Prof. Dr. Johnni Langer (UFPB/NEVE)
O abandono de Vinland e a colonização nórdica
no Atlântico Norte ainda são alguns dos grandes problemas científicos nos
estudos medievais. Uma nova teoria – que, sem querer competir com a perspectiva
geoclimática, tenta introduzir novos olhares na questão e apontar novos
caminhos interpretativos, foi publicada no artigo From Vínland to Jerusalem in the
Beatus Galaxy: the impact of maps on the european mentality in the 11th century (Current
Swedish Archaeology 21, 2013).
Escrita pelo arqueólogo Leif Gren, a pesquisa defende que uma mudança
paradigmática na cosmologia europeia colaborou para o abandono da
colonização/navegação nórdica para o Oeste.
Gren foi influenciado pelos novos estudos de
cosmologia nórdica pré-cristã, que desde os anos 1990 vem incrementando tanto as
investigações sobre mitologia, religiosidade quanto de cultura material e
arqueologia. Baseado em autores como Anders Andrén, Margaret Clunie Ross e
Catharina Raudvere, Gren defende que os antigos nórdicos possuíam uma concepção
espacial/visão de mundo essencialmente horizontal (assim como os romanos).
Mesmo exploradores já cristianizados (como Leif Eriksson) ainda eram inseridos
neste paradigma – que pode ser sintetizado como sendo baseado em uma rede de
localidades e aglomerações tanto para objetos distantes quanto próximos e
principalmente, apresentando uma noção de periferia aberta. Este último ponto é
atestado pelo autor em análises de explorações nas sagas islandesas – onde este
paradigma é muito presente.
Após o século XI, penetra na Escandinávia uma
nova concepção cosmológica e cartográfica, baseada na noção de mundo
verticalizada, especialmente nos mapas T-O. A visão vertical é fundamentada em
áreas e sua periferia é fechada – assim, a concepção de Vinland/ilhas
atlânticas/continentes incógnitos é praticamente impossível para a nova
mentalidade espacial e cartográfica, que entra em conflito também com a
tradição oral (essencialmente horizontalizada). Para Gren, o novo paradigma já
estaria presente nos escritos de Snorri e Adão de Bremen.
O estudo de Leif Gren muito mais do que
apresentar uma resposta satisfatória para o abandono da colonização atlântica,
apresenta um olhar inovador da relação cultural entre Escandinávia e mundo
europeu cristão, inserido no novo impulso que a cosmologia vem tendo nos
estudos nórdicos e em certa medida no medievalismo em geral, mas também em
abordagens que tentam retirar da Scandia seu caráter tradicionalmente
periférico (como na coletânea Scandinavia
and Europe 800-1350: contact, conflict and co-existence, 2004).
Por se tratar de um artigo, algumas questões
mais detalhadas ficaram de fora. Por exemplo, nem todos os pesquisadores
(incluindo minha pessoa) são unânimes em caracterizar o modelo cosmológico
nórdico pré-cristão como sendo somente horizontalizado – ao menos na mitologia,
aqui seguindo os passos de Clunie Ross. Pensando como Eldar Heide, Andreas
Nordberg e principalmente Jonas Wellendorf, acreditamos em uma cosmologia
nórdica horizontal e vertical interdependentes e consecutivas ou ainda, de modo
separado, dependendo da fonte. Como o mito e a religiosidade, a cosmologia pagã
é muito dinâmica e variável. Mas concordamos totalmente com o autor, ao
apresentar uma visão predominantemente horizontal para o referencial social: em
termos de exploração, navegação e cotidiano o homem nórdico era semelhante ao
homem da Antiguidade Tardia.
Talvez o conceito presente no artigo de Leif
Gren que possa expressar todas as questões bibliográficas que apresentamos até
aqui é a questão das conexões.
Os medievalistas muitas vezes ficam presos em um recorte e temporalidade
fechada, buscando o rigor ao extremo de suas fontes, mas esquecendo-se das
múltiplas redes culturais que as sociedades criam com o tempo. Neste sentido, a
Escandinávia é exemplar e oferece muitas possibilidades futuras de
investigações.