LUA E SOL (VERBETE DO DICIONÁRIO DE MITOLOGIA NÓRDICA)
A
personificação da Lua (Máni) e do Sol (Sól) na mitologia escandinava. Ao
contrário da maioria das narrativas mundiais, a Lua é vista como um ser
masculino no mundo nórdico pré-cristão, assim como na mitologia irlandesa
(Ealhada), lituana (Meness) e eslava (Jarilo). E o Sol (Sól, Sunna) era visto
como um ser feminino, como nos mitos eslavos (Solntse), lituanos (Saule),
finlandeses (Beiwe). Na poesia éddica, Sól é considerada uma deusa dos ases e
Máni um gigante.
No
poema éddico Vafthrúdinismál 22-23,
Odin questiona o gigante sábio Vaftrúdinir porque o Sol e a Lua percorrem o céu
acima dos homens e a resposta é que ambos são filhos de Mundilfeari (aquele que
se move de acordo com o tempo), realizando este percurso pelo céu todo dia e
medindo os anos. John Lindow estudando os kennings da poesia escáldica,
acredita que poderia ter existido uma narrativa sobre a união sexual entre Máni
e as gigantas, mas não existem outras evidências sobre isso nos relatos
míticos.
Em
Gylfaginning 11, Snorri concede outra
versão para estes astros: Mundilfari é o pai de dois filhos muito bonitos,
chamados Máni e Sól - tendo esta segunda casado com Glen. Os deuses
enfurecem-se com o ato e colocam os dois na abóbada celeste – permanecendo
assim guiando duas carruagens transportando os discos do Sol e Lua. Durante o
Ragnarok, ambos serão devorados pelos lobos Skoll e Hati, mas é somente em
Snorri que isso é explicitado, especialmente no caso da Lua – um lobo chamado
Managarm (devorador de Máni) se alimentará com a vida de todos os humanos e
manchará o céu com o sangue da Lua e fará o Sol perder o brilho (Gylfaginning 12). Com certeza, trata-se
de uma alusão ao eclipse total da Lua, que é denominada em várias culturas
europeias de “Lua de sangue” - fenômeno causado pela atmosfera durante a
visibilidade do encobrimento total do disco lunar. O poema éddico Grimnismál 37-38 reforça alguns
elementos de Snorri, como a menção aos cavalos Árvak e Álsvid, que puxam as
carroças dos irmãos, mas cita o detalhe do escudo Svalin, que protege as
montanhas e mares do calor solar.
Existem
poucos estudos sobre Máni e Sól devido aos seus pequenos papéis na mitologia
escandinava. Leonhard Franz (1922) argumentava que teria existido algum tipo de
mitologia lunar, reforçado em 1929 por Ernst Philippson, mas depois contestado
por Rudolf Munch (1941). Rudolf Simek acredita que Snorri inventou o nome das
crianças Bil e Hjúki, que acompanham o Sol e a Lua e poderiam ser vistas da
Terra (Gylfaginning 11), mas a
narrativa deve ter uma base folclórica, visto que é encontrada em diversos
relatos europeus (a lenda do homem na lua portando uma vara – Bilwis - e uma
mulher levando um balde), especialmente na Escandinávia, Inglaterra e norte da
Alemanha, que segundo alguns, poderia estar relacionada à visibilidade das
fases ou das crateras da Lua.
Segundo
Simek e Boyer, existem muitas evidências de culto ao Sol na Idade do Bronze,
evidenciados pela grande existência de grafismos rupestres e do disco da
carroça de Trundholm. No Encantamento de
Merseburg (ver verbete), a deusa Sunna é citada como irmã de Sinthgun,
mas Simek acredita que a combinação dos antigos símbolos solares com o navio
nos contextos ritualísticos (que ocorrem frequentemente da Idade do Bronze aos
tempos medievais), parecem estar conectados à cultos de deuses da fertilidade
(como Njórd e Freyr, mas que não possuem conexões diretas com personificações
solares). Em 1936 Vilhelm Kiil argumentou que o nome Solberg significava montanha do sol, evidenciando algum tipo de
culto solar na Escandinávia. Em 1981 o francês Régis Boyer realizou um extenso
estudos sobre o simbolismo dos mitos solares na Idade do Bronze da
Escandinávia, inseridos em sua obra Yggdrasill:
La religion des anciens scandinaves. Algumas das principais pinturas de
Bohuslän analisadas por Boyer, embarcações transportando discos (relacionadas a
procissões e rituais solares), foram depois analisadas pelo astrônomo Göran
Henriksson em 1996, sendo associadas a eclipses totais do Sol nesta região.
Com
certeza, o espaço do Sol e da Lua na religiosidade nórdica pré-cristã foi muito
maior do que a maioria dos acadêmicos geralmente se posiciona. Além das
narrativas mitológicas, existem indícios de calendários que podem demonstrar a
importância ritualística destes dois astros. O líder germânico Ariovistus,
inimigo de César, foi aconselhado por mulheres anciãs de sua tribo, a não
combater antes da Lua Nova (De Bello
Gallico 1, 50). Segundo Tácito, os líderes germânicos reuniram-se para
negociar durante o prelúdio da Lua Nova ou Cheia (Germânia 11). O
astrônomo Göran Henriksson analisou marcações pré-históricas em rochas da ilha de
Gotland, báltico sueco, onde indicam fases da Lua Nova ou Cheia durante o
solstício de inverno. E o
arqueólogo Mike Parker Pearson comparou diversos sítios da Idade do Ferro em
áreas germânicas que possuem alinhamentos voltados para eclipses totais da lua
durante o solstício de inverno, demonstrando que além de observações, também
ocorreram registros destes fenômenos celestes. Na Era Viking, o computo do
tempo era realizado baseado em um calendário lunar e os períodos de tempo mais
curtos eram definidos pela noite e não pelo dia.
As representações de Sól e Máni na arte ocidental
são escassas e as existentes são muito simples. A mais famosa é a ilustração The wolves pursuing Sol and Mani (1909),
do pintor britânico John Charles Dollmann, realizada em preto e branco, com
traços simples em torno da oposição claro e escuro: Hati e Skoll perseguem os
carros do Sol e Lua, sendo os lobos representados como uma espécie de sombra
ameaçadora, cujas mandíbulas são proeminentes e assustadoras. Outra imagem é do
ilustrador de livros infantis, o húngaro Willy Pogany: Far away and long ago (1920). Com traços ainda mais singelos do que
a obra de Dollmann, aqui os lobos são representados de corpo inteiro e o Sol e
a Lua recebem apenas as representações dos dois discos, percorrendo o céu na
faixa da Via Láctea.
Anteriormente, o conhecido artista dinamarquês
Lorenz Frølich também havia realizado algumas imagens, porém mais próximas da
mitologia do que com caráter astronômico. Na primeira ilustração (1895), ambas
as divindades são retratadas dentro do ideal neoclássico, subindo aos céus. Na
segunda, ambos são atacados pelos lobos. Em 1908 o pintor inglês William
Colingwood, membro do Viking Club,
realiza uma ilustração extremamente romântica, desta vez incluindo na carruagem
do Sol o menino Bill portando o escudo Svalin, de grandes proporções. Uma das
imagens mais recentes deste mito é a pintura Skoll (1995), de Glenn Steward, com fortes cores, apresentando o
lobo perseguindo Sól, evidenciando algumas noções modernas sobre o mundo
selvagem e a natureza.
Johnni Langer
Ver
também: Constelações e mitos nórdicos; Fenrir; Pinturas rupestres nórdicas;
Planetas e mitos nórdicos.
Referências Bibliográficas:
BOYER, Régis. Máni/Sól. Héros et dieux du Nord. Paris: Flammarion, 1997,
pp. 98-99, 143-145.
HENRIKSSON, Göran. The grooves on the island of
Gotland in the Baltic Sea: a Neolithic lunar calendar. Proceedings of the Conference Astronomy of Ancient Society, Moscow,
2000, pp. 71-77.
HENRIKSSON, Göran. Solar eclipses and Encke´s comet on
Swedish rock carvings. Current studies in
Archaeoastronomy: conversations across time and space. Santa Fe, 1996, pp.
475-485.
LINDOW, John. Máni
(Moon)/Sól (Sun). Norse Mythology: a guide to the gods, heroes, rituals, and
beliefs. Oxford: Oxford University Press, 2001, pp. 222-223, 278-280.
REUTER, Otto Siegfried. Skylore of the North. Stonehenge Viewpoint n. 47–50, 1982.
SIMEK, Rudolf. Máni/Sól. Dictionary
of Northern Mythology. London: D.S. Brewer, 2007, pp. 201-202, 297.
VERBETE DO DICIONÁRIO DE MITOLOGIA NÓRDICA. São Paulo: Hedra, 2015.