Imagem 1: alguns exemplos de pedras rúnicas.
Leandro Vilar
Doutor em Ciências das Religiões pela UFPB/NEVE
vilarleandro@hotmail.com
Introdução
Esse pequeno texto consiste num material de auxílio para os interessados em querer trabalhar com as pedras rúnicas, mas não sabem como ter acesso a esse material arqueológico, e também como utilizá-lo para estudar a Era Viking e outros períodos da Escandinávia da Alta Idade Média (V-X).
Na Escandinávia da Alta Idade Média, dois tipos de monumentos de pedra predominaram naquele território: as pedras gravadas (Picture stones), as quais possuem apenas imagens (pessoas, animais, objetos, lugares, armas, embarcações, etc.), estando restritas a ilha de Gotland (atualmente território sueco) e as pedras rúnicas (Runestones). Como a proposta desse texto é abordar o segundo tipo de monumento, foquei apenas em dissertar um pouco a respeito dele.
Uma pedra rúnica ou estela rúnica, consiste num monumento erguido entre os séculos V ao XII, na Suécia, Dinamarca e Noruega, mas estando presente também na Inglaterra, Ilha de Man, Estônia e Rússia. Todavia, 80% desses monumentos concentram-se em território sueco, sendo datados principalmente do século XI, o qual representa o final da Era Viking. (ver imagem 1)
As pedras rúnicas inicialmente eram pequenas e continham apenas runas do Antigo Futhark (um dos alfabetos rúnicos de origem germânica). Por volta do século X, pedras rúnicas contendo imagens de pessoas, animais, símbolos e ornamentos, tornaram-se mais comuns. Além de passarem a usar o Novo Futhark, uma variação escandinava do alfabeto rúnico, possuindo menos letras, variações gráficas e fonéticas. Esse novo alfabeto predominou na produção desses monumentos até o século XII.
No entanto, qual teria sido a função delas? As pedras rúnicas essencialmente são monumentos memorialistas e comemorativos, trazendo textos curtos, os quais destacam algum tipo de homenagem para uma pessoa específica. A maioria dos homenageados são homens, mas há casos de mulheres terem sido homenageadas.
E nesse ponto, as homenagens eram prestadas para pessoas vivas, ou para se celebrar algum acontecimento, mas em muitos casos, principalmente no século XI, as homenagens eram de caráter póstumo, sendo dedicadas a pessoas que haviam falecido. Esses textos também eram curtos e expressavam informações diversas como nomes, descendentes, antepassados, local de falecimento ou de moradia, causa da morte, algum feito, acontecimento, uma oração (principalmente de tom cristão), etc.
Agora sabendo um pouco o que são as pedras rúnicas e seus usos no passado, como elas podem servir de fonte de estudo?
As pedras rúnicas não são apenas fontes arqueológicas, mas também são fontes escritas e iconológicas, o que revela três possibilidades distintas para o mesmo tipo de monumento, permitindo estudá-lo pelo âmbito da Arqueologia, História, Runologia (estudo das runas), Iconografia, Simbologia, etc.
O conteúdo escrito permite uma série de possibilidades como estudos sobre localidades, territórios estrangeiros visitados (pois algumas informam sobre homens que faleceram em campanhas ou expedições), nomes próprios, relações familiares, usos da memória, recordação dos mortos, usos religiosos, acontecimentos históricos (ex: governo do rei Haroldo I da Dinamarca, as guerras do rei Canuto, o Grande, a expedição de Ingvar, o Viajante), etc.
A nível iconológico é possível estudar os simbolismos presentes nestes monumentos e sua correlação com a arte, cultura, sociedade e religião do período. Nesse ponto, pode-se analisar os motivos ornamentais, os animais, pessoas, plantas, signos, etc. E há casos de algumas pedras rúnicas fazerem referências a mitos, como o de Sigurd lutando contra o dragão Fafnir, ou o do deus Thor pescando a serpente Jormungand.
Estando diante dessas possibilidades que podem ser realizadas tendo as pedras rúnicas como fontes de pesquisa, agora falarei de como poder ter acesso a esse material sem precisar ter que viajar até o lugar.
Nem sempre o pesquisador possui recursos e possibilidade para viajar até o local onde se encontram suas fontes, principalmente quando falamos em áreas como a Arqueologia, História e Antropologia. O pesquisador que tem interesse em estudar algo de um país distante, mas não possui condições de viajar para lá, isso para algumas pessoas se torna frustrante a ponto de fazê-las desistir de sua pesquisa.
No entanto, graças a iniciativa de universidades, institutos, academias, grupos de pesquisas e estudiosos, acervos digitais foram criados. E no caso das pedras rúnicas existem vários sites que apresentam catálogos desses monumentos, o que ajuda bastante na hora de poder estudá-los, sem requerer a necessidade de ter que viajar a campo.
Alguns sites são mais simples, possuindo acervos pequenos e poucas informações, sendo organizados ou mantidos por voluntários, estudiosos independentes, estudantes ou até mesmo curiosos no tema. Mas para esse texto optamos em abordar dois sites profissionais, e citar um terceiro que serve para complemento.
Rundata
Nomeado Scandinavian Runic-text Data Base ou em sueco Samnordisk runtextdatabas, consiste numa base de dados online e de acesso livre, a qual reúne informações sobre pedras rúnicas e inscrições rúnicas, contendo milhares de fontes. Anualmente a base de dados é atualizada com as descobertas. Consistindo num catálogo bastante preciso.
O projeto do Rundata como é mais conhecido, foi iniciado em 1986 pelo Departamento de Línguas Escandinavas da Universidade de Uppsala, na Suécia. Inicialmente de uso interno, tornou-se público anos depois. A url de acesso é https://rundata.info/.
O site atualmente está totalmente disponível em língua inglesa, já que originalmente era apenas em sueco. No site do Rundata é possível ter acesso a um acervo com mais de 6.700 mil itens.
A interface do site não é de uso difícil, apresentando um mapa no lado direito com a localização das fontes, incluindo a quantidade por localidade. Ao centro temos as informações sobre o item escolhido, através de uma janela com barra de rolagem, a qual contém seu código de entrada (ou de catalogação), transcrição das runas, tradução para o inglês, informações complementares, e fotografias (embora nem todo item possua fotografia disponível). Ao lado esquerdo existe uma lista com barra de rolagem, que apresenta cada item do acervo, organizado pelo código geográfico (sigla da província ou país) e em sequência númerica. (ver imagem 2)
Imagem 2: página do site Rundata.
O site também permite usar a barra de pesquisa, onde insere-se o código de entrada referente a item a ser procurado. Pode-se também pesquisá-lo pelo mapa. O site também disponibiliza um link para referências bibliográficas, mas essas se encontram em sueco.
Runic Dictionary
A interface desse dicionário rúnico foi desenvolvida pelo professor Tarrin Wills, e está online desde 2008. Tendo sido incorporada ao Nottingham Rune Dictionary. O site do Runic Dictionary está disponível na url: https://skaldic.abdn.ac.uk/db.php?if=runic&table=database&view=runic.
Como o nome salienta, o site atua não apenas como uma base de dados contendo pedras rúnicas e inscrições, mas também outros tipos de informações de teor linguístico, pois disponibiliza um dicionário rúnico, onde pode-se inserir palavras em nórdico antigo, e procurar por seus siginificados, pois a interface do site permite cruzar dados com alguns dicionários de nórdico antigo. (ver imagem 3)
No entanto, no que diz respeito as pedras rúnicas, para se ter acesso ao catálogo, basta clicar na aba ”regions”, a qual mostrará a localização geográfica pela sigla e o nome do país ou território, e ao lado do nome haverá uma numeração identificando a quantidade de itens por localidade. Do lado direito da tela aparece uma lista específica, contendo todos os itens disponíveis daquela localização, ordenado em ordem númerica e nome da localidade onde foi encontrado. (ver imagem 4)
Imagem 4: página do catálogo de pedras rúnicas do Runic Dictionary.
Ao se clicar em um deles, abrirá uma nova janela com as informações da pedra rúnica dentro de uma tabela no lado esquerdo, mostrando código de entrada, localização, coordenadas, transcrição das runas, tradução para o inglês, periodização e outras informações. No lado direito encontra-se o mapa com a localização e coordenadas no monumento. E abaixo, ficam as fotografias, quando disponíveis. No entanto, a maioria dos itens do Runic Dictionary não possuem imagens, e algumas são de baixa qualidade, o que requer conferir as fotografias ou ilustrações a partir de outros sites. (ver imagem 5)
Imagem 5: página da pedra rúnica Jelling 2 no Runic Dictionary.
Runeindskrifter
É um site mais simples, cujo título significa “Inscrições Rúnicas”, podendo ser acessado pela url: https://www.schleugerhard.com/. Diferente do Rundata e do Runic Dictionary os quais possuem mais informações, o Runeindskrifter embora possua um catálogo com milhares de itens, ele não traz informações sobre periodização, localização exata, entre outros informes. Além disso, a tradução das runas é feita para o dinamarquês, não o inglês.
Entretanto, o destacamos aqui pelo fato de ele possuir imagens que as vezes não são encontradas no Rundata e no Runic Dictionary, o que torna esse site um complemento de pesquisa, sendo recomendado usá-lo como suporte para os outros sites mencionados.
A interface do site é bem simples. No lado esquerdo há uma lista de localidades, e no lado direito encontram-se as imagens, ordenadas numericamente por região. (ver imagem 6).
Imagem 6: página do Runeindskrifter
Considerações
Os três sites apresentados aqui consistem em base de dados, embora que o Runic Dictionary também disponibilize o serviço de dicionário. No entanto, tais sites não servem necessariamente para estudar o que são pedras rúnicas, já que o objetivo deles é apresentar catálogos contendo informações básicas sobre elas e algumas imagens.
Sendo assim, eles não possuem seções próprias para abordar as funções, origens, usos e estilos desses monumentos. Para se ter acesso a isso, deve-se recorrer a livros e artigos especializados. Recordando que nem sempre um livro sobre runas, vá abordar pedras rúnicas. Além disso, existe pouco material em língua portuguesa referente as pedras rúnicas. Sendo assim, abaixo segue uma bibliografia básica sobre esses monumentos.
Referências básicas:
ANDRÉN, Anders. Re-reading embodied texts – an interpretation of rune-stones. Current Swedish Archaeology, vol. 8, p. 7-32, 2000.
GRÄSLUND, Anne-Sofie. Dating the Swedish Viking-Age rune stones on stylistic grounds. In: STOKLUND, Marie [et. Al] (eds.). Runes and their Secret. Studys in Runology. Copenhagen: Museum Tusculanum Press, 2006, p. 117-139.
GRÄSLUND, Anne-Sofie. The Late Viking Age Runestones of Västergötland: On Ornamentation and Chronology, Lund Archaeological Review, v. 20, p. 39-53, 2014.
JANSSON, Sven B. F. Runes in Sweden. Translation by Peter Foote. 2. ed. Värnamo: Gidlunds/Royal Academy of Letters, History and Antiquities, 1987.
OLIVEIRA, Leandro Vilar. A guardiã dos mortos: um estudo do simbolismo religioso da serpente em monumentos da Era Viking (sécs. VIII-XI). Tese (Doutorado em Ciências das Religiões), Programa de Pós-Graduação em Ciências das Religiões, Universidade Federal da Paraíba, 2020. (consultar o capítulo 4)
OLIVEIRA, Ricardo Wagner Menezes de. As religiosidades vikings em monumentos de pedra. Notícias Asgardianas, n. 8, p. 43-52, 2014.
OLIVEIRA, Ricardo Wagner Menezes de. Feras petrificadas: o simbolismo religioso dos animais na Era Viking. Dissertação (Mestrado em Ciências das Religiões), Programa de Pós-Graduação em Ciências das Religiões, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2016.
PAGE, Raymond. Runes and Runic Inscriptions. London: Boydell Press, 1999.
SAWYER, Birgit. The Viking-age rune-stones: custom and commemoration in early medieval Scandinavia. Oxford: Oxford University Press, 2000.
RUNDATA. Disponível em: https://rundata.info/.
RUNEINDSKRIFTER. Disponível em: https://www.schleugerhard.com/.
RUNIC Dictionary. Disponível em: https://skaldic.abdn.ac.uk/db.php?if=runic&table=database&view=runic.
THOMPSON, Clairbone W. Studies in Runography. Austin: University of Texas Press, 2016.
ZILMER, Kristel. Crosses on rune-stones: functions and interpretations. Current Swedish Archaeology, vol. 19, p. 87-112, 2011.
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