O grupo interinstitucional NEVE (NÚCLEO DE ESTUDOS VIKINGS E ESCANDINAVOS, criado em 2010) tem como principal objetivo o estudo e a divulgação da História e cultura da Escandinávia Medieval, em especial da Era Viking, por meio de reuniões, organização de eventos, publicações e divulgações em periódicos e internet. Parceiro internacional do Museet Ribes Vikinger (Dianamarca), Lofotr Viking Museum (Noruega), The Northern Women’s Art Collaborative (Universidade de Brown, EUA), Reception Research Group (Universidad de Alcalá) e no Brasil, da ABREM (Associação Brasileira de Estudos Medievais) e PPGCR-UFPB. Registrado no DGP-CNPQ. Contato: neveufpb@yahoo.com.br

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

A memória anglo-escandinava na literatura oitocentista


The viking ship, 1883-1884, arte em vitral do artista pré-rafaelita Edward Burne-Jones.




Stories That Make Things Real

Palestra proferida por Tim W. Machan em 10 de janeiro de 2019 na sala 101 da Lögberg, na Universidade da Islândia.


Pablo Gomes de Miranda
Doutorando em Ciências das Religiões pela UFPB
Membro do NEVE
pgdemiranda@gmail.com


            No dia 10 de janeiro de 2019, o prof. Dr. Tim W. Machan, medievalista na Universidade de Notre Dame, realizou uma apresentação para a comunidade acadêmica referente à sua pesquisa sobre a Memória Anglo-Escandinava representada na literatura e nos relatos dos viajantes ingleses do século XIX. Machan, cuja a pesquisa é centrada no intercâmbio cultural entre diversas culturas, dentre as quais a nórdica é certamente uma parte integrante, procurou demonstrar como o Reino Unido, através da construção imagética e de tropos literários, criou uma memória persistente em conjunto com os escandinavos de pertencimento identitário em comum.
            A ideia de um passado em comum, entre britânicos e escandinavos foi alimentado por um sentimento de nostalgia, onde um passado ainda estaria não só vivo, mas disponível à visita do homem que se dispusesse a viajar e conhecer suas paisagens. A literatura inglesa antiga e a literatura nórdica antiga dividiam assim uma origem em comum e visitar os países nórdicos também era contemplar o passado anglo-saxão ou britânico, de uma forma geral.
A Islândia representou um caso especial para os viajantes do século XIX que, procurando visitar os lugares mencionados nas Sagas Islandesas, acabou por reforçar a ideia de uma ancestralidade facilmente evocada. A própria noção de etnicidade em comum alimentou o entusiasmo dos ingleses que acompanhavam de perto os guias locais que lhes apontavam, com confiança, os exatos locais onde passagens memoráveis de personagens das sagas haviam concretizado seus feitos.



Desse modo também é possível traçar uma curiosa polarização onde de um lado está a Inglaterra industrial e do outro a Islândia medieval. A ponte entre ambas teria sido alimentada por uma noção de pertencimento em comum de antigas tribos góticas que dividiram uma língua gótica em comum (como já mencionado anteriormente, as literaturas inglesa antiga e nórdica antiga estavam sendo examinadas juntas). Muito se absorveu do Gylfaginning de Snorri Sturluson (em especial no tocante às Kenningar), enquanto aparato linguístico para uma análise profunda de tais conexões.
O famoso escritor J. R. R. Tolkien, ao escrever o capítulo Adivinhas no Escuro no livro O Hobbit, fez uso de modelos da poética gnômica nórdica, entre elas o Vafþrúðnismál, poema éddico encontrado no manuscrito islandês antigo Codex Regius (GKS 2365 4to). Não há paralelos dessa passagem em fontes anglo-saxãs, portanto restou à consulta ao mundo cultural nórdico para preencher tais lacunas. Um exemplo muito concreto do alcance e promoção dessa memória persistente, foi a construção da Casa Vermelha em Bexleyheath (Londres), onde William Morris e Jane Burden não só traduziram várias sagas islandesas, como ele também escreveu seus próprios trabalhos baseados na Saga dos Völsungos.
A palestra de Tim W. Machan foi particularmente interessante não só por mostrar as polarizações da memória persistente entre a Inglaterra e a Escandinávia, mas também pela solidez com a qual articulou as várias citações de viajantes e intelectuais que viajaram pela Europa Setentrional em busca das raízes germânicas dos ingleses, ecos que ainda persistem no pensamento de muitos diletantes do mundo nórdico.