Seminário apresentado pelas pesquisadoras Andréa Caselli e Luciana de Campos no canal Fantasticursos, coordenado pelo professor Alexander Meireles da Silva (UFG). O seminário aborda algumas das principais representações folclóricas escandinavas: as figuras de Troll, as fadas e as bruxas - as suas origens e as suas ligações com a Mitologia Nórdica.
sexta-feira, 28 de junho de 2024
domingo, 23 de junho de 2024
As valquírias na cultura pop
A representações
das Valquírias na cultura pop americana e japonesa
Introdução
Entretanto, Langer (2012) assinala
que as valquírias na mitologia nórdica teriam pelo menos quatro características
principais: serviçais em Valhala, amantes ou esposas de guerreiros ou heróis,
guerreiras e profetisas. Neste caso, a característica como guerreira foi a que
se sobressaiu nas artes e mídias, principalmente pelo fato de elas seres
divindades associadas com o campo de batalha, o mundo espiritual dos guerreiros
(Valhala) e uma divindade ligada com a guerra (Odin).
Além disso, a condição de elas irem buscar
as almas dos guerreiros mortos a torna em psicopompos (“guia das almas”), termo
usado para designar a função exercida, por deuses, espíritos, anjos,
divindades, seres sobrenaturais diversos, encarregados de guiar as almas para o
julgamento ou para algum dos mundos dos mortos. (MORREALL; SONN, 2011). Assim,
entre as atribuições das valquírias estaria essa de serem psicopompos.
As valquírias inicialmente teriam
sido espíritos sinistros associados com os guerreiros mortos. O poema Canção das Lanças (Darraðarljóð), presente na Saga
de Njál, descreve elas como seres horrendos, os quais fazem um tear com
ossos e vísceras humanos. Elas estariam tecendo com entranhas o destino dos
guerreiros, o que as colocava próximas da função das Nornas (“deusas do
destino”). Entretanto, em dado momento essa imagem sombria das valquírias foi
substituída por representações delas como mulheres jovens e belas. (SIMEK,
2007).
Assim, nas Eddas, principais fontes da
mitologia nórdica, as valquírias são representadas como belas e jovens mulheres
incumbidas de escolher as almas dos guerreiros mais valorosos que morreram em
batalha e os conduzir até o Valhala, o salão de Odin. Por sua vez, na Edda em
Prosa informa-se que parte dos guerreiros mortos também seriam conduzidos para
o Sessrúmnir, o salão de Freyja. Elas também apareceriam vivendo em Valhala, recebendo
os guerreiros que para lá iriam, o que inclui algumas representações iconográficas
em pedras gravadas como a Lilbjärs III e a Tjängvide, as quais mostram mulheres
segurando cornos de bebida, enquanto os oferecem a um guerreiro, algo
interpretado como uma referência as valquírias. Essa representação inclusive é
vista também em alguns pingentes e estatuetas, apesar que no caso dos pingentes
temos valquírias aparecendo armadas, representação não vista nas pedras
gravadas. (DAVIDSON, 1988).
Todavia, excetuando-se essas menções
pontuais, não existem mitos específicos que destaquem as valquírias como
grandes guerreiras, até mesmo Brunilda (Brynhildr) que aparece na Saga dos Volsungos, não temos descrições
dela em batalhas, apenas que usava uma cota de malha, elmo e portava armas. Algo
representado por alguns artistas em pinturas (Leeke, 1890; Bussiere, 1894;
Butler, 1909). Um aspecto a ser assinalado é que as representações da valquíria
Brunilda costumam enfatizar o drama associado a personagem, como ela ter sido
colocada em sono profundo e cercada por um círculo de fogo, posteriormente
sendo resgatada pelo herói Sigurd.
A ideia das valquírias como valentes e
hábeis guerreiras como se fossem “amazonas” da mitologia nórdica é algo que
passou a ser enfatizado pelo Romantismo do XIX, a partir de pinturas,
esculturas e depois com a ópera. Soma-se a isso também todo um contexto
nacionalista e ufanista em se buscar um passado de bravura para respaldar os
anseios políticos nacionais do XIX. (ADRIANSEN, 1993).
Assim, diferentes países europeus, mas
também americanos e asiáticos recorreram aos seus mitos, lendas e folclore para
buscar personagens que servissem de modelos heroicos, unindo-os a
acontecimentos históricos. No Brasil tivemos o Indianismo que valorizou os
indígenas, mas no caso escandinavo, os vikings e a mitologia nórdica foram
utilizados para essa finalidade.
Com isso, países como Dinamarca, Noruega e
Suécia recorreram cada um à sua maneira aos mitos e a história da Era Viking
para utilizá-los em suas finalidades nacionalistas, trazendo-os como valores de
homens e mulheres fortes, destemidos, trabalhadores, como também explorar
ideias de amor à pátria e à família. Dessa forma, as valquírias foram
escolhidas como símbolo que representasse o ideal da “mulher nórdica”,
inspirando pinturas e esculturas que representavam a “mãe pátria”. (LJØGODT,
2012).
Diante dessa valorização ideológica política
e cultural, temos representações de valquírias geralmente mostrando mulheres
trajadas com vestidos e usando lanças. Algumas dessas representações mostram valquírias
com asas (Freund, 1827; Bissen, 1835; Baumann, 1871; Frølich, 1895) ou montadas
em cavalos. Outras representações optam por valquírias trajadas com cota de
malha, segurando lanças e usando elmos com asas (Sandberg, 1818; Arbo 1869; Bayard,
1870; Leeke, 1870; Maud 1890). Há exemplos de valquírias usando vestidos mais
curtos, sem elmos, mas portando espadas e escudos (Freund, 1822).
Inclusive a representação de valquírias
trajadas com armaduras remontaria ainda o século XVIII, como visto numa
ilustração de Daniel Chodowiecki de 1787 para a ópera A Morte de Balder (1774) de Johannes Ewald. Nessa ilustração temos
o deus Hod diante de três mulheres trajadas com vestidos e armaduras, segurando
lanças e usando elmos com penachos.
Vale ressalvar que dessas pinturas
mencionadas (confira as referências no final), as valquírias costumam serem
retratadas em seu aspecto marcial, porém, existem obras de arte que exploram
outros aspectos delas como a estátua de Bissen (1835), em que sua valquíria
segura um cálice, a ilustração de Frølich em que vemos três valquírias carregando
jarros de bebida, e uma delas enche um corno de bebida; ou a pintura do Valhala
de Doepler (1905), na qual vemos duas valquírias acompanhando os guerreiros
durante o banquete de Odin. O pintor Lorenz Frølich em 1905 fez uma ilustração
mostrando três valquírias conduzindo um guerreiro morto diante de Heimdal, o
que evoca a função delas nos mitos.
No entanto, as representações que
realmente impactaram a cultura visual de forma mais extensa vieram com a ópera
alemã. Neste caso, o trabalho do compositor Richard Wagner (1813-1883), o qual
foi o autor da monumental ópera O Anel do
Nibelungo (1876), obra que tomou vários anos de sua vida, estando dividida
em quatro óperas, as quais baseiam-se no folclore dos Nibelungos, na Saga dos
Volsungos e na mitologia nórdica. Assim, a segunda ópera intitulada A Valquíria, destaca bastante tais
personagens, embora elas apareceram em outros momentos também. No entanto, o
figurino das cantoras as retratava usando vestidos longos, uma armadura,
lanças, escudos e elmos com chifres. Isso inclusive ficou marcante nas
ilustrações feitas para os cartazes e livretos da ópera.
Figura 1: Cantoras trajadas como valquírias em fotografia
de 1899 da ópera A Valquíria.
O visual desenvolvido para o figurino da ópera
wagneriana tornou-se marcante a ponto de servir de modelo para as
representações marciais das valquírias que começou a despontar na segunda
metade do XIX. Isso por sua vez, inspirou pinturas, esculturas, desenhos,
histórias em quadrinhos, videogames etc. Condição essa que como será visto o
uso de elmos com asas e peitorais são características recorrentes na cultura
pop dos séculos XX e XXI, principalmente no Japão.
Neste caso, as primeiras aparições das
valquírias remontam aos quadrinhos do final da Era de Ouro (1938-1955),
surgindo brevemente em uma narrativa do
Príncipe Valente (1937), apesar que essas personagens somente se
destacariam nos quadrinhos da Marvel durante a Era de Prata (1956-1970),
período que marcou uma reformulação na forma de produzir quadrinhos, atualizando
personagens clássicos pré-Segunda Guerra, além de ter sido uma época do
surgimento de grandes franquias, em especial destaque na Marvel, com a dupla
Stan Lee e Jack Kirby, os quais produziram o Quarteto Fantástico, o Poderoso
Thor, os Vingadores, o Homem de Ferro, o Incrível Hulk. Por sua vez, Stan Lee
ao lado de outros quadrinistas criou o Homem-Aranha, Doutor Estranho e os
X-Men. (JACOBS; JONES, 1985).
Soma-se também a esse período a inclusão
de super-heróis com problemas mais realistas e dilemas morais (Peter Parker e
sua rotina escolar, Tony Stark e o alcoolismo, Bruce Banner e seu temperamento
explosivo), além de temáticas sociais sobre racismo, xenofobia e feminismo. Esses
aspectos foram moldados a tramas de ficção científica que embalavam as hqs dos
anos 1960 e 1970, como foi o caso das revistas do Poderoso Thor, que trouxe a
popularização do universo da mitologia nórdica. (OLIVEIRA, 2014).
No volume 8 da revista, temos a
apresentação ao mito do Ragnarök, e em uma das páginas vemos o príncipe vendo
uma cena desse mito, na qual se encontra Odin, os lobos Skoll e Hati
perseguindo os deuses Sól e Mani, Thor lutando contra gigantes, valquírias
cavalgando pela ponte Bifrost, sendo seguidas por einherjar.
Figura
2: Página do
volume 8 do Príncipe Valente, Hal Foster.
Nesta representação das valquírias
observa-se que elas usam elmos com asas, capas, vestidos e couraças de metal,
além de empunharem espadas. O visual é bastante similar ao modelo romântico,
popularizado pela ópera wagneriana e pinturas do final do XIX e começo do XX.
Além disso, as valquírias nessa ilustração aparecem como guerreiras cavalgando
para a guerra final no Ragnarök, enquanto lideram os einherjar que ajudaram a
escolher, o que retoma sua função como psicopompo.
Figura 3: Primeira aparição das
valquírias na Marvel, na revista Journey into the Mystery #91 (1963).
Nessa imagem percebemos que as
valquírias são mulheres louras usando vestidos brancos. Na prática elas
poderiam ser tomadas por qualquer outra personagem, pois não há referências que
as associassem com as valquírias que habitualmente conhecemos com base na
iconografia difundida desde o XIX. Todavia, nas representações da Era Viking,
as valquírias são retratadas usando vestidos e tendo seus cabelos trançados.
Sendo assim, essa representação de 1963 feita pelo Jack Kirby, apresenta uma
versão mais próxima dessa outra forma de representar as valquírias, não se
prendendo a imagética delas trajadas como guerreiras.
Posteriormente, as personagens
voltariam a ser citadas novamente, agora aparecendo como guerreiras. Isso é
mencionado na revista Thor #133
(1966), sendo elas chamadas de Valkyrior, uma tropa de elite formada apenas por
mulheres, designada por Odin para guardar Valhalla e executar algumas missões
especiais. Com o tempo o grupo foi sendo desenvolvido em algumas revistas,
ganhando nome para seus membros e até recebendo mulheres de fora de Asgard como
a própria humana Jane Foster.
Figura 4: As valquírias em cena da
revista Thor #133 (1966).
Na década de 1970 tivemos a primeira
valquíria que ganhou maior destaque nos quadrinhos da Marvel, seu nome é
Brunnhilde (inspirada na mitológica Brynhildr). Ela é o alterego de Valquíria,
heroína que em várias ocasiões atua como líder das Valkyrior. Brunnhilde
apareceu a primeira vez na revista Avengers
# 83 (1970), participando de uma missão dos Vingadores. Sua presença foi
bastante significativa, já que ela estava presente na capa desse volume.
Nesta narrativa, Brunnhilde liderara
temporariamente um grupo de heroínas chamadas Damas Libertadoras (Lady
Liberators). O visual da personagem já era modernizado, mostrando-a usando uma
couraça, capa azul, corpete preto, braceletes e sandálias gladiadoras.
Destaca-se o fato de ela estar com as pernas a mostra, o que concede um toque
de sensualidade. Esse visual se tornará padrão para Valquíria mesmo atualmente
em algumas hqs, mostrando já um distanciamento do padrão visual do Romantismo.
Figura 5: Capa da revista The Avengers #83 (1970).
Dessa forma, as valquírias foram
aparecendo mais vezes nas hqs dos Thor e dos Defensores, já adotando um visual
mais baseado nos trajes de super-heróis, mas há casos de algumas revistas em
que o visual das valquírias se tornou até mais sensual. Seus trajes se
inicialmente lhe cobriam a maior parte do corpo, além de elas usarem elmos com
asas ou com chifres, gradativamente os trajes foram encurtando, tornando-se
armaduras mais justas como no caso da Valquíria; abandonando os elmos, trocando
os vestidos por calças, saias curtas, maiôs etc. Um exemplo de mudança radical
no vestuário das valquírias da Marvel ocorreu na revista Thor: Ages of Thunder (2008), em que vemos valquírias bem sensuais,
usando trajes curtos.
Figura 6: Brunhilde e outras valquírias na revista
Thor: Ages of Thunder (2008).
Figura 7: Capa da revista Valkyrie #1 (2019).
No filme Valeria surge como uma
espécie de amazona mercenária que se une a Conan e seu grupo em sua jornada
para matar o vilão Thulsa Doom, todavia, em determinada parte da trama, Valéria
aparece usando uma armadura prateada com saia, ombreira, botas peludas e um
chapéu com asas.
Figura 8: A atriz Sandahl Bergman como a personagem
Valéria, trajada como uma valquíria no filme Conan, o Bárbaro (1982).
Apesar da personagem não ser uma
valquíria propriamente, no entanto, é possível notar certas semelhanças com o
visual americano das valquírias. A armadura leve, que basicamente somente
protege o tronco, ao mesmo tempo que realça o busto dela; uma saia irregular,
sendo mais longa na parte da frente, os braços e pernas desnudos. Neste caso,
notamos certas semelhanças com o visual da Valquíria da Marvel, a qual aparecia
naquela época com as pernas e braços expostos. Além disso, sublinhamos o
aspecto sensual da personagem, característica típica das obras de Conan.
Valquírias de Age of
Mythology (2001)
Neste jogo as valquírias são
representadas como mulheres louras, usando inicialmente saia, uma armadura,
botas, elmo com penachos, estando armadas com lanças e montando cavalos
brancos. As valquírias são unidades de combate especializada para enfrentar monstros,
sendo elas disponíveis a partir da deusa Freyja, divindade associada com elas.
Todavia, no jogo temos Reginlief, a única valquíria que recebe nome e possui um
destaque na trama, guiando os outros protagonistas em dados momentos.
Figura 9: Reginlief ao centro e outras duas
valquírias.
Valkyrie Series (2013-2016)
Um ponto importante a destacar
nesses livros é a condição de que O’Hearn faz uso da função de psicopompo das
valquírias, pois nos mitos elas eram responsáveis por ir buscar as almas dos
guerreiros mortos em batalha. Os guerreiros valorosos seriam escolhidos para serem
levados ao Valhala. Essa ideia de valquírias conduzindo almas foi mantida e
ressignificada por O’Hearn para o contexto de seus livros, apesar disso,
apresenta uma interpretação contemporânea que difere do padrão dos quadrinhos
americanos de termos valquírias apenas como heroínas.
A respeito do visual de Freya e outras
valquírias, pelas capas de seus livros vemos a protagonista sendo uma valquíria
ruiva, usando uma armadura por cima de um vestido branco, usando botas,
empunhando uma espada e tendo asas negras. No entanto, como ela deve frequentar
o mundo dos humanos, ela acaba utilizando trajes comuns. Dessa forma temos
representações de Freya com diferentes tipos de roupas.
Figura 10: Capa do primeiro livro da série
Valquíria.
A respeito do visual da Valquíria nesse
filme ela possui dois trajes, ambos baseados no estilo de super-heróis típicos
dos filmes da Marvel. O primeiro é um traje preto com calças, mangas curtas e
capa azul. O segundo traje é branco, já tendo mangas longas e tendo mais
detalhes, consistindo no uniforme para o ato final.
Figura 11: A atriz Tessa Thompson interpretando
Valquíria em Thor Ragnarok (2017).
A personagem da Valquíria volta aparecer em Vingadores: Ultimato (2019), Thor Amor e Trovão (2022) e fez uma aparição especial em The Marvels (2023), em cada um dos filmes ela surge com trajes diferentes, mas nenhum deles é igual ao dos quadrinhos. Além disso temos algumas novidades. No filme dos Vingadores a Valquíria aparece montada num cavalo alado, referência direta as hqs, por sua vez, no quarto filme do Thor, Valquíria fala sobre a existência de Valhala, dizendo que para lá iam os valorosos guerreiros, que originalmente a guarda das valquírias é responsável por proteger aquele lugar, que representa o “paraíso”.
Figura 12: Valhala no filme Thor Amor e Trovão
(2022).
Em God of War (2018) as valquírias
foram corrompidas por Odin, por desobedecerem ao mesmo, então ele as enfeitiçou
e as aprisionou pelos reinos. Assim, ao todo existem nove valquírias que
representam desafios de combate para Kratos e Atreus, sendo inimigas opcionais.
Mas além de serem adversárias difíceis de serem derrotadas, o que chama atenção
é o visual estranho delas, as quais são representadas usando armaduras, tendo
asas de ferro, e usando elmos e máscaras sombrios. Cada valquíria possui traje
e máscara diferentes, como forma de identifica-las. Além disso, elas são
mulheres mais altas do que o normal, possuem força e agilidade sobre-humanas e
sabem usar magia. (DENNIS, 2023).
Figura 13: Arte conceitual de uma valquíria em God
of War (2018).
No primeiro jogo as valquírias são
inimigas de Kratos e Atreus, mas em God of War Ragnarök (2022) isso mudou.
Graças aos dois entrarem em conflito contra Odin e receberem o apoio de Freya
(chamada de “rainha das valquírias”), as mesmas se tornaram aliadas. Os
conflitos anteriores são reduzidos. E durante o Ragnarök, se pode ver
valquírias lutando como aliadas de Kratos. Mas outra mudança vinda com esse
jogo ocorreu em sua DLC lançada em 2023, a qual apresenta Valhala.
Nessa DLC, acompanhamos Kratos dessa
vez viajando sozinho até a ilha de Valhala, pois diferente da mitologia nórdica
cujo local é o salão de Odin, neste jogo trata-se de uma misteriosa ilha
cercada por um nevoeiro, a qual consiste num campo de provação, onde os
guerreiros enfrentam uma série de combates baseados em seu presente e passado
para serem testados. As valquírias aparecem nessa ilha como guardiãs,
instruindo Kratos sobre o lugar. Além disso, Freyja é retratada como a
comandante das valquírias, tornando-se uma deusa guerreira.
Figura
14: Cena de God of War Ragnarök: Valhalla (2023), mostrando Kratos conversando
com Freya, Mimir e algumas valquírias na ilha de Valhala.
Padrão japonês
Dessa forma, a temática da mitologia
nórdica que aparecia irregularmente em jogos de RPG (role playing game),
começou a chamar a atenção de algumas empresas japonesas como a Namco e a
Square Enix. Além disso, como será visto, as valquírias na cultura pop japonesa
tendem a ter pouca variedade visual de representações, além de serem retratadas
não apenas como guerreiras, mas como as responsáveis por recolher as almas dos
guerreiros mortos, característica deixada de lado nos quadrinhos da Marvel.
Valkyrie da Namco (1986-1989)
Assim, por se tratar de um RPG de
ação-aventura, a valquíria é uma guerreira que atua como defensora da Marvel
Land. Isso se torna nítido nas ilustrações do jogo, em que vemos uma mulher
loura e branca, usando um elmo com grandes asas, armadura sobre um vestido
branco, botas, e armada com espada e escudo. Um visual inspirado na ópera
wagneriana claramente.
Outro aspecto a ser comentado é que
a Namco não voltou a produzir outros jogos sobre valquírias, porém, passou a
usar a personagem em alguns jogos da franquia de JRPG Tales of (1995-2021) como
Tales of Phantasia (1995), Tales of Destiny (1997) e Tales of Eternia (2000).
Entretanto, nesses jogos a valquíria é apenas uma figurante ou uma inimiga.
Apesar disso, o visual estabelecido nos jogos anteriores foi mantido
Valkyrie Profile
(1999-2022)
Dessa forma, além de se jogar com
Lenneth, é possível jogar com vários outros personagens que acabaram morrendo,
mas cujos espíritos se tornaram einherjar, sendo treinados em batalhas por
Midgard, antes de serem enviados à Asgard. Além dessa missão, à medida que o
jogo progride, Lenneth vai descobrindo que existe algo a mais que Odin e os
outros deuses não contaram a ela.
Neste jogo a principal valquíria é
Lenneth, a qual é retratada como tendo longos cabelos cinzentos, além de usar
uma armadura, saia longa, botas, espada e um elmo com asas. O visual de Lenneth
é bastante inspirado no modelo desenvolvido pela Namco. Além disso, nesse jogo
ela mantém sua função original de valquíria, em ser aquela que escolhe os
mortos, já que a missão de Lenneth é recrutar guerreiros dignos de serem os
einherjar de Odin.
Figura 17: Arte conceitual de Valkyrie Profile:
Lenneth (2006) versão remasterizada do original.
Com o sucesso da franquia um mangá
resumindo o primeiro jogo foi lançado, além de outros jogos também foram
lançados, sendo o mais recente Valkyrie Elysium (2022. Neste jogo, acompanhamos
a valquíria Nora em sua missão de recrutar einherjar, mas novamente ela acaba
tendo problemas com outras valquírias e os deuses. No entanto, além da mudança
de jogabilidade, a qual passou para um RPG de ação-aventura, nota-se que o
visual das valquírias também mudou. Outras valquírias ainda conservam suas
armaduras pesadas e elmos com asas, mas Nora agora não utiliza mais um elmo,
mas uma tiara com penas, além de que seu traje embora consista numa armadura
sobre um vestido, apresenta contornos mais sensuais.
Figura 18: Nora e seus aliados em cena de Valkyrie
Elysium (2022).
Mas além de Gwendolyn e de Griselda,
o jogo conta com outras valquírias, as quais atuam como guerreiras de Odin,
protegendo sua cidade e executando suas ordens pelos outros cantos do mundo. No
entanto, todas as valquírias possuem o mesmo visual: um corpete, saia curta com
asas que permitem elas planarem, botas de cano longo, uma tiara com penas e uma
lança.
Figura 19: Action figure da valquíria Gwendolyn de Odin Sphere (2003).
A roupa das valquírias desse jogo é algo
bem diferente vista em outras produções japonesas e até americanas, pois seu
traje lembra um vestido de balé com adornos, diferente das habituais armaduras
que estamos acostumados. Além disso, as valquírias nesse jogo não apresentam um
aspecto sensual, algo visto em algumas hqs americanas, mangás e jogos
japoneses, o que novamente as coloca fora dos padrões.
Entretanto, no capítulo 21 (episódio
11 do anime) quando alguns guerreiros comentam sobre a perspectiva de poderem
morrer nas próximas batalhas, alguns falam que estavam esperançosos de que as
valquírias os notassem para conduzir suas almas a Valhala. Assim, neste momento
temos representações delas, atuando como seres espirituais que recolhem as
almas dos guerreiros mortos. Em termos visuais nota-se semelhanças do traje
delas com o primeiro jogo de Valkyrie
Profile, mas sobretudo com a ópera wagneriana.
Figura 20: Cena do anime Vinland Saga (2019),
episódio 11, mostrando duas valquírias.
Na cena em questão que pode ser
vista na imagem acima, nota-se duas valquírias louras, usando couraça de ferro
sobre vestidos brancos, mas elas estão descalças, um diferencial não visto em
outras produções. Seus elmos possuem longas asas brancas. Além disso, ambas
estão carregando espada embainhadas, enquanto uma segura uma espada e a outra
leva um escudo. Tais armas reforças a condição de elas serem vistas como
guerreiras, aspecto marcante na representação das valquírias.
Record of Ragnarok
(2017-presente)
Embora o mangá se chame em inglês
Record of Ragnarok, seu título original é Shūmatsu no Warukyūre, que significa
“Valquírias do Fim”, uma referência a Brunhilde, a mais velha das valquírias, a
qual propôs aquele torneio de lutas para garantir uma segunda chance a
humanidade, além de tentar se vingar de alguns deuses.
Além de Brunhilde o mangá informa
que existem outras doze valquírias, todas são irmãs, embora nem todas
apareceram ainda. As outras valquírias inclusive possuem trajes diversos que
vão desde roupas comuns usadas no dia a dia, passando por belos vestidos, além
de terem cabelos de diferentes cores, não sendo normalmente louras. Além disso,
elas no geral são personagens cômicas, algo diferente de visto em outras
produções, nas quais elas aparecem mais sérias e dramáticas.
Curiosamente elas não aparecem trajando
armaduras e nem portando armas. Além disso, algumas das valquírias são
sensuais, enquanto outras possuem a aparência de adolescentes infantilizadas.
Todavia, quanto a principal valquíria, a Brunhilde seu visual apresenta-a
usando um adorno com penas sobre a orelha esquerda, braçadeiras pretas e um
elegante vestido branco.
Figura 21: Cena do anime Record of Ragnarok (2021),
mostrando as valquírias Brunhilde e Göll.
Figura 22: Algumas cartas de valquírias no jogo Yu-Gi-Oh! Shadows of Valhalla (2018).
Nesse jogo nota-se um visual variado das
valquírias em que elas aparecem algumas com asas, outas usando capas, outras
possuem elmos com asas ou usam tiaras com asas. A cor de seus cabelos também
muda, além de que suas armaduras também possuem estilos diferentes, desde
armaduras mais pesadas até armaduras leves e com traços sensuais, como na carta
do meio. O interessante desse jogo de cartas é que as ilustrações das
valquírias combinam vários referenciais do padrão japonês visto nas últimas
décadas.
Considerações finais
Assim, é perceptível que no padrão
americano destaca-se bastante as valquírias desenvolvidas nos quadrinhos,
primeiro na obra de Príncipe Valente,
mas efetivamente nos quadrinhos da Marvel, que consequentemente foram para seus
jogos de videogame e filmes. Essas valquírias embora sejam ditas serem
protetoras de Valhala, no entanto, com o tempo elas se tornaram diferentes
grupos de heroínas, havendo várias formações de valquírias nos quadrinhos.
Soma-se a isso a condição de que as personagens deixaram de ter um visual
baseado no modelo romântico do XIX e adotaram cada vez mais trajes que seguem o
padrão dos uniformes de super-heróis, o que implica em roupas mais
contemporâneas (o que inclui até trajes sensuais), apesar que em alguns casos
encontramos elas ainda usando elmos e capas, referências ao padrão antigo.
Essa mudança no visual das valquírias na
Marvel segue o desenvolvimento das hqs em atualizar o visual de seus
personagens (aparência, cortes de cabelo, trajes, costumes, comportamentos etc.)
conforme a época que as revistas eram escritas. Basta observar personagens
icônicos como o Batman, cujo traje mudou bastante em oito décadas, além de
alguns aspectos de sua moralidade, comportamento, opiniões e relacionamentos, o
que inclui outros personagens e vilões importantes da sua franquia. (NOVA,
2022).
Além disso, inclui-se o elemento de ficção
científica cada vez mais recorrente em várias produções, por conta disso,
nota-se que os trajes das valquírias da Marvel se antes era associado com
vestidos, hoje basicamente elas usam calças, as vezes saias curtas e colantes.
No entanto, fora das produções do Universo
Marvel percebe-se que as valquírias ainda mantiveram características associadas
com o visual romântico das óperas do XIX, algo visto no jogo Age of Mythology. Entretanto, a Valéria
do filme Conan, o Bárbaro (1982),
apesar de conservar aspectos desse visual romântico, ela já apresenta aspectos
sensuais, inspirados no próprio universo literário de Conan, em que as mulheres
que acompanham o cimério sempre são belas, sensuais e usam pouca roupa. Ou
seja, o filme apenas representou essa perspectiva já existente nos contos e
novelas escritos por Howard desde a década de 1930.
Todavia, nos jogos de God of War, as valquírias apresentam um visual bastante único, elas
trajam armaduras pesadas, possuem asas de ferro e usam máscaras sombrias,
algumas até extravagantes. Isso se deve por conta da ambientação sombria e
violenta da franquia, além de algumas mudanças da empresa também, o Santa Monica Studios. Para se ter ideia,
os dois jogos mais recentes da franquia removeram os elementos eróticos que
costumavam aparecer nos jogos anteriores, reflexo da mudança do caráter do
personagem e das relações públicas da empresa, influenciada pela conjectura
social e moral mais recentes quanto a sexualização das mulheres. (GARCIA,
2018). É bem provável que se a saga nórdica de God of War tivesse sido lançada nos anos 2000, as valquírias teriam
um visual completamente diferente, inclusive mais sensual, tendo como base o
histórico dos jogos daquele período.
Por sua vez, o padrão japonês nos
apresenta valquírias mais próximas do modelo romântico do XIX e começo do XX,
algo visto principalmente nos jogos de videogame como Valkyrie da Namco e na franquia Valkyrie
Profile, apesar deque nessa série de jogos, a produção mais recente já
traga Nora não usando mais elmo com asas e uma armadura mais modernizada além
de alguns traços sensuais.
No tocante a sexualização das valquírias,
o mercado japonês ainda se sobressai em relação ao mercado americano de
entretenimento. Valkyrie Elysium, Record of Ragnarok, as cartas de Yu-Gi-Oh!, temos a presença de
valquírias sensuais. Embora em outros países do mundo críticas ao sexismo de
personagens femininas tenha aumentado a ponto de se alterar a forma como isso é
retratado na cultura pop, diminuindo a exposição das personagens. No Japão, nos
deparamos com uma situação mais complexa. A cultura pop japonesa em especial no
âmbito dos mangás, animes e videogames é conhecida a décadas por possuir apelo
sexual, havendo inclusive todo um ramo pornográfico e erótico dedicado a isso
dentro dessas mídias. (FERREIRA, 2021).
Sendo assim, a presença de valquírias
sensualizadas não é algo incomum no padrão japonês, porém, ressalvamos que
curiosamente é uma condição até pouco explorada, o motivo ainda não é
conhecido, o que demandaria uma pesquisa a respeito para se averiguar porque as
valquírias na cultura pop japonesa não são tão sensualizadas como outros de
tipos de personagens femininas como guerreiras, lutadoras, feiticeiras, bruxas,
estudantes, empregadas domésticas, garçonetes, sereias etc.
Entretanto, o visual das valquírias em Vinland Saga ainda conserva o modelo
romântico, somente atualizando a estética das armaduras em alguns casos. Já no
jogo Odin Sphere temos outro caso com
um visual singular, as valquírias usam trajes parecidos com o de bailarinas, e
a conotação sexista não é destaque, apesar que neste jogo existam personagens
sensuais. Todavia, a produção optou em não transpassar tais características as
suas valquírias.
No entanto, é preciso salientar que no
padrão japonês é comum notar as valquírias em alguns jogos e desenhos sendo
retratadas como aquelas incumbidas de escolher as almas dos guerreiros mortos e
leva-los ao Valhala. Algo apresentado nos livros de Kate O’Hearn, mas ausente
nas produções da Marvel, embora seja mencionado em alguns jogos.
Por fim, percebe-se que as representações
contemporâneas das valquírias na cultura pop destacam bastante o aspecto como
guerreiras, destacando-as como mulheres valentes, fortes, as vezes
temperamentais e até irônicas (algo visto com a Valquíria da Marvel e em Record
of Ragnarok), além da função delas como guia dos mortos (principalmente visto
na franquia Valkyrie Profile e nos livros Valkyrie). Por outro lado, também
encontramos produções que exploram a sensualidade das personagens ou as retratam
de forma mais sombria e dramática.
Fontes iconográficas:
Pedra
gravada Lillbjärs III. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:G_268_Stenkyrka_Lillbj%C3%A4rs_III.jpg.
Pedra
gravada Tjängvide. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Tj%C3%A4ngvide_image_stone.
Referências
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2019. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Pelotas.
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personagens foram atualizadas. Disponível em: https://gamarevista.uol.com.br/semana/qual-sua-hq-favorita/como-os-quadrinhos-se-adaptam-aos-tempos-atuais/.
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God
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Odin
Sphere. Disponível em: https://atlus.com/osl/.
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Legend of Valkyrie. Disponível em: https://www.arcade-museum.com/Videogame/legend-of-the-valkyrie.
Valeria
– Conan the Barbarian. Disponível em: https://conan.fandom.com/wiki/Valeria.
Valkyrie
Elysium. Disponível em: https://valkyrieelysium.square-enix-games.com/en-us/.
Valkyrie
– Kate O’Hearn. Disponível em: https://www.goodreads.com/series/114441-valkyrie.
Valkyrie
Profile: Lenneth. Disponível em: http://www.valkyrieprofile.com/LENNETH/
Vinland
Saga: Capítulo 21. Disponível em: https://vinlandsaga.fandom.com/wiki/Chapter_21.
Yu-Gi-Oh!
Shadows of Valhalla. Disponível em: https://yugioh.fandom.com/wiki/Shadows_in_Valhalla.
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valquíria. Pintura, 1869. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Paintings_of_valkyries#/media/File:Peter_Nicolai_Arbo_-_The_Valkyrie_-_NG.M.00259_-_National_Museum_of_Art,_Architecture_and_Design.jpg.
BAYARD, Émile. A
valquíria. Pintura, 1870. Disponível em: Émile
Bayard - Valkyrie - Category:Valkyries in art - Wikimedia Commons.
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Jerichau. As valquírias. Pintura, 1871. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Paintings_of_valkyries#/media/File:Elisabeth_Jerichau_Baumann_-_Valkyrier_-_1871.jpg.
BISSEN, Herman Wilhelm. A
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DOEPLER, Emil. Valhala.
Pintura, 1905. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Valkyries_in_art#/media/File:Walhall_by_Emil_Doepler.jpg.
FREUND, Hermanm Ernst. O
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FRØLICH, Lorenz. As
valquírias. Ilustração, 1895. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Valqu%C3%ADrias#/media/Ficheiro:Hild,_Thrud_and_Hl%C3%B8kk_by_Fr%C3%B8lich.jpg.
LEEKE, Ferdinand. As
valquírias. Pintura, 1870. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Ferdinand_Leeke_-_The_Valkyries,_1870.jpg.
MAUD, William T. A
cavalgada das valquírias. Pintura, 1890. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Paintings_of_valkyries#/media/File:The_Ride_of_the_Valkyries_by_William_T._Maud.jpg.
SANDBERG, Johan Gustaf. A
cavalgada das valquírias. Pintura, 1818. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Johan_Gustaf_Sandberg#/media/File:Valkyriornas_ritt_(1818)_av_Johan_Gustaf_Sandberg.jpg.