O grupo interinstitucional NEVE (NÚCLEO DE ESTUDOS VIKINGS E ESCANDINAVOS, criado em 2010) tem como principal objetivo o estudo e a divulgação da História e cultura da Escandinávia Medieval, em especial da Era Viking, por meio de reuniões, organização de eventos, publicações e divulgações em periódicos e internet. Parceiro internacional do Museet Ribes Vikinger (Dianamarca), Lofotr Viking Museum (Noruega), The Northern Women’s Art Collaborative (Universidade de Brown, EUA), Reception Research Group (Universidad de Alcalá) e no Brasil, da ABREM (Associação Brasileira de Estudos Medievais) e PPGCR-UFPB. Registrado no DGP-CNPQ. Contato: neveufpb@yahoo.com.br

domingo, 30 de julho de 2023

O culto solar pré-viking, Arqueologia Escandinava Ep. 4

NOVO VÍDEO DO NEVE: Conheça os detalhes do mais importante culto religioso da Escandinávia Antiga, relacionado ao Sol, bem como a sua relação com as crenças nórdicas praticadas durante a Era Viking. O vídeo é apresentado pelo historiador Johnni Langer (série Arqueologia Escandinava). 







domingo, 23 de julho de 2023

Os vikings e os gatos - Cotidiano e História Ep. 18

NOVO VÍDEO DO NEVE: Os vikings e os gatos - Cotidiano e História Ep. 18. A professora Luciana de Campos apresenta algumas considerações históricas sobre a importância do gato na sociedade nórdica da Era Viking: o seu papel doméstico, econômico e religioso.




quarta-feira, 19 de julho de 2023

Novo vídeo analisa o Loki da Noruega Moderna

 Você conhece o Loki da Noruega Moderna? Venha descobrir mais sobre Askeladden, o herói do folclore norueguês e as sua relação com a Mitologia Nórdica da Antiguidade. Vídeo apresentado por Andréa Caselli (NEVE/Reception Group):




segunda-feira, 17 de julho de 2023

As falsificações vikings: Arqueologia Escandinava Ep. 3

O historiador Johnni Langer apresenta cinco falsificações famosas envolvendo os vikings, do século XVIII ao XX. Conteúdo: As inscrições da tumba de Canuto III da Dinamarca (01:15); as inscrições rúnicas de Runamo na Escânia (02:50); As inscrições da Gávea no Rio de Janeiro (12:50); A interpretação rúnica da Gávea por Jacques de Mahieu (22:30); A pedra rúnica de Kensington nos Estados Unidos (26:40); O mapa da Vinlândia da Universidade de Yale, EUA (33:30).




quinta-feira, 13 de julho de 2023

II Conferência Digital em Mitologia Nórdica/XI CEVE

Está se aproximando a nova edição do CEVE, que desta vez será realizada em conjunto com a II Conferência Digital em Mitologia Nórdica. Venha prestigiar o evento mais aguardado da Escandinavística brasileira: digital, público e totalmente gratuito. A programação contará com quatro conferencistas internacionais (Andrea Maraschi, Grégory Cattaneo, Gísli Sigurðsson e Simon Halink) e duas mesas redondas, além das sessões de comunicações e minicurso. As inscrições para ouvintes e comunicadores já podem ser realizadas pelo site, que também conta com a programação completa, clique aqui.




domingo, 9 de julho de 2023

O mais belo poema da Era viking - Sonatorrek, Livros e Leituras Ep. 7

 A professora Luciana de Campos apresenta o poema que é considerado o mais belo e emocionante da literatura escáldica: Sonatorrek, escrito por Egil Skallagrimsson no século X e inserido na Saga de Egil de Snorri Sturluson (século XIII d.C.).




terça-feira, 4 de julho de 2023

Dinos, vikings e fenícios: as fraudes arqueológicas das Américas

O professor Andres Andrews examina a pedra rúnica de Kensington acompanhado pela artista gráfica Lislotte Paulson, 1948. Nos detalhes: exemplar da cerâmica de Acámbaro e uma pedra de Ica. Fonte: StarTribune.

Johnni Langer (PPPGH-UFRN/NEVE/RECEPTION GROUP).

johnnilanger@yahoo.com.br


Conhecer e gostar do passado não é um privilégio dos historiadores e arqueólogos. A História sempre foi alvo de muito interesse público, mas em alguns casos, também de várias especulações e fraudes. Essas últimas muitas vezes serviram de contraponto a diletantes indignados pela suposta "indiferença" dos acadêmicos em torno de certos assuntos considerados fantasiosos, ou ainda, produtos de ideologias extremadas em certos fatos e suas interpretações. Este pequeno texto serve para que os leitores conheçam algumas facetas de antigas descobertas arqueológicas - hoje consideradas fraudes - mas que podem ser úteis para refletirmos como a sociedade cria diferenças formas de representar o passado, independente da Academia. Apesar de  não possuírem importância como objetos históricos legítimos, são também valiosos porque servem não somente para estudos de História da ciência, mas também para que possamos repensar nossas categorias de divulgação acadêmica e entender como os contextos sociais de cada momento perceberam o conhecimento científico.

O texto vai explorar somente fraudes e ou falsificações deliberadas. Não iremos comentar ou detalhar as centenas de estudos que interpretaram formações naturais ou a arte rupestre pré-colombiana dentro de referenciais de civilizações perdidas, esoterismo ou de ufologia, algumas existentes desde o século XIX. Após uma síntese histórica de cada fraude, elaboramos algumas interpretações iconográficas e históricas sobre elas.


1. A pedra de Gaspar, Brasil.

No início de 1972 foi encontrado na cidade de Gaspar (SC), um bloco com inscrições, no sítio arqueológico denominado Sambaqui de Poço Grande, propriedade de Olimpio Hanemann. As inscrições logo foram consideradas uma fabricação dos antigos fenícios pelo professor Evaldo Pauli da UFSC, docente na área de letras (Pedra de Poço Grande pode ser Documento dos Fenícios, Jornal de Santa Catarina, Florianópolis, 28 de julho de 1972, p. 1-2). Essa ideia também foi compartilhada inicialmente pelo frei Simão Voigt, estudioso do tema, por meio de fotografias, durante os anos 1970. Mas logo após examinar a pedra original, ele declarou que os sulcos das inscrições eram visivelmente recentes (Inscrições do século VII A.C. na pedra encontrada em Santa Catarina, Correio do Povo, Porto Alegre, 11 de agosto de 1972).

Nesta mesma década uma cópia das inscrições foi enviada por Simão Voigt ao renomado epigrafista Frank Moore Cross (Universidade de Harward), que considerou elas como sendo uma falsificação, no qual o autor teria possivelmente se baseado na inscrição histórica de Baal Libanon, entre outras (Desvendado o mistério da pedra fenícia: é uma falsificação, Jornal de Santa Catarina, 13/14 de maio de 1979; carta de Simão Voigt a João Rohr, manuscrito, 21 de dezembro de 1978). O assunto foi esquecido pela mídia e atualmente tanto a pedra de Gaspar quanto a grande correspondência e artigos em jornais publicados neste período podem ser consultados no arquivo do Museu do Homem do Sambaqui (Colégio Catarinense, Florianópolis, SC), com agendamento prévio. 



Figura 1: A pedra de Gaspar (clique na imagem para ampliá-la), fonte: Manoa expedições.

Interpretação:

A suposta presença de navegadores fenícios no passado brasílico não é uma novidade, sendo uma hipótese presente desde os tempos do Primeiro Império, mas contestada pelos acadêmicos de História e Arqueologia ao final do Oitocentos. Ela também teve um certo declínio na imaginação popular após a Segunda Guerra Mundial. Com as pesquisas arqueológicas de vestígios nórdicos medievais na ilha canadense de L'Anse aux Meadows, de 1960 a 1965, o tema da suposta vinda de navegantes perdidos do Velho ao Novo Mundo antes de Colombo recebeu um novo ânimo por parte de diletantes, memorialistas, pseudo-historiadores, pseudoarqueólogos, artistas e escritores. Para o imaginário desta época, como um antigo povo europeu conseguiu atravessar o Atlântico antes dos espanhóis e portugueses, outros também poderiam ter feito a mesma proeza, era uma questão de "lógica" e "naturalidade histórica". 

Esse impacto da descoberta nórdica fez com que um epigrafista norte-americano, Cyrus H. Gordon, revisse a inscrição brasileira da Paraíba, divulgada em 1872 e a considerasse genuína, apesar de ter sido logo refutada ainda no século XIX pelo maior orientalista do período, Ernest Renan. Gordon publicou seu estudo em 1968: "The Canaanite Text from Brazil", Orientalia, No. 37, 1968, pp. 425-436, mas também em revistas populares, como a Life (10 de junho de 1968), incendiando a imaginação pública, mesmo sendo contestado por outros acadêmicos. Obviamente, a notícia não demoraria a ser veiculada no Brasil, primeiro em Recife (Foram fenícios os que chegaram primeiro, Jornal do Commercio, 18 de maio de 1968) e no Rio de Janeiro (Jornal O Dia, maio 1968; Jornal do Brasil, 21 de janeiro de 1970).

Neste contexto de efervescência "difusionista", o livro Grandes enigmas da humanidade (1969, Petrópolis, editora Vozes, escrito por Roberto Andrade e Luis Lisboa) explorou este tema no subcapítulo "Fenícios no Brasil", apontando diversos tipos de supostos vestígios que confirmariam esta hipótese, como estaleiros e portos no Maranhão, Piauí, Ceará e Rio Grande do Norte. Na realidade tratam-se de formações geológicas presentes em muitas partes do litoral brasileiro que são tomadas popularmente como antrópicas (vide o caso dos "megálitos" de Florianópolis). Outras evidências apontadas neste livro são as "inscrições" gravadas ou pintadas (mas que constituem nas diversas manifestações de arte rupestre), e também formações naturais interpretadas como tendo origem humana, sendo a mais famosa a da Pedra da Gávea, cuja "tradução" foi realizada em 1930 pelo historiador  Bernardo da Silva Ramos e seguiu célebre: Aqui Baldezir, rei de tiro, primogênito de Jetbaal (p. 97). Desde os primeiros investigadores imperiais que subiram para analisar a Gávea (em 1839), já se alardeava que tratava-se de uma formação natural. Diversas pesquisas geológicas, geográficas e arqueológicas do século XX confirmaram a sua origem puramente erosiva, mas ela segue tendo um inabalável folclore popular até nossos dias.

 
Figura 2: Cena da estatueta da pedra da Gávea, filme Roberto Carlos e o diamante cor de rosa, 1970; Figura 3: Capa da segunda edição do livro Antiga História do Brasil, de 1970. Fonte das imagens: Google.


Esse grande imaginário sobre as inscrições da Gávea iria tomar uma dimensão realmente espetacular com o filme Roberto Carlos e o Diamante Cor-de-rosa (1970, figura 2), também conferindo à hipótese dos fenícios um grande "renascimento popular". Mas sem dúvida a principal influência para o imaginário intelectual daquele período foi a publicação da segunda edição do livro Antiga História do Brasil, em 1970 (RJ: Editora Cátedra, primeira edição de 1928). O livro foi escrito pelo professor Ludwig Schwennhagen, de origem austríaca e que residia no Nordeste brasileiro no início do século XX. A premissa básica do livro é que nosso país teria sido habitado por diversos povos da Antiguidade oriental, especialmente os fenícios, baseando-se quase que exclusivamente em formações geológicas daquela região, interpretadas como vestígios de antigos portos, cidades, fortificações e templos. Apesar de seu caráter extremamente fantasioso, o livro sempre atraiu uma grande legião de adeptos devido à ênfase do autor em questões linguísticas e epigráficas (vide a capa do livro: figura 3), baseadas em comparações superficiais entre as línguas indígenas e orientais, além de estudos da arte rupestre (interpretadas equivocadamente como inscrições de civilizações perdidas). Outro livro deste período que vai reafirmar um suposto passado fenício nas terras brasílicas é Pré-História Brasileira: fatos e lendas, do jornalista Renato Castelo Branco (SP: Quatro Artes, 1971), que já vinha escrevendo vários artigos em periódicos defendendo esse posicionamento (como em: Jornal do Brasil, 21 de janeiro de 1970; Teriam os fenícios conhecido o Brasil? Correio do Povo, Porto Alegre, 29 de julho de 1970).

Neste contexto histórico, uma aludida inscrição fenícia encontrada em um sambaqui catarinense em 1972 possui uma situação bem definida: o seu autor, possivelmente alguém com certa erudição (e provavelmente residente na capital catarinense), totalmente convicto da antiga presença deste povo em nosso país, quis criar um objeto que pudesse convencer a todos sem exceção desta "verdade". E essa tarefa não seria tão difícil. Existiam nesta época diverso manuais que possibilitariam ao dito intelectual condições técnicas para realizar a falsificação. Por exemplo, o manual arqueológico Os fenícios, de Donald Harden, havia sido traduzido pelo editora Verbo de Lisboa em 1967 e teve uma grande difusão, sendo encontrado em dezenas de livrarias, bibliotecas e sebos brasileiros durante o início dos anos 1970 (Por exemplo, disponível no acervo da biblioteca da UFSC em Floripa). Este livro contém diversos quadros do alfabeto fenício, além de muitos exemplos de inscrições históricas que podem ter sido tomadas como modelo. O próprio professor Frank Moore Gross, que analisou a pedra de Gaspar, considerou que seu autor tomou modelos clássicos de inscrições fenícias, como a KAI 31. O falsificador também devia conhecer as pesquisas arqueológicas em sambaquis do litoral catarinense, realizadas profusamente pelo padre jesuíta João Alfredo Rohr desde os anos 1960 (Instituto Anchietano de Pesquisas) e noticiadas em jornais locais. Assim, inseriu a mesma em um sambaqui, esperando que ela fosse descoberta algum dia (e ou talvez, brevemente).

Não podemos deixar de mencionar outra hipótese conjectural sobre a origem da pedra encontrada no sambaqui de Gaspar: ela pode ter sido elaborada por um pesquisador estrangeiro nos tempos do império. Em um local muito próximo, o sambaqui da lagoa de Saguaçu (100 km de distância de Gaspar, em Joinvile, SC), este foi escavado em 1865 pelo pesquisador de origem francesa Conde de La Hure. O mesmo enviou diversos relatórios de pesquisa ao Instituto Histórico e Geográfico do Brasil (RJ), afirmando que os indígenas que construíram os sambaquis eram de origem semítica e em outros relatórios, considerou que a Gávea e a cidade perdida da Bahia (manuscrito 512 da Biblioteca Nacional) eram de origem fenícia, enumerando diversos exemplos textuais de escrita cananita nestes relatórios. O conde de La Hure poderia ter criado a pedra de Gaspar, como uma resposta ao IHGB (que não lhe concedeu verbas para pesquisa). A inscrição de KAI 31, que segundo Frank Moore Cross foi uma das bases epigráficas para a fraude de Gaspar, foi descoberta e divulgada dez anos depois das pesquisas de La Hure em Santa Catarina. Ou seja, o pesquisador francês poderia ter sido o autor da fraude.

Os manuscritos de La Hure estão disponíveis na sede do IHGB no RJ: LA  HURE,  Conde  de  [V.  L.  Baril/Chabaud]. Considérations  sommaires  sur  l ’origine des  amas  de  coquillages  de  la  côte  du Brésil.  Dona  Francisca  (SC ),  10  de fevereiro de 1865.  IHGB,  lata  15,  doc.  9. LA  HURE,  Conde  de. Inscriptions  reproduits par  un  manuscrit de  la  biblioteque publique  de  Rio  de Janeiro  de  1754.  Rio  de  Janeiro,   14  de junho de 1865.  IHGB,  lata  92,  pasta  7. Sobre as pesquisas arqueológicas de La Hure no Brasil, consultar: LANGER, Johnni. Os sambaquis e o império. Revista do MAE, 2001.


Nota final: Vários outros orientalistas questionaram o estudo de Cyrus Gordon, como McKusick, MarshallCanaanites in America: A New Scripture in Stone? The Biblical Archaeologist 42(3), 1979, pp. 137-140 e também o o professor Frank Moore Cross (que como já comentamos, foi o analista da pedra de Gaspar nos anos 1970): The Phoenician Inscription from Brazil: A Nineteenth-Century Forgery,  Leaves from an Epigrapher's Notebook: Collected Papers in Hebrew and West Semitic Palaeography and Epigraphy, Volume: 51, 2003.  


2. Figuras de Acámbaro, México.

Em 1944 o comerciante Waldemar Julsrud afirmou ter descoberto várias estatuetas e figuras cerâmicas na cidade de Acámbaro, Guanajuato. As figurações são similares a diversos tipos de dinossauros e répteis desaparecidos. Julsrud afirmou que os camponeses locais vendiam as peças, sendo as circunstância da descoberta controversas e polêmicas. Em 1947 Julsrud publicou o artigo "Enigmas Del Pasado," alegando que os paleontólogos haviam se equivocado com as datações sobre os dinossauros.

O arqueólogo Charles C. DiPeso analisou a coleção destes objetos na década de 1950: eles não apresentavam sinais de que estiveram enterrados por séculos; não apresentavam ranhuras e fragmentações (típicas das cerâmicas pré-colombianas do México ou ainda, marcas de pás e picaretas do momento de escavações); a sua superfície era muito nova, denotando uma fabricação recente - concluindo que se tratavam de fraudes. O arqueólogo também acompanhou algumas escavações dos camponeses e verificou alguns locais onde os objetos haviam sido descobertos, constando que haviam ocorrido misturas nas camadas estatigráficas - ou seja, os camponeses fizeram cortes modernos para encobrir e enterrar cerâmicas realizadas nos tempos atuais. DiPeso também afirmou que descobriu que uma família de Acámbaro fabricava essas estatuetas durante o inverno, quando as atividades do campo estavam ociosas. Ele também verificou que a cidade (na época com uma população de 20.000 pessoas) possuía um cinema local, além da venda de jornais e histórias em quadrinhos, por meio do qual os camponeses poderiam ter se inspirado. A escola e a biblioteca local também poderiam ter fornecido influências para o conteúdo destas cerâmicas - ele também menciona que a cidade possuía uma coleção de arte egípcia, que pode ter inspirado parte da coleção. Assim, conclui que logo após a primeira compra de Waldemar Julsrud em 1944, os nativos começaram a fabricar as peças em massa, justamente para obterem algum tipo de lucro. DiPeso, C.C. The Clay Figurines of Acambaro, Guanajuato, Mexico". American Antiquity 18(4), 1953, pp. 388-389.

Em 1976 vários exemplares da cerâmica de Acámbaro foram datados por termoluminescência e os testes indicaram que a queima destes objetos foi efetuada em cerca de 30 anos antes de 1969, uma época muito próxima à descoberta das estatuetas: Carriveau, G. W.; Han, M. C. Thermoluminescent Dating and the Monsters of Acambaro. American Antiquity 41(4), 1976, pp. 497–500.

Os objetos de Acámbaro voltaram a se tornarem populares a partir dos anos 2000, quando grupo de pesquisadores e adeptos do criacionismo começaram a procurar supostas evidências do convívio entre humanos e dinossauros - supostamente provando assim, que a terra seria jovem e que houve o grande dilúvio bíblico.


Figura 4
 
Figura 5

  
Figura 6

Figuras de Acámbaro, fonte: Google.


Figura 7: Adolphe François Pannemaker, ilustração para o livro The Primitive World, 1857. Fonte: Wikimedia.


Interpretação:

A região de Acámbaro possuía uma tradição cerâmica antiga: a Chupícuaro, datada de 500 a.C. a 300 d.C, mas que tinha um padrão muito mais voltado para representações antropomórficas do que figuras animais. Também grande parte dos exemplares desta cerâmica eram pintadas, ao contrário dos vestígios encontrados por Julsrud, cujas figuras  são esculturas sem pigmentação de seres reptilianos, de formato alongado, pescoço e caudas longas - algumas são quase caricatas, outras um pouco mais delineadas e com certo realismo. No geral, as figurações recordam muito as imagens de dinossauros realizadas durante o final do século XIX e início do XX, como a de Pannemaker (Figura 7): exóticos, um tanto infantis, mesclando de forma grosseira o conceito de lagartos comuns com dinossauros. Por sua vez, uma das figuras mais fáceis de identificar é o triceratops (figura 5), que já havia sido classificado desde 1887 e já era constante de várias mídias populares no momento da descoberta da cerâmica de Acámbaro (incluindo o filme The Lost World, de 1925, El mundo perdido em espanhol). Outras figuras, como uma representado o que se supõe um brontossauro, catalogado em 1879, também já era popular no cinema, como no famoso curta metragem Gertie the Dinosaur (1914). A convivência dos dinossauros junto a homens pré-históricos foi também muito recorrente no cinema, como no clássico One Million B.C (1940, Hace un millón de años em espanhol). Com isso, percebemos que as figuras de Acámbaro são produtos modernos, realizadas dentro do imaginário e dos referenciais artísticos temáticos que seu período conhecia.


3. As pedras de Ica, Peru.

Em 1966 o médico peruano Javier Cabrera Darquea foi presenteado com várias rochas contendo figurações misteriosas, entre as quais dinossauros, naves espaciais, tecnologias avançadas e esculturas mitológicas. Elas teriam sido descobertas em uma caverna em Ica, no Peru. O médico posteriormente criou um museu para abrigar todos os objetos, além de publicar um livro na década de 1970, alegando que seria uma evidência da antiga visita de seres extraterrenos no passado pré-colombiano. Apesar da grande popularidade destas interpretações, foi descoberto que estas pedras seriam fabricadas artesanalmente por Basílio Uschuya, um fazendeiro local, que também vendia as mesmas para turistas. Em 1977 Uschuya foi filmado fabricando diversas peças para um documentário da BBC. Também algumas pesquisas de arqueólogos - examinando a pátina e a superfície dos objetos, além de vestígios de abrasivos, concluíram que seriam figurações realizadas na modernidade. Fitzpatrick-Matthews, Keith. The Ica Stones. Bad Archaeology, 2007. Carrol, Robert Todd. The Ica stones. The Skeptic's Dictionary, 2003.

As pedras de Ica voltaram a ser tema de interesse por meio de diversas publicações na internet, não tanto pelos adeptos dos extraterrestres na História, mas sim geralmente propagadas por pseudo-cientistas e defensores do criacionismo, sendo uma das supostas evidências de que a Terra seria muito jovem e que o homem teria convivido com dinossauros.


 
Figura 8

Figura 9

Figuras 10 e 11




Interpretação:

De modo geral, as representações de dinossauros das pedras de Ica são bem modernas e realistas: por exemplo, o brontossauro, estegossauro e tricerátops da figura 8 estão muito próximos das representações de animais pré-históricos de representações artísticas dos anos 1960. O carnívoro representado de forma isolada em frente a uma ser humano (figura 9), corresponde ao novo modismo da dinomania dos anos 1960, especialmente o sucesso da figura do Tiranossauro Rex nos Estados Unidos (classificado em 1905). Quanto ao referencial dos seres humanos antigos convivendo com dinossauros, representada tanto em Ica quando Acámbaro, já estava presente na ficção literária desde O mundo perdido (1912), de Conan Doyle, e vai fazer sucesso no cinema desde cedo, como em The Dinosaur and the Missing Link: A Prehistoric Tragedy e Prehistoric Poultry, ambos de 1917. Em 1925 foi produzido um dos filmes de maior sucesso sobre o tema, a adaptação do livro de Doyle, com o mesmo nome. O tema  de humanos convivendo com dinossauros é retomado em Teenage Cave Man (1958, Yo fui un cavernícola adolescente em espanhol) e One Million Years B.C. (1966, Hace un millón de años em espanhol, o mesmo ano que as pedras de Ica foram reveladas).

Outro detalhe importante a ser observado nas pedras de Ica é uma constante em tentar representar uma tecnologia que não existia nos tempos pré-colombianos, como a de antigos peruanos utilizando telescópios (figuras 10 e 11). Esse tipo de equipamento só vai ser inventado e utilizado para observação celeste após o Renascimento. Esse referencial de que conhecimento astronômico depende de equipamentos sofisticados é quase um consenso na imaginação popular, devido ao grande avanço da área nos tempos atuais. Na realidade, todo as informações da Antiguidade sobre a abóbada celeste provinham de observações a olho nu e registros orais, permitindo a povos como os incas a terem monumentos para acompanhar fenômenos solares periódicos (a exemplo da intihuatana de Machu Picchu); os povos do Neolítico ao erigirem Stonehenge na Inglaterra (com alinhamentos para diversos astros) ou os maias a criarem calendários e registros sofisticados (incluindo observatórios, como El Caracol de Chichen Itzá, mas sem equipamentos óticos). E também, povos como os Gregos conseguiram ter uma astronomia muito avançada, unindo astronomia observacional, registros de fenômenos periódicos e matemática (podendo inclusive, criar equipamentos mecânicos para prever eclipses, como o mecanismo de Anticítera, tematizada no filme de indiana Jones de 2023). Assim, qualquer tipo de representação do uso de telescópios no mundo pré-colombiano é um anacronismo, não somente pelo referencial da  História da Ciência e da Tecnologia, mas também pela Etnoastronomia.

4. A pedra de Kensington, Estados Unidos.

Consiste em um bloco com inscrições rúnicas descoberto em 1898 na área rural de Solem, condado de Douglas em Minnesota, na propriedade de um imigrante sueco, Olof Öhman. O bloco havia sido encontrado abaixo das raízes de uma árvore desta propriedade. A inscrição alude a exploradores escandinavos que teriam aportado na costa Leste dos Estados Unidos em 1362. Uma cópia das inscrições foi enviada ao professor Olaus J. Breda (Universidade de Minnesota), que logo publicou um estudo em 1910, alegando que ela era uma falsificação. Breda também enviou uma cópia para diversos especialistas europeus (Oluf Rygh, Sophus Bugge, Gustav Storm, Magnus Olsen e Adolf Noreen), todos concordando com a sua posição. Desde então, teve início um longo embate entre diversos intelectuais norte-americanos, alguns defendendo uma autenticidade ao objeto, mas a grande maioria até nossos dias mantendo uma postura cética. Page, Raymond. Runes in North America. Runes. London: British Museum, 2000, pp. 60-62; Krueger, David. Myths of the Rune Stone: Viking Martyrs and the Birthplace of America. Editora da Universidade de Minnesota, 2015.

Figura 12: A pedra de Kensington. Fonte: wikimedia.



Recentemente foram descobertas anotações manuscritas de um alfaiate, Edward Larsson, que residiu em Alexandria, Minnesota, datadas de 1883. Elas contém dois tipos de futhark (a forma do alfabeto rúnico), um deles com adaptações para o sueco moderno e com muita semelhança com o tipo de runas não padronizadas verificadas na inscrição de Kensington. Sköld, Tryggve. Edward Larssons alfabet och Kensingtonstenens. DAUM-katta, 2003.

Figura 13: Manuscrito de Edward Larsson, 1883. Fonte: Sköld, 2003.


Um dos mais recentes estudos epigráficos e históricos do objeto foi publicado em 2019, com os seguintes resultados: as pessoas que são suspeitas de estarem envolvidas na inscrição de Kensington são Olof Öhman, Sven Fogelblad e Anders Andersson. É apenas o dialeto sueco do filho de Anders que corresponde aos traços linguísticos da inscrição. Ele nasceu em 1863 na paróquia de Linsell em Härjedalen (Suécia) e emigrou em 1882 junto com sua mãe e irmã para Minnesota, onde mais tarde se casou com uma prima da esposa de Olof Öhman, estabelecendo-se em uma fazenda distante cinco quilômetros da de Öhman (o local onde foi encontrada a inscrição). Parece provável que ele foi o principal autor da inscrição, embora existam também alguns indícios de que seu amigo Olof Öhman desempenhou um papel importante na fabricação da pedra rúnica. Fridell, Staffan; Larsson, Mats. The Dialect of the Kensington Stone. Futhark: International Journal of Runic Studies 8, 2017, pp. 163–66.


Interpretação

O interesse norte-americano pelos vikings originou-se desde a publicação de Antiquitates Americanae (1838), do dinamarquês Carl Rafn. Baseado nas sagas islandesas, Rafn aventou a hipótese de que Vinland, o local onde os nórdicos teriam aportado na América, teria sido alguma região da Nova Inglaterra. Seguiu-se diversas publicações de intelectuais norte-americanos (e imigrantes suecos residentes nos EUA) tentando encontrar evidências das antigas incursões anteriores a Colombo em seu país: a interpretação que a rocha de Dighton portaria inscrições (mas na realidade eram gravuras nativas, conforme estudos de especialistas indicavam); a torre de Newport em Rhode Island seria uma construção nórdica (mas era um moinho colonial). Apesar do ideal de um passado nórdico ficar cada vez mais sólido entre os artistas e intelectuais (em contraposição a um passado nativo, pouco almejado), as alegações dos diletantes, intelectuais e populares não satisfaziam os incrédulos arqueólogos do país. 
Nas duas últimas décadas ocorre um grande incremento às idealizações e usos políticos e culturais da presença nórdica. Em 1887 foi inaugurada a primeira estátua de Leif Ericksson, em Boston, pela escultora Anne Whitney. O antropólogo Paul Du Chaillu publica em 1889 o primeiro livro anglófono com o termo Era Viking (The Viking Age), na cidade de Nova Yorque. O momento mais espetacular da Exposição Mundial em Chicago, realizada em 1893, foi a chegada do navio Viking, uma réplica da embarcação medieval de Gokstad, encontrada por escavações arqueológicas na Noruega em 1880. O Viking havia partido de Bergen chegando a Nova York, onde navegou até Chicago via rio Hudson. Langer, Johnni. Vikings, cultura e região: o mito arqueológico nórdico dos Estados Unidos. O Olho da História, n. 18, Salvador (BA), julho de 2012.  
É justamente neste contexto que se insere a falsificação de Kensington. Num momento em que os vikings são extremamente valorizados e existem poucas informações críveis sobre as incursões escandinavas (lembremos: as sagas islandesas são narrativas literárias e não crônicas históricas) – a absoluta credibilidade em um passado idealizado acaba, neste caso, apelando para as falsificações. É preciso encontrar uma prova que seja totalmente aceita pela comunidade acadêmica. Neste caso, já dentro de um panorama consolidado pela arqueologia moderna, as inscrições atestam duas evidências conjuntas. De um lado, a materialidade do documento escrito – sem ele não há História, não há passado consubstanciado. De outro, elas evidenciam que a sociedade em questão, possui marcas de civilização – pois a escrita é a base da identificação de um grupo humano superior, que supostamente "venceu a barbárie e transita em um estágio mais evoluído", aos olhos da epigrafia romântica, que revelou ao mundo a decifração de formidáveis sistemas de escrita pelo mundo desde os hieróglifos em 1822 e o cuneiforme em 1840. Com isso, o encontro de antigas inscrições nos Estados Unidos, sem dúvida, é um grande acontecimento, extremamente alardeado pelos jornais e revistas do período. Símbolos de mistério, elas evocam um passado alternativo, mas pretensamente superior ao nativo. A prova definitiva de um passado viking nos Estados Unidos. Langer, Johnni. Vikings, cultura e região: o mito arqueológico nórdico dos Estados Unidos. O Olho da História, n. 18, Salvador (BA), julho de 2012.  

Também alguns pesquisadores vem conclamando que a pedra de Kensington não pode ser vista apenas como um produto eurocêntrico e racista, mas um folclore enraizado em comunidades escandinavas norte-americanas que se orgulham de sua herança histórica - Kensington tornou-se, com isso, um símbolo do orgulho étnico. A pedra atualmente está exposta em um museu situado na cidade de Alexandria, Minnesota, atraindo milhares de turistas ao local todo ano - também uma demonstração entre idealização do passado e interesses comerciais locais. Inclusive, muitos escandinavos usam a citação da Virgem Maria na inscrição como sendo uma evidência de que os primeiros nórdicos na América teriam sido católicos. Desta maneira, percebemos um esforço da comunidade local para construir uma história que se adapte aos seus propósitos sócio-econômicos e auto consciência étnica. Michlovic, Michael. Folk Archaeology in Anthropological Perspectiv. Current Anthropology 31(1), 1990, pp. 105-106.


Conclusão: as fraudes arqueológicas como materializações da memória?

Alguns pesquisadores conclamam uma visão diferenciada para as fraudes arqueológicas. Elas não podem ser concebidas apenas como algo simplesmente oposto à uma verdade científica institucionalizada. Elas fazem parte de uma longa e antiga tradição, desde o Medievo, materializando ideais e usos da memória. Na América Latina, certas condições sociais e históricas sempre favoreceram as fraudes de artefatos: de potes astecas até os espetaculares crânios de cristais do México. Aqui o fator econômico-social também deve ser levado em conta - a falsificação surge para atender necessidades de camponeses (como Acámbaro e Ica), ao contrário de Kensington e  Gaspar, estes produtos totalmente intelectuais e idealizados, de pessoas provindas de categorias sociais mais próximas ao mundo acadêmico. O quantitativo também explica estas diferenças: Acámbaro e Ica possuíam dezenas (ou milhares) de peças, enquanto Kensington e Gaspar são únicas, individualizadas - enquanto os dois primeiros remetem à recorrência de imagens específicas da História para se obter recursos financeiros, o segundo grupo aponta para a idealização da descoberta de heróis civilizadores em um passado nacional. Também outros pesquisadores conclamam que ideais nacionalistas não podem sempre ser associados diretamente para todas as centenas de fraudes de origem indígena na América Latina, pois seria necessário compreender as razões para a existência de consumidores (compradores) de falsificações, estudando as redes sociais. Nas falsificações em grande escala, os falsificadores mesclam concepções de História e necessidades de "mercado" - a forma final dos objetos sempre vai atender a demandas, gostos e interesse predominantemente ocidentais. Com isso, apesar de não estarem vinculados aos ideais nacionalistas, estes produtores de fraudes também são coautores destas narrativas. Gillingham, Paul. The Strange Business of Memory: Relic Forgery in Latin America. Past and Present, Supplement 5, 2010.

Muito mais do que simplesmente apresentar os seus posicionamentos num referencial de pura autoridade científica perante as crenças populares e a pseudo-ciência contemporânea, historiadores e arqueólogos devem procurar compreender os contextos culturais de onde emergiram as falsificações arqueológicas e as necessidades culturais atreladas a elas. A Arqueologia popular/folclórica/fantástica ou pseudo-arqueologia deve ser tratada como um campo legítimo de interesse acadêmico: ela não é apenas o produto de ignorantes, irracionais ou fanáticos, mas sim, um resultado de fatores econômicos, sociais, ideológicos e emocionais, com variados graus de comprometimento. O que anima as crenças populares não é ignorância, mas um reconhecimento da importância da História. Michlovic, Michael. Folk Archaeology in Anthropological Perspectiv. Current Anthropology 31(1), 1990, pp. 105-106.

Cabe aos historiadores e arqueólogos a compreensão dos contextos históricos onde as interpretações "alternativas" do passado foram e são formadas até nosso dias. Isso é muito importante para que possamos desenvolver estratégias mais eficientes para uma divulgação científica comprometida não somente com qualidade de conteúdos, mas com um efetiva recepção positiva pela maior parte da sociedade atual.

Agradecimentos: à museóloga Caroline Liebl de Bastos (Museu do Homem do Sambaqui, Colégio Catarinense, SC) pela gentileza no envio de informações.


Indicações de leituras complementares:

Para quem deseja se aprofundar nas teorias difusionistas (povos do Velho Mundo nas Américas, como gregos, romanos, judeus, fenícios, cartagineses, egípcios, sumérios, etc) durante o final do período colonial, recomendamos o clássico: Gerbi, Antonello. O Novo Mundo - História de uma Polêmica (1750-1900). São Paulo: Cia das Letras, 1996.

Em relação ao tema das teorias dos fenícios no Brasil, consultar:

Joffily, Geraldo. A inscrição fenícia da Paraíba: A "inscrição fenícia da Paraíba": um documento apócrifo que há quase cem anos repercutindo nos maiores centros de paleografia do mundo. Revista de História da USP 46(93), 1973, pp. 205-222.

Langer, Johnni. Ciência e imaginação: a pedra da Gávea e a Arqueologia no Brasil império. Habitus 1(1), 20023, pp. 75-102.

Silva, Diógenes Henrique Carvalho Veras da. Os fenícios na produção intelectual brasileira. Monografia de História, UFRN, 2004.

Silva, Guilherme Dias da. A recepção da antiguidade nas Inscripções e tradições da America prehistorica de Bernardo de Azevedo da Silva Ramos (1930-1939). Tese de Doutorado em História, UFRGS, 2015.