The viking ship, 1883-1884, arte em vitral do artista pré-rafaelita Edward Burne-Jones.
Stories That Make Things Real
Palestra proferida por Tim W. Machan em 10 de
janeiro de 2019 na sala 101 da Lögberg, na Universidade da Islândia.
Pablo Gomes de Miranda
Doutorando em Ciências das Religiões pela UFPB
Membro do NEVE
pgdemiranda@gmail.com
No dia 10 de janeiro
de 2019, o prof. Dr. Tim W. Machan, medievalista na Universidade de Notre Dame,
realizou uma apresentação para a comunidade acadêmica referente à sua pesquisa
sobre a Memória Anglo-Escandinava representada na literatura e nos relatos dos
viajantes ingleses do século XIX. Machan, cuja a pesquisa é centrada no
intercâmbio cultural entre diversas culturas, dentre as quais a nórdica é
certamente uma parte integrante, procurou demonstrar como o Reino Unido,
através da construção imagética e de tropos literários, criou uma memória
persistente em conjunto com os escandinavos de pertencimento identitário em
comum.
A ideia de um passado
em comum, entre britânicos e escandinavos foi alimentado por um sentimento de
nostalgia, onde um passado ainda estaria não só vivo, mas disponível à visita
do homem que se dispusesse a viajar e conhecer suas paisagens. A literatura
inglesa antiga e a literatura nórdica antiga dividiam assim uma origem em comum
e visitar os países nórdicos também era contemplar o passado anglo-saxão ou
britânico, de uma forma geral.
A Islândia representou um caso especial para
os viajantes do século XIX que, procurando visitar os lugares mencionados nas
Sagas Islandesas, acabou por reforçar a ideia de uma ancestralidade facilmente
evocada. A própria noção de etnicidade em comum alimentou o entusiasmo dos
ingleses que acompanhavam de perto os guias locais que lhes apontavam, com
confiança, os exatos locais onde passagens memoráveis de personagens das sagas
haviam concretizado seus feitos.
Desse modo também é possível traçar uma
curiosa polarização onde de um lado está a Inglaterra industrial e do outro a
Islândia medieval. A ponte entre ambas teria sido alimentada por uma noção de
pertencimento em comum de antigas tribos góticas que dividiram uma língua
gótica em comum (como já mencionado anteriormente, as literaturas inglesa
antiga e nórdica antiga estavam sendo examinadas juntas). Muito se absorveu do Gylfaginning de Snorri Sturluson (em
especial no tocante às Kenningar),
enquanto aparato linguístico para uma análise profunda de tais conexões.
O famoso escritor J. R. R. Tolkien, ao
escrever o capítulo Adivinhas no Escuro no livro O Hobbit, fez uso de modelos da poética gnômica nórdica, entre elas
o Vafþrúðnismál, poema éddico
encontrado no manuscrito islandês antigo Codex
Regius (GKS 2365 4to). Não há paralelos dessa passagem em fontes
anglo-saxãs, portanto restou à consulta ao mundo cultural nórdico para
preencher tais lacunas. Um exemplo muito concreto do alcance e promoção dessa
memória persistente, foi a construção da Casa Vermelha em Bexleyheath (Londres), onde William Morris e Jane Burden não só
traduziram várias sagas islandesas, como ele também escreveu seus próprios
trabalhos baseados na Saga dos Völsungos.
A palestra de Tim W. Machan foi
particularmente interessante não só por mostrar as polarizações da memória
persistente entre a Inglaterra e a Escandinávia, mas também pela solidez com a
qual articulou as várias citações de viajantes e intelectuais que viajaram pela
Europa Setentrional em busca das raízes germânicas dos ingleses, ecos que ainda
persistem no pensamento de muitos diletantes do mundo nórdico.