve limitada apenas a Islândia e a Noruega, mas foi vista na Dinamarca, na Suécia e nas Ilhas Faroe. Ele também comentava que essa crença perdurou mesmo com a cristianização desses territórios, perpetuando-se no folclore escandinavo, pois seres como os Nisse(1), eram criaturas inspiradas nos vættir. 

Hilda Davidson (1968, 1993) pouco falou nos vættir, dando mais atenção aos landvættir. Para a autora, esses seres seriam espíritos da natureza que viveriam em montanhas, colinas, rios, campos, florestas, árvores, rochas, entre outros lugares. Lembrariam os espíritos guardiães vistos entre outros povos, como no caso dos anglo-saxões com suas histórias sobre os Cucullati, também chamados de “os encapuzados”, devido a usarem capas e capuzes. Esses seres estavam associados com a fertilidade, prosperidade e proteção e viveriam na natureza. Inclusive outros seres encontrados na Escócia e Irlanda também possuíam semelhanças com os landvættir nórdicos. Ela assinalava a capacidade de eles assumirem outras formas e de ajudarem as pessoas, porém, põem em dúvida se estariam associados com o culto aos mortos, como sugerido por Keyser (1854) e MacCulloch (1930). 

Apresentado essas características centrais sobre esses dois tipos de espíritos, as vezes considerados como categorias de seres espirituais, comentaremos a seguir sobre as dísir, as fylgjur, as hamingjur e os elfos, para depois falarmos especificamente do caso das serpentes como espíritos guardiões. Com exceção dos elfos, os demais espíritos mencionados possuem em comum o fato de serem referidos na maioria das vezes, como sendo do gênero feminino, apesar que as fylgjur poderiam assumir outras formas. 

As Dísir: espíritos da fertilidade

As dísir (dís no singular) são misteriosos espíritos femininos, associados com a fertilidade e a proteção, e segundo alguns autores, estariam associados com os deuses Vanes devido a esse referencial da fertilidade. Para Keyser (1854, p.175-184), as dísir seriam deusas menores, de nomes desconhecidos, mas que estariam associadas com a natureza, os campos e a proteção do lar. As dísir receberiam culto através de banquetes e sacrifícios (disáblot), em lugares privados ou públicos, como forma de simbolizar a prosperidade a elas atribuída. Para Keyser, o culto a essas deusas estava mais ligado com o bem-estar da família do que com ritos agrários. Ainda assim, ele sugeriu que era um culto bem difundido em algumas regiões da Escandinávia, devido a toponímia apresentar o nome dís, o que sugeriria se tratar de locais onde essas deusas eram cultuadas. Inclusive ele comentava que a condição dessas deusas ou espíritos, terem a forma feminina, era representação da condição do papel da mulher na sociedade escandinava como guardiã do lar. Dentro desse grupo de deusas estariam as hamingjur e as fylgjur, que seriam manifestações específicas das atribuições dessas divindades menores. 

Turville-Petre (1964, p. 221-224) comentava que as dísir eram espíritos femininos que recebiam culto, esse chamado de dísablot, que ocorria na época do inverno, nas chamadas “noites de inverno”. O culto envolvia o consumo de bebidas, e era realizado principalmente dentro do lar. Mas alguns relatos sugerem um culto externo, no qual envolveria sacrifícios em um altar, algo comentado na Saga de Hervor, na Saga de Egil Skallagrimsson, na Saga de Vigá-Glums, entre outros relatos. Esse culto as dísir seria feito para invocar a proteção desses espíritos femininos para assegurar o bem-estar da família, durante os meses frios do inverno. Apesar que as dísir também fossem mencionadas em outras épocas do ano, e até aparecessem em sonhos, como presságio. O que as faz serem confundidas com as fylgjur, que também são ditas aparecerem em sonhos. 

Nesse caso, Turville-Petre (1964, p. 225-227) sugeriu que a palavra dís pode ter sido uma invenção de poetas para se referir a fylgja. Por outro lado, ele sugeriu que caso não fosse uma invenção poética, a palavra dís poderia ser um termo regional de algum local da Escandinávia para se referir a fylgja, pois Turville-Petre como Keyser, assinalava que a distinção de funções das dísir para as fylgjur é quase nenhuma, pois as diferenças existentes se encontram na condição que não há menções as fylgjur recebendo culto e que essas se transformariam em animais, algo não visto com as dísir que se apresentariam em forma humana. 

Figura 1: Dísablót, August Malmström, c. 1860. 


Peter Munch (1926, p. 33) comentava que as dísir seriam um grupo de deusas associadas com a morte ou com a terra, representando a proteção das famílias e lares, e estando associada com ritos geralmente celebrados durante o inverno, no intuito de invocar a proteção e prosperidade para aqueles tempos difíceis. O disáblot era realizado nos lares ou ao ar livre, em locais demarcados com altares (dísarsal) ou outros indicadores. As dísir estariam associadas com presságios (spádís = dís vidente), e estavam associadas com os Vanes (vanedís = dís dos Vanes). Munch destacava o culto a essas deusas na Suécia, na região de Uppsala e vizinhanças. 

Keyser (1854, p. 185) falava que vestígios do culto as disir, era observado também na Noruega, Islândia e nas ilhas Orkney. Hans-Peter Naumann (2016, p. 624) corrobora a fala de Keyser, apontando menções ao culto das dísir em vários lugares, mas chamando a atenção para que na Suécia e Noruega, foram encontrados locais chamados Disâsen, Diseberg, Disevid e Disathing, o que sugere uma ligação dessas localidades com o culto a esses espíritos. Nauman também sublinha que o disáblot no lar, seria feito especificamente para se pedir a proteção daquela família, mas o culto público deveria ser celebrado para pedir a proteção e bem-estar da comunidade, pois ele destaca que nas sagas, há menções de reis participando do disáblot. Assinalando que na cultura nórdica os reis tinham um papel religioso também, o que incluía presidir e dirigir rituais e representar a proteção do reino, incluindo ser culpado por problemas como falta de chuva, pragas e inverno rigoroso. 

John Lindow (2001, p. 95-97) comenta que identificar as dísir seja algo difícil. Ele salienta que a palavra dís poderia significar dama, o que abriria uma vasta margem de interpretações, permitindo incluir deusas e outros espíritos no contexto. Diante disso, ele assinala a questão de Freyja ser chamada de Vanadís (dís dos Vanes, ou seria a dama dos Vanes?). Lindow também comenta que as valquírias são comparadas as dísir nos poemas Atlamal  e no Gudrúnarkvida, sendo conhecidas como as dísir de Odin. Seriam as “damas de Odin”? Por sua vez, na Edda em Prosa, Lindow diz que a giganta Skadi era chamada de “dís dos esquis”, pois a giganta usava esquis para se locomover nas montanhas nevadas. As Nornas, que eram as deusas do destino, também estavam associadas com as dísir, pois algumas dessas, supostamente através de sonhos, apresentariam presságios. 

Diante desses exemplos, John Lindow sugere que a palavra dís pode ter tido seu sentido alterado com o tempo, deixando de ser uma palavra comum para se referir a “dama”, para passar a ser usada no sentido de referir-se a divindades femininas de identidade indefinida, por isso haver narrativas que as dísir se assemelham as valquírias quando surgem no leito de morte da pessoa, ou aparecem como espíritos que podem atrapalhar, fazendo a pessoa se ferir, como no caso da fylgja-adversária. 

As fylgjur: espíritos protetores

Se os autores supracitados comentam que havia semelhanças entre as dísir e as fylgjur, vejamos que semelhanças eram essas. Enquanto a palavra dís é sugerida significar dama, a palavra fylgja é traduzida como “aquela que segue” ou “acompanhante”. Tal condição se deve pelo fato de que a crença nesses espíritos protetores, dizia que cada ser humano possuiria uma fylgja particular, que acompanharia a pessoa do nascimento até a morte. Tal condição lembra a ideia de anjo da guarda no catolicismo, ou a ideia de daemon entre os gregos antigos, ou de espírito animal pessoal, visto entre alguns povos de características xamânicas. 

A fylgja era geralmente descrita como tendo a forma de uma jovem mulher, sendo ela invisível para seu protegido. Com exceção de pessoas dotadas de dons mágicos ou espirituais que conseguiriam ver esses espíritos, a maior parte da população não as via. As fylgjur poderiam aparecer em sonhos, sendo chamadas de draumkona (mulher do sonho), ou poderiam aparecer através de visões ou na eminência da morte de seu protegido, características compartilhadas pelas dísir, segundo alguns relatos. As crenças diziam que quando uma pessoa via sua fylgja, significava que estava em perigo ou próximo de morrer. Assim, ver a própria fylgja era presságio de mau agouro. (TURVILLE-PETRE, 1964, p. 227-229).

Além de cada pessoa ter sua própria fylgja, havia fylgjur que protegiam famílias inteiras, sendo essas chamadas de aettarfylgja ou kynfylgja. Segundo o relato de algumas sagas, essas fylgjur de família, passavam de geração em geração, pois quando uma pessoa morria, a fylgja dela ia embora com essa pessoa, mas a fylgja de família permanecia, enquanto a família continuasse a existir. Devido a essa aproximação especifica com a família, esse tipo de fylgja seja confundida com o papel das dísir, como comentado anteriormente. (RAUDVERE, 2008, p. 239). 

Entretanto, a grande diferença entre as fylgjur e as dísir se devem a dois fatores: o primeiro, pelo fato das fylgjur poderem assumir a forma de animais, o segundo, pela condição das fylgjur não receberem culto. Keyser (1854, p. 187-189) comentou que em várias sagas há menções da presença das fylgjur em forma animal, geralmente aparecendo em sonhos para alertar sobre perigos ou a proximidade da morte do protegido. A forma animal variava nessas narrativas. Keyser apontou ter identificado fylgjur na forma de urso, raposa, lobo, touro e águia. Para o autor, esses animais teriam um valor simbólico no contexto da narrativa, algo que deveria ser analisado para entender essas visões. Keyser também comentou que a manifestação animal das fylgjur poderia não apenas alertar o protegido sobre ameaças, mas elas poderiam alertar os familiares. Ele cita o caso do poema éddico Atlamal (Cantar de Atli), no qual, Kotsbera sonhou com sua fylgja em forma de águia, mas o espírito anunciava que o perigo não seria com ela, mas com seu marido Hogni. 

Chantepie de la Saussaye (1902, p. 297) comentava que as fylgjur assumissem a forma de vários animais como lobos, ursos, corvos, águias, cisnes, pombos, abelhas, moscas e de cobras. Tal condição era reflexo do que ele considerava ser uma forte influência animista e xamânica na Religião Nórdica Antiga. Por tal condição, havia o que ele denominava de “fauna espiritual”, ou seja, os diferentes tipos de animais pelos quais as fylgjur poderiam se transformar.

John MacCulloch (1930, p. 234-235) dizia que nas sagas e poemas era mais comum as fylgjur aparecerem em forma animal, sendo essa forma chamada de dýrfylgja ou por outros nomes. Essa forma animal, segundo MacCulloch, não apenas teria um caráter simbólico associado com a interpretação dos sonhos, algo comentado décadas antes por Keyser (1854), mas poderia ser a personificação do caráter ou condição social da pessoa. Sobre isso, Keyser dizia que que em geral as histórias que narravam a presença de fylgjur na forma de urso, lobo, touro e águia, referiam-se a chefes ou guerreiros, sendo que esses animais possuem relação com tais aspectos. A águia personifica nobreza e autoridade, o touro expressa bravura e força, ursos e lobos também representam força, coragem, autoridade, imponência. Sendo essas características prezadas na sociedade nórdica para um chefe e guerreiro. 

Else Mundal (1993, p. 624) comenta que esses animais podem ser encontrados nas seguintes sagas: forma de urso e de touro (Saga de Njáls, cap. 23, na Saga dos Ljósvetninga, nos caps. 11 e 16, e na Saga de Vápnfirðinga, no cap. 13). Além desses dois animais, os quais Mundal diz serem mais comuns, a autora observou outras espécies como: raposa (Porsteins saga Vikingssonar, cap. 12), bode (Saga de Njáls, cap. 41), leão (Hrólfs saga Gautrekssonar, caps. 7 e 12) e leopardo (Spgubrot, cap. 2). Mundal assinala a referência de animais como o leão e o leopardo, criaturas inexistentes na Escandinávia, provavelmente trata-se de narrativas tardias, influenciadas por elementos simbólicos do sul do continente, o que explicaria a presença desses dois animais estranhos a fauna nórdica. Ainda assim, o leão e o leopardo seguiriam o simbolismo associado com nobreza, imponência, autoridade, virtude, força e coragem, algo que encontra respaldo para chefes e guerreiros. Para Mundal, a fylgja em forma feminina teria pensamentos próprios, independente da consciência de seu protegido. Porém, a fylgja-animal seria uma manifestação espiritual do seu protegido. 

Else Mundal (1993, p. 625) também destacou a complexidade de compreender as fylgjur devido aos vários termos usadas para se referir a esses espíritos. Dentre essas variações de nome, a autora assinalou: mannflygja (fylgja do homem ou fylgja pessoal), a forma feminina era chamada também de ófridarfylgjur (fylgjur-agitadas) e óvinarfylgjur (fylgjur-adversárias), sendo esses dois exemplos referentes as histórias onde fylgjur atacaram os inimigos de seus protegidos, a fim de protegê-los. As fylgjur de família eram chamadas de aettarfylgja e kynfylgja. As que apareciam em sonhos eram nomeadas de draumkona. As que pressagiavam a morte eram nomeadas de dauðafylgja. As que apresentavam vidência eram chamadas de spádís, o que as fazia ser confundidas com as dísir. Para Mundal os diferentes nomes das fylgjur pudessem ser reflexo de variações regionais, ou invenções dos poetas e escritores. Além disso, a autora considerava que as dísir poderiam ser outro nome para as fylgjur, embora ela não tivesse certeza disso. 

As hamingjur: espíritos da sorte

Entretanto, quanto as hamingjur (hamingja no singular), espíritos femininos da boa sorte, para Mundal não seriam outros tipos de espíritos, mas outro nome para se referir às fylgjur. Keyser (1854), MacCulloch (1930) e Turville-Petre (1964) seguiam a mesma opinião de Mundal, ao dizer que a hamingja seria outro nome para a fylgja. 

Já Peter Munch (1926, p. 302) considerava a hamingja diferente da fylgja, a primeira estaria associada com a sorte e a segunda com a proteção. Rudolf Simek (1993, p. 129) segue o posicionamento de Munch, ao dizer que a hamingja seria a personificação da boa sorte e inclusive poderia ser passada de um indivíduo ao outro, pois na concepção escandinava, a sorte seria um espírito que acompanharia a pessoa. Apesar que não se saiba exatamente como essa troca poderia ser feita. De qualquer forma, Simek salienta que a fylgja não era transferida, exceto a fylgja de família. No entanto, as hamingjur poderia ser confundida com as nornas, por essas serem espíritos do destino e também associadas em alguns casos com a sorte. 

Os elfos: seres com distintas identidades

Quanto aos elfos (álfar) esses também possuem problemas de interpretação e identificação. Enquanto o cinema, desenhos, ilustrações, quadrinhos e videogames perpetuaram a imagem de elfos sendo seres pequenos como gnomos e duendes, ou ora tendo a aparência humana, tendo um porte esbelto e nobre, possuindo cabelos longos, olhos claros e orelhas pontudas, os elfos na mitologia e folclore escandinavo não tinham sua aparência definida. 

Alaric Hall (2007, p. 54-55) comenta que a palavra nórdica álfar (elfo), possui paralelo etimológico com a palavra em inglês antigo, ælf. Ambas as palavras remontam ao proto-germânico alboz, que possui paralelo com o albus, no latim, que significa branco. Por essa etimologia, Hall sublinha que Snorri possa tê-la usada para criar suas duas raças de elfos, designando entre elfos claros e escuros. O autor também salientou que no contexto nórdico os elfos parecem pertencer apenas ao gênero masculino (2), como os anões, pois nos mitos nórdicos não há menções a anãs. No entanto, na mitologia anglo-saxã havia elfos (ælf) e elfas (ælfen). A condição dos elfos nórdicos serem apenas masculinos já os diferenciaria das dísir, fylgjur e hamingjur, por serem essas representadas essencialmente como mulheres. 

Além dessa distinção, Hall sugere que a palavra elfo no contexto nórdico pudesse ter distintas interpretações. Para ele, na Edda Poética, os elfos poderiam ser algum tipo de divindade menor, cujos nomes se perderam na tradição oral, ou até mesmo uma referência aos Vanes, o que os colocaria próximos aos ritos de fertilidade e prosperidade desses deuses, o que por sua vez, justificaria o álfablot (sacrifício aos elfos). Por outro lado, na Edda em Prosa, os elfos surgem como duas raças distintas, habitando dois mundos diferentes, mas sem importância nos mitos. Já nas sagas, os elfos são representados como espíritos da natureza, cujas funções os confundem com as dísir e os vættir. Sendo que eles também recebem oferendas para proporcionar fertilidade e proteção, e estariam associados com o culto aos mortos. Na poesia escáldica a palavra elfo aparece como substantivo usado para metáforas (kenningar) ou para apelidos masculinos. 

John Lindow (2001, p. 110) aponta que em alguns poemas éddicos como o Völuspá e o Lokasenna, os elfos são mencionados como estando em companhia dos deuses. Porém, eles não possuem sua aparência definida, e tampouco tem nomes próprios citados, diferente dos anões, os quais possuem vários nomes mencionados no Völuspá. E nesse quesito, Lindow comenta que no poema Völundarkvida, o herói Volund é visitado por um elfo chamado Dain, porém, Dain é um nome associado a anões. 

Figura 2: Ängsälvor (“Elfos do campo”), Nils Brommér, 1850.


Na Edda Poética não é dito onde os elfos habitariam propriamente, porém, na Edda em Prosa, Snorri menciona que havia duas raças de elfos, os elfos luminosos (ljósalfar) e os elfos sombrios (svartálfar) ou elfos escuros (dökkálfar). Os elfos luminosos viveriam em Álfheim (Terra dos Elfos) e os elfos sombrios moravam em Svartalfheim (Terra dos Elfos sombrios). O nome dos elfos sombrios ou escuros se daria segundo algumas interpretações, devido a eles viverem no subterrâneo ou longe da luz do sol. (LINDOW, 2001, p. 110). 

Embora Snorri Sturluson tenha apresentado essa variação entre os elfos, ela não influencia no relato mitológico e não é perceptível ter influenciado outros mitos e narrativas, pois os elfos não são referidos por essa diferença. Porém, os elfos eventualmente eram confundidos com os anões, o que se sugere que os svartálfar possam ter surgido dessa confusão, pois os anões costumavam habitar cavernas, eram ferreiros, artífices e conheciam magia, características associadas aos elfos. No entanto, a principal diferença entre os elfos e os anões, era que os elfos recebiam culto, o chamado álfablot. 

Lindow (2001, 53-54) cita o relato de um poeta islandês chamado Sighvatr Thórdason, que visitou a província de Västergötland na Suécia, no ano de 1017 ou 1018, o qual relatou ter testemunhado um culto aos elfos, sendo realizado numa casa. É importante salientar que naquele ano, a Suécia já estava em boa parte influenciada pelo cristianismo, ainda assim, práticas pagãs continuavam a ser realizadas. Esse culto aos elfos é mencionado em outras narrativas, embora com poucos detalhes de como ocorria.  

Ármann Jakobsson (2015, p. 215-216) destaca que os elfos são retratados de formas distintas nas Eddas e nas sagas. O autor comenta que nas sagas lendárias os elfos estão associados com a magia, nas sagas de reis eles estão associados com alguns monarcas, inclusive envolvendo culto aos mortos, nas Eddas eles são citados brevemente e sem importância na narrativa. Jakobsson salienta que os elfos também estavam associados com os anões, pois temos anões chamados de Álfr, Vindálfr e Gandálf. Isso gerava confusão entre os dois seres. O autor diz que a classificação de elfos luminosos e elfos sombrios pode ter sido inventada por Sturluson.

Para Jakobsson (2015, p. 216-217), os elfos poderiam ser uma categoria de seres espirituais, não uma raça, ou seria outro nome para se referir a espíritos da natureza, pois em algumas sagas, os elfos são associados com florestas, montanhas e cavernas, o que os aproxima dos vættir e landvættir, e tal condição foi mantida no folclore nórdico. Por exemplo, em regiões da Noruega e Suécia, os elfos são chamados de “povo oculto” (huldufolk). O autor salienta que muito do imaginário sobre os elfos foi desenvolvido nos séculos XVIII e XIX, com os contos de fadas, criando distintas imagens para esses seres, as quais não correspondiam a percepção que os nórdicos da Era Viking e da Baixa Idade Média, teriam deles. 

Jenni Bergman (2011, p. 10-12) apontou várias informações sobre essas criaturas. A autora salienta que os elfos eram criaturas associadas com a natureza, encontrando respaldo em outros espíritos da mitologia e religião nórdica, além de encontrar respaldo em outros seres vistos nas culturas dos germânicos, anglo-saxões, escoceses e irlandeses. A autora salienta que no século XIX, Jacob Grimm em seus estudos folclóricos, sugeriu a hipótese que os elfos seriam antigos genii locus, espíritos guardiões de determinados lugares, o que faria sentido, já que os elfos recebiam culto e oferendas. Não obstante, Grimm salientava que a divisão sugerida por Snorri sobre elfos luminosos e elfos sombrios, poderia estar influenciada por referenciais cristãos, baseadas em anjos e demônios, associando os elfos luminosos com o bem e os elfos sombrios com o mal e os mortos. 

Bergman (2011, p. 12-14) destaca que além da comparação e confusão dos elfos com os anões, ela sublinha o caso de que os elfos poderiam estar associados com os mortos, como os draugr (mortos-vivos). Os elfos sombrios que eram descritos habitando o subterrâneo e teriam a pele escura, talvez pudesse ser referência aos mortos? Além disso, Bergman sublinha que na literatura anglo-saxã, os termos relacionados a elfos eram bem mais variados no que na literatura escandinava. No caso anglo-saxão, havia relatos de elfos vivendo em diferentes locais da natureza, que os fazia lembrar as ninfas da mitologia grega, ou os próprios vaettir da mitologia nórdica. Ela também sublinha exemplos de pessoas adotarem a palavra elfo para formar nomes próprios, pois os elfos eram associados com inteligência e beleza. E havia histórias de elfos travessos.  

Sobre o álfablot, Turville-Petre (1964, p. 230-231) assinalou algumas dúvidas. Ele comentou que na Saga de Kórmak, a feiticeira Thordís recomenda que Thorvard, o qual havia sido derrotado e ferido em um duelo contra Kórmak, para que pudesse se curar rapidamente e ter mais sorte na próxima luta, deveria roubar um dos bois de seu inimigo, levar o animal até uma colina onde viviam os elfos, e sacrificar o animal ali, oferecendo seu sangue e carne a aqueles espíritos, para que eles lhe dessem saúde e proteção. 

Algo parecido é mencionado na Kristni saga (Saga da Conversão dos Islandeses), onde um bispo inglês, de nome Frederik, para converter a família do guerreiro islandês, Thorvaldr Koðrasson, o qual já havia se batizado, o bispo destruiu uma rocha, onde habitaria um ser chamado de ármaðr, que concedia proteção e bênçãos para a família e as terras daquele local. O pai de Thorvaldr somente aceitou se converter ao cristianismo, depois que o bispo Frederik expulsou o ármaðr. Para Turville-Petre (1964, p. 231) essa história do ármaðr, lembra o elfo da Saga de Kórmak, embora que os landvættir fossem seres bem parecidos com as funções dos elfos. 

Mas se esses dois casos suscitam dúvidas. Turville-Petre (1964, p. 231) salienta que o álfablot também fosse em algumas regiões, celebrado durante o inverno, o que o confunde com o dísablot.  Além disso, o autor comenta os casos de reis que possuíam seus nomes ligados aos elfos, e recebiam culto. Os reis Volund, o Elfo, Olavo Geirstađálfar e Álfr estavam associados ao culto dos elfos. O rei Olavo após a morte recebeu o epíteto de Geirstaðaálfar (Elfo de Geirstaða), e passou receber oferendas em seu túmulo, onde a população pedia por boas colheitas e proteção. Uma filha do rei Álfr, que diziam viver no leste da Noruega, realizava o dísablot num local chamado Álfhildr, sendo esse local associado aos elfos. 

Por tais comentários os elfos se confundem com outros vaettir e os anões, além de estarem associados com a natureza, ritos de proteção e talvez fertilidade, o que os fazia estarem conectados com os deuses Vanes. Além disso, sua ligação a reis que recebiam culto, sugere uma possível associação com o culto aos antepassados, apesar que isso sejam conjecturas embasadas em relatos curtos, contidos nas sagas, pois nas Eddas, a função, identidade e importância dos elfos não são revelados. 

As nornas: os espíritos do destino

Assim como ocorre com os elfos, as fontes literárias apresentam diferentes interpretações para estes seres, e o mesmo é válido para as Nornas. Na Edda em Prosa, Snorri Sturluson escreveu que as Nornas seriam três irmãs chamadas Urd, Verdandi e Skuld, e elas seriam as deusas do destino. E elas viveriam próximo ao poço Urdarbrunnr, diante de uma das três grandes raízes da Yggdrasil. Entretanto, em outras passagens dessa Edda, Snorri diz que haveria outras nornas, as quais ele não as nomeou, e essas estariam associadas tanto ao destino bom, quanto ao destino ruim. A ideia de que haveria mais de três nornas já era considerada em outros poemas na Edda poética, os quais necessariamente não limitavam tais seres em número de três.  (MUNDAL, 1993, p. 625-626). 

Simek (1993, p. 236-237) considera que haveria pelo menos duas versões conhecidas sobre as nornas: a versão de que haveria várias delas, e a versão da Edda em Prosa, onde também diz que existiriam outras, mas apenas três são destacadas. Para ele, esse foco que Snorri deu a Urd, Verdandi e Skuld, poderia ser uma influência da crença romana nas Parcas, e a crença grega nas Moiras, onde ambos os casos tínhamos três irmãs associadas com o destino. Simek também comenta que os nomes das normas Urd (passado), Verdandi (presente) e Skuld (futuro), necessariamente não teriam essa conexão temporal, podendo inclusive ser uma invenção mais tardia, pois ele sublinha que a palavra verdandi é uma variação do mesmo verbo que origina urd. E neste caso, ele assinala que o nome da norna Urd é citado desde o século X, sendo o mais antigo conhecido. No fim, ele reconhece que tais seres estariam associados com o destino e a sorte, mas também com a ideia de julgamento (dómr) e veredito (kvidr). 


Figura 3: Die Nornen Urd, Werdanda, Skuld, unter der Welteiche Yggdrasil (As Nornas Urd, Verdandi, Skuld, sob a árvore Yggdrasil), Ludwig Burger, 1882. 


Lindow (2001, p. 243-244) trata as nornas não como deusas, assim como mencionado por Snorri, mas as concebe como espíritos femininos associados com o destino e o nascimento. Ele cita o poema Fafnismál, onde há uma menção as nornas como sendo espíritos que vão receber as crianças assim quando nascem, então ditam a elas seus destinos. Neste caso, o dragão Fafnir diz a Sigurd, que haveria nornas a serviço os deuses, dos anões e dos elfos, apesar que não se sabe ao certo o que isso quisesse dizer. Lindown cita outras fontes que também apontam que haveria várias nornas e não apenas três delas. Provavelmente trata-se de uma versão do mito ou uma edição de Snorri ou de outro autor, e concebê-las na Edda em Prosa como sendo três irmãs principais. 

Langer (2015, p. 338-339) também defende que as nornas seriam espíritos femininos associados com o destino, e a boa e má sorte. As nornas ditariam os acontecimentos da humanidade, pelo menos é o que sugere alguns poemas e sagas. Entretanto, por ser material mitológico e até mesmo escrito após a Era Viking, a nível de crença religiosa, não se sabe exatamente como os nórdicos concebiam sua relação com as nornas, pois nem sempre a literatura expressa a realidade. Langer também comenta que em determinados momentos as nornas foram confundidas com as valquírias, pois essas ditavam o destino final, se o guerreiro iria para o Valhala ou não. Além disso, o nome Skuld também é referido como sendo o nome de uma valquíria. 

Notas:

1. O nisse é descrito como uma pequena criatura parecida com um gnomo ou duende. Ele também lembra o brownie escocês, o kobold germânico e o kaboutermanekken holandês. Os nisse são espíritos protetores que podem habitar uma residência específica ou vivem na natureza, em torno das casas e fazendas. Também estão associados com festejos natalinos. Nisse é a palavra mais utilizada na Noruega e Dinamarca. Já na Suécia, adota-se a palavra tomte. (THORPE, 1851a).

2. Hall (2007, p. 28) comenta que em fontes islandesas mais tardias do final da Idade Média, surge a palavra álfkona (elfa). Possivelmente uma influência inglesa, pois na língua inglesa existia uma palavra feminina par elfo. Todavia, essa palavra parece ter sido pouco usual mesmo no folclore escandinavo.


Referências:

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