O grupo interinstitucional NEVE (NÚCLEO DE ESTUDOS VIKINGS E ESCANDINAVOS, criado em 2010) tem como principal objetivo o estudo e a divulgação da História e cultura da Escandinávia Medieval, em especial da Era Viking, por meio de reuniões, organização de eventos, publicações e divulgações em periódicos e internet. Parceiro internacional do Museet Ribes Vikinger (Dianamarca), Lofotr Viking Museum (Noruega), The Northern Women’s Art Collaborative (Universidade de Brown, EUA), Reception Research Group (Universidad de Alcalá) e no Brasil, da ABREM (Associação Brasileira de Estudos Medievais) e PPGCR-UFPB. Registrado no DGP-CNPQ. Contato: neveufpb@yahoo.com.br

segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

I Jornada de Arqueologia da Era Viking: Paisagem Nórdica

 



I JORNADA DE ARQUEOLOGIA DA ERA VIKING: PAISAGEM NÓRDICA

21 de março de 2023, terça feira. Evento digital, gratuito e público.

INSCRIÇÕES: PARA OUVINTES CLIQUE AQUI

Objetivo: os estudos envolvendo a paisagem são extremamente importantes na Arqueologia escandinava da Era Viking, envolvendo desde apropriações culturais do espaço até a relação entre natureza e as transformações materiais da sociedade. O evento pretende realizar discussões sobre a espacialidade no conhecimento arqueológico da área da Escandinávia antiga, em congruência com o Programa de Pós-Graduação em História da UFRN, com área de concentração em História e Espaços.

O evento contará com uma conferência e duas mesas redondas: Paisagem Nórdica e Monumentos, Paisagem Nórdica e recepção.

 

PROGRAMAÇÃO:

10:15Abertura do evento

10:30 - Conferência de abertura: Paisagem e Monumento: a memória e a agência dos objetos no espaço - Prof. Dra. Márcia Severina Vasques - MAAT/PPGH-UFRN.

Coordenação – Guilherme Galego



A arqueóloga Márcia Vasques 

 14:00 - Mesa redonda 1: Paisagem Nórdica e Monumento

Coordenação –Leandro Vilar Oliveira

Paisagem Nórdica e Monumento abordará a paisagem escandinava enquanto espaço de memória e cultura material, debatendo algumas estratégias da construção do passado, bem como os lugares físicos enquanto mecanismos de preservação das tradições e memórias. Esta mesa estará vinculada à linha de pesquisa Espaços de Memória, Cultura Material & Usos Públicos do Passado do PPGH-UFRN, com especial interesse na reflexão dos monumentos como vestígios preferenciais das instituições sociais em elaborar suas memórias e culturas históricas. Os monumentos como locais de memória social na Escandinávia da Era Viking.


As pedras rúnicas e a relação de memória e espacialidade na Era Viking - Leandro Vilar Oliveira

Estelas pintadas e a paisagem gotlandesa na Era Viking - Monicy Araujo 

Labirintos de pedra e paisagem cognitiva entre os povos sámis - Victor Hugo Sampaio

A cristianização do espaço e seus impactos na paisagem norueguesa dos séculos XI-XII - Guilherme Galego

 

17:30 - Mesa redonda 2: Paisagem Nórdica e Recepção

Coordenação – André Araújo de Oliveira

Paisagem Nórdica e Recepção debaterá os usos modernos e contemporâneos dos monumentos e locais de memória da Escandinávia na Era Viking. Ela estará relacionada à linha de pesquisa Linguagens, Identidades & Espacialidades do PPGH-UFRN, pensando como as espacialidades são constructos resultantes de operações simbólicas que configuram sentido ao mundo humano por imagens, discursos, representações e fazeres pelos quais emerge a materialidade dos meios sociais. Serão abordados temas que se relacionam com os processos de construção histórica das identidades e das alteridades sociais. Como as recepções de temática nórdica refletiram a paisagem arqueológica da Era Viking.



Paisagem e sagrado nas sagas islandesas – André Araújo de Oliveira

Runas e paisagem: Runamo na Escânia e a Pedra da Gávea no RJ, anos 1830 - Johnni Langer

A paisagem norueguesa nos contos de Asbjørnsen e Moe – Andréa Caselli

Paisagens sagradas e rituais no paganismo nórdico contemporâneo – Susan Tsugami

 

Realização: Núcleo de Estudos Vikings e Escandinavos (NEVE)

Apoio: MAAT – Grupo de Estudo de História Antiga

Programa de Pós-Graduação em História da UFRN

 

Equipe técnica:

Johnni Langer

Sandro Teixeira Moita

Lorenzo Sterza

Monicy Araújo

 

Bibliografia:

CASSIDY-WELCH, Megan. Space and Place in Medieval Contexts. Parergon Volume 27, N. 2, 2010, p. 1-12.

DANIELSSON, Yng-Marie Back. Walking down memory lane: rune-stones as mnemonic agents in the landscapes of late Viking-Age Scandinavia. In: WILLIAMS, Howard (Org.). Early Medieval Stone Monuments: materiality, biograpy, landscapes. Boydell Press, 2015.

EGELER, Mathias. Constructing a Landscape in Eyrbyggja saga: the Case of Dritsker. Arkiv för nordisk filologi 132 (2017).

JAKOBSSON, Sverrir. Heaven is a Place on Earth: Church and Sacred Space in Thirteenth-Century Iceland. Scandinavian studies: publication of the Society for the Advancement of Scandinavian Study 82(1):1-20.

LANGER, Johnni. Introdução à Arqueologia da Era Viking, curso emquatro módulos, 2022. Bibliografia e vídeos.

LANGER, Johnni. Arqueologia da Era Viking. In: LANGER, Johnni (Org.). Dicionário de História e Cultura da Era Viking. São Paulo: Hedra, 2018, pp. 63-66.

LANGER, Johnni. A Arqueologia da Religião Nórdica na Era Viking, Signum 16(1), ABREM, 2015, pp. 4-27.

OLIVEIRA, Leandro Vilar de. A guardiã dos mortos: um estudo do simbolismo religioso da serpente em monumentos da Era Viking (sécs. VIII-XI). Tese de doutorado em Ciências das Religiões pela UFPB, 2020). 

PETRULEVICH, A. The Multi-Layered Spatiality of the Global North: Spatial References and Spatial Constructions in Medieval East Norse Literature. The Medieval Globe, 2021.

SAMPAIO, Victor Hugo. Labirintos Sámi. In: LANGER, Johnni (Org.). Dicionário de História das Religiões na Antiguidade e Medievo. Petrópolis: Vozes, 2020, pp. 305-307.

TULINIUS, Torfi. ‘Á Kálfskinni’: Sagas and the Space of Literature. European Journal of Scandinavian Studies Volume 47 Issue 1.

YLIMAUNU, Timo. Borderlands as spaces: Creating third spaces and fractured landscapes in medieval Northern Finland. Journal of Social Archaeology 2014, Vol. 14(2) 244–267.





sábado, 7 de janeiro de 2023

Analisando Assassin’s Creed Valhalla

 

Leandro Vilar de Oliveira (NEVE)
Doutor em Ciências das Religiões pela UFPB


O terceiro jogo em RPG da franquia Assassin’s Creed trouxe como temática a Era Viking (sécs. VIII-XI), mesclando história com ficção, em cuja narrativa acompanhamos o guerreiro Eivor Varinson numa jornada pela Inglaterra e outros territórios. Embora esse jogo tenha sido lançado em 2020, no entanto, ele nos anos seguintes recebeu DLCs (Downloadable Contents) e atualizações de conteúdo, condição essa que a última missão de Eivor somente foi lançada em dezembro de 2022, concluindo a sua jornada.

Todavia, para este texto foquei a análise sobre a campanha principal que começa na Noruega, mas se desenvolve na Inglaterra, não levando em consideração as campanhas ocorridas na França e Irlanda. Sendo assim, o presente estudo consistiu numa análise simples sobre alguns aspectos históricos, culturais e sociais associados à Era Viking. Em outro texto abordarei os aspectos religiosos e mitológicos, por esses demandarem uma análise mais específica.  

 


Imagem 1: Capa conceitual de Assassin’s Creed Valhalla.

Fundamentos históricos

Embora a franquia Assassin’s Creed (abreviada para AC) criada e produzida pela Ubisoft, seja conhecida desde 2007, por abordar temas históricos para construir sua narrativa, entretanto, nem sempre a Ubisoft preocupa-se em manter uma veracidade histórica, optando em adotar o que é chamado de verossimilhança, ou seja, utilizar elementos fictícios para emular algo que poderia ter sido real. E, no caso, de AC Valhalla essa prática foi retomada.

Por mais que Valhalla seja o jogo da franquia com a campanha mais extensa, no entanto, grande parte de sua narrativa é ficcional, não tendo embasamento histórico. Sendo assim, decidi comentar apenas os personagens históricos retratados no jogo e alguns fatos a eles associados que realmente ocorreram.

A trama do jogo se desenrola entre os anos de 872 e 878, abarcando principalmente acontecimentos ocorridos na Inglaterra, os quais serão comentados a seguir. Mas antes de Eivor viajar para lá, ele ao lado de seu irmão adotivo, Sigurd Styrbjornson vão atrás de um chefe chamado Kjotve, o Cruel, a fim de vingar a morte da família de Eivor. Concluída a vingança, os irmãos são convocados a se reunir com seu pai, o rei Styrbjorn que foi chamado para participar de uma assembleia (thing), convocada pelo rei Haroldo Cabelo Belo (c. 850-932).

 


Imagem 2: o rei Haroldo Cabelo Belo da Noruega. O primeiro personagem histórico a aparecer no jogo.

No caso, Haroldo é o primeiro personagem histórico a aparecer nesse jogo, o qual se proclamou em 872, como sendo o único rei de uma Noruega unificada, exigindo que os outros reis e jarlar declarassem sua lealdade a ele. Esse acontecimento realmente ocorreu, no entanto, o jogo não explora isso, apenas o retrata brevemente. Por sua vez, Eivor e Sigurd discordam que seu pai tenha se submetido a autoridade de Haroldo, então os dois reúnem seus guerreiros e partem para à Inglaterra.

O grupo conhecido como Clã do Corvo, chegou a Inglaterra em 873, período no qual a guerra iniciada pelo Grande Exército Pagão em 866, seguia em desenvolvimento, condição essa que Eivor comenta tal acontecimento, e cita que alguns dos filhos de Ragnar Lothbrok ainda estavam naquela ilha, lutando para consolidar os domínios conquistados. No jogo conhecemos Ubba, Ivar, o Sem-Ossos e Halfdan. Os outros dois irmãos, Bjorn, Flanco de Ferro e Sigurd Cobra no Olho são apenas citados.

Os Ragnarson possuem um papel importante na trama do jogo, aparecendo em alguns capítulos e missões, além de que Eivor desenvolve amizade com eles. No entanto, é preciso ter cautela nesse momento. AC Valhalla considera que o fator que levou a invasão do Grande Exército Pagão em 866, tenha sido por um ato de vingança dos Ragnarson, pois Ragnar Lothbrok foi assassinado pelo rei Aelle II da Nortúmbria. Tais acontecimentos são citados no jogo e são encontrados na Saga de Ragnar Lothbrok, na Saga dos Filhos de Ragnar e algumas crônicas inglesas dos séculos XII e XIII. Entretanto, Ragnar é ainda hoje considerado um rei semilendário ou lendário, logo, não se pode tomar essa explicação como totalmente plausível.

 


Imagem 3: Ubba (ao centro) e Ivar, o Sem-Ossos.

Além disso, os próprios filhos de Ragnar: Ivar, Ubbe, Halfdan, Bjorn e Sigurd, não se sabe se realmente existiram, ou foram guerreiros reais, mas que acabaram sendo inseridos na lenda de Ragnar Lothbrok. Sobre isso, saliento que as fontes literárias que narram esses acontecimentos, foram redigidos séculos depois de tais eventos, o que daria margem para que lendas surgissem sobre essa invasão e esses chefes militares. Dessa forma, Ragnar e seus filhos devem ser considerados personagens com uma historicidade duvidosa, visto que haja a possibilidade de eles nem terem existido, ou pelo menos não agiram da forma como foi narrada.

Explanado essa questão envolvendo os Ragnarson, passarei a comentar sobre alguns reis anglo-saxões que aparecem no jogo. Alguns dos monarcas realmente existiram, outros são ficcionais. O primeiro soberano real advém do Reino da Mércia, que em 873, era então governado por Burgred, o qual foi desafiado por Ceolwulf, um governante fantoche auxiliado pelos nórdicos para assumir o trono mércio. No jogo, Eivor participa desse movimento político-militar para derrubar o rei Burgred e coroar Ceolwulf. Historicamente não temos detalhes sobre esse acontecimento, não sabendo como ele se desenvolveu, mas somente se sabe que Ceolwulf saiu vitorioso em 874.  

Outro personagem histórico foi o rei Ricsige da Nortúmbria, o qual tentou libertar esse reino da dominação nórdica. Em AC Valhalla, Eivor viaja a capital da Nortúmbria, a cidade de Jorvik (York), em que ele vai ajudar um casal de amigos, e eventualmente passa a cooperar com o monarca para caçar alguns inimigos. Mais tarde Eivor conhece Halfdan Ragnarson, o qual mantém uma relação política com Ricsige, a qual foi baseada na história, embora se desconheça como ela realmente funcionava, pois com a morte dele, Halfdan o sucedeu por volta de 876 como rei.

Halfdan, rei da Nortúmbria, costuma ser creditado por algumas fontes medievais como sendo um dos filhos de Ragnar Lothbrok. No jogo é dito que ele era o filho mais velho, no entanto, essa informação não é confirmada devido a questão já comentada que haja vista que Ragnar foi um personagem lendário.

A próxima dupla de personagens históricos que aparecem são o rei Alfredo, o Grande (849-899) e Guthrum, o Velho. Os dois são conhecidos por terem sido inimigos por alguns anos, pois o chefe nórdico tentou conquistar Wessex, o reino de Alfredo.

 


Imagem 4: Arte conceitual do rei Alfredo de Wessex.

Quando a grande invasão nórdica começou na Inglaterra, Alfredo ainda não era rei, Wessex era governada por seu irmão Etereldo, mas com a morte dele em 871, Alfredo o sucedeu, sendo assim, na época que a trama do jogo ocorre, Alfredo era um rei recentemente entronado, embora o jogo passe a impressão de que ele já fosse um monarca veterano. Quanto a Guthrum, nada se sabe sobre suas origens e história, apenas que ele participou da invasão e conseguiu se tornar rei da Ânglia Oriental mais tardiamente.

No jogo, Guthrum aparece poucas vezes, condição essa que das várias batalhas que ele teve contra o exército de Alfredo na História, apenas uma é retratada, no caso, a Batalha de Chippenham (878), a qual ocorreu numa vila, em que Alfredo estava hospedado por conta do feriado de Dia de Reis. Os nórdicos sabendo disso, armaram uma emboscada para capturar ou matar o rei. O conflito marcou uma vitória parcial para Guthrum, pois Alfredo conseguiu escapar.

Ser viking

Embora a palavra viking hoje seja usada no sentido de povo, o termo era utilizado pelos nórdicos para se referir a uma ocupação, geralmente associada ao do pirata ou saqueador. Nesse caso, o jogo enfatiza bem essa condição, pois Eivor possui seu próprio barco-longo (langskip) e controla um grupo de vikings, dessa forma ele pode empreender incursões vikings pela Noruega e a Inglaterra. Nas DLCs isso é ampliado para os territórios da França e da Irlanda.

Nesse quesito AC Valhalla retratou bem como poderia ter sido as incursões vikings, as vezes chamadas de razias (raids no inglês), em que um grupo de vikings atacava um mosteiro, porto, vila, aldeia ou fazendas. No jogo é possível atacar distintas localidades à beira-mar ou à beira-rio, inclusive um dos desafios colocados a Eivor e o Clã do Corvo é saquear os mosteiros e igrejas anglo-saxões para obter butins, os quais serão usados no desenvolvimento de Raventhorpe.

Além disso, uma série de missões secundárias centradas nas incursões vikings pelos rios ingleses foi criada para expandir essa atividade de saque, fornecendo maiores desafios e melhores recompensas. Condição essa que nessas missões os ingleses chegam a levantar barricadas pelos rios, como cercas e correntes, para bloquear a passagem dos navios.

Arquitetura

A franquia Assassin’s Creed é conhecida por fazer um bom trabalho na recriação da cultura material da época, algo encontrado na maioria de seus jogos, e, no caso, de AC Valhalla, esse trabalho também foi bem feito, no quesito dos utensílios, objetos, roupas e construções. No entanto, não significa que não existam imprecisões históricas.

Uma primeira imprecisão arquitetônica que é bem marcante, refere-se ao salão (hall), traduzido em alguns momentos do jogo como “casa comunitária”, conceito até impreciso, pois os salões eram a residência de um governante, além de possuir funções políticas e até religiosas em alguns casos; embora banquetes fossem ali realizados, ele não teria uma noção comunitária propriamente, pois somente os convidados de um chefe ou governante iriam participar do banquete.

 


Imagem 5: Fotografia de um dos salões do jogo.

Entretanto, o grande problema associado aos salões nesse jogo diz respeito a sua aparência e proporção. Arqueologicamente os salões eram longas casas que poderiam ter mais de trinta metros de comprimento, mas não seriam tão largas e altas. No entanto, no jogo, os salões além de longos, são bastantes largos e altos; alguns salões possuem primeiro andar e até um segundo andar. E essa condição de termos salões gigantescos é encontrada em todo o jogo, o que consiste numa invenção dele.

Outro aspecto associado com tamanhos exagerados é visto nas ruínas romanas. Em todas as ruínas encontradas pela Inglaterra, suas dimensões são desproporcionais deliberadamente. Condição essa que em York é possível encontrar estátuas com mais de cinco metros de altura; ou correr por aquedutos que parecem ter mais de trinta metros de altura. Mas além desse tamanho aumentado para as ruínas romanas, as fortalezas e igrejas anglo-saxãs também tiveram seus tamanhos ampliados. Essa condição não é única de AC Valhalla, pois outros jogos da franquia também apresentam edificações maiores do que o normal.

Outra imprecisão arquitetônica encontrada no jogo diz respeito a existência de castelos. Embora esses sejam poucos, no entanto, no século IX não existiam castelos ainda, esses vão surgir no século seguinte e eram feitos de madeira. Porém, no jogo encontramos alguns castelos de pedra e bem altos. Novamente uma invenção do jogo.

 


Imagem 6: Comparativo entre um templo nórdico do jogo na foto acima, e abaixo a igreja de madeira de Heddal, na Noruega, construída no século XIII.

Os templos da religião nórdica apresentam um caso curioso, pois sua arquitetura não foi baseada nos templos reais até porque se desconhece como eles seriam. As poucas evidências arqueológicas a respeito de templos da Era Viking, apontam que eram construções pequenas. Porém, no jogo os templos são estruturas altas em formato de torre. E o interessante é que a arquitetura desses templos foi baseada em algumas igrejas de madeira da Noruega, edificações erigidas a partir do século XII.

Cultura material

Mas deixando o quesito arquitetônico, a questão da indumentária também possui seus problemas. Eivor utiliza diferentes tipos de armaduras, algumas apresentam placas de metal, camadas de peles e tiras de couro. Visualmente as armaduras são bonitas, mas historicamente imprecisas e ficcionais. Basicamente a armadura na Era Viking era uma cota de malha, que curiosamente raramente aparece no jogo. Além dessa cota de malha, se faria uso também de gibões de couro reforçado ou gibões acolchoados que eram colocados sob a cota.

Mas além das armaduras, os trajes do cotidiano também mostram algumas imprecisões singelas quanto as cores e o estilo, que passam despercebidos para os que não entendem do assunto. Nessa condição, é possível encontrar mulheres usando vestidos datados de séculos posteriores, além da condição de vermos até mesmo casacos de frio que não existiriam naquele período. No entanto, observa-se o uso excessivo de peles de animais, mesmo que o clima não estivesse frio para se utilizar tais mantos e casacos. Outro destaque é o uso de cores escuras pelos mais pobres e até os ricos. Todavia, o uso de roupas coloridas era algo comum na Idade Média, sobretudo para as elites.

Aspectos socioculturais

Os cortes de cabelo que Eivor e outros personagens nórdicos e anglo-saxões usam, e as tatuagens, ambos os casos mostram imprecisões históricas, sendo reflexos dos estereótipos atuais sobre os vikings, que vigoravam de 2010 em diante, tendo sido popularizados pela série Vikings (2013-2020). Por conta disso encontramos cabelos raspados nos lados, tranças nas barbas em estilos não nórdicos; mas principalmente a presença de tatuagens, que se popularizou bastante com a série Vikings, passando a influenciar outras produções sobre essa temática.

Outra condição que chama atenção é a polêmica envolvendo guerreiras nórdicas. No jogo elas aparecem várias vezes, inclusive existe a versão feminina do Eivor. Historicamente não há evidência seguras de houvessem guerreiras regulares, mesmo os achados arqueológicos apontam para casos isolados. Porém, a fase atual da Vikingmania (2000 em diante) popularizou a presença feminina no campo de batalha, logo, o jogo manteve essa condição.

No entanto, para além de termos mulheres atuando como guerreiras, AC Valhalla também mostra mulheres agindo como ferreiras, navegadoras e governantes, profissões essencialmente masculinas, ainda mais nos tempos medievais. Observa-se assim uma inserção de valores atuais acerca do empoderamento feminino, sendo aplicados a um jogo de ambientação medieval.

Outro fator que reflete tendências sociais atuais é a inclusão social. Essa é menos perceptível no jogo, mas em Raventhorpe é possível encontrar uma mercadora chinesa e dois vikings negros. Historicamente chineses não andavam perambulando pela Europa, muito menos vivendo na Inglaterra do século IX. Possivelmente a mercadora possa ter sido inspirada na chinesa que aparece na série Vikings, a qual era uma escrava e se tornou amante de Ragnar Lothbrok.

Já os dois vikings negros, isso também é incoerente, pois a presença de pessoas negras era restrita ao sul da Europa e a determinadas localidades. Dificilmente estrangeiros como esses conseguiriam ingressar na sociedade escandinava e ganhariam destaque socialmente. A própria história de Geirmund Pele-Negra, recentemente chamado de “o viking negro” é um caso excepcional, e ele seria um mestiço de um nórdico com uma mulher desconhecida de origem de povos siberianos, os quais possuem a pele parda. Além disso, haja vista que parte da história de Geirmund possui elementos fictícios, usá-lo como referência histórica é algo impreciso.

 


Imagem 7: Eivor versão feminina e o viking negro.

Geografia

A geografia na franquia Assassin’s Creed costuma ser normalmente algo até preciso, mesmo que suas dimensões sejam reduzidas para permitir viagens a pé e a cavalo em poucos minutos. No caso do mapa da Noruega temos a região de Rygjafylke sendo retratada com algumas alterações propositais para incluir cavernas, ilhas e povoados. Por sua vez, a Inglaterra é o mapa mais extenso do jogo, apresentando várias localidades.

No caso inglês o mapa é dividido de duas formas: os cinco reinos da Nortúmbria, Mércia, Ânglia Oriental, Essex e Wessex, sendo cada reino desse subdividido em condados. Historicamente os nomes dos reinos e dos condados são reais e ainda hoje alguns deles seguem com a mesma nomenclatura.

Pela Inglaterra é possível visitar várias localidades históricas como Londres (chamada de Lunden no jogo), York (Jorvik), Manchester, Oxford, Winchester, entre outras pequenas cidades e vilas. Além de haver localidades fictícias também. No caso deste mapa suas fronteiras são limitadas ao norte pela Muralha de Adriano (situada no jogo numa região fria da Nortúmbria), no leste e sul o limite se faz com o mar, no oeste temos a região do País de Gales, que é parcialmente explorada. Além disso, o território da Cornualha (a antiga Dumnonia) não é acessado nesse mapa.

Possivelmente o maior problema geográfico apresentado em AC Valhalla diz respeito a Vinland (chamada no jogo de Vinlândia na tradução para o português). No jogo Eivor é informado sobre a existência de um território distante do outro lado do oceano, o qual teria sido descoberto séculos antes por São Brandão, e posteriormente povoado por nórdicos. Aqui é preciso salientar que o jogo misturou diferentes elementos históricos para criar sua versão de Vinland, logo, se faz necessário explicar que elementos seriam esses, pois da forma que esse lugar foi apresentado no jogo, ele é historicamente anacrônico.

 


Imagem 8: Eivor conversando com indígenas em Vinland.

Primeiramente, São Brandão (c. 484 – c. 577) foi um missionário, bispo e importante santo associado a Irlanda. Ele era conhecido pela fama de ser supostamente um hábil navegador, tendo surgido lendas de expedições marítimas suas e a descoberta de ilhas ao oeste da Irlanda. A produção de AC Valhalla pegou essa condição e a aplicou a trama do jogo – não se sabe ao certo o motivo disso – para que Brandão se tornasse o “descobridor de Vinland”.

No entanto, o que se sabe sobre Vinland? Esse local aparece citado em algumas fontes dos séculos XII e XIII, referindo-se a uma das três terras situadas ao oeste da Groenlândia, que no final do século X passou a ser colonizada pelos nórdicos. A Saga dos Groenlandeses e a Saga de Eric, o Vermelho, creditam a Leif Erickson a descoberta de Vinland, algo que historicamente teria ocorrido por volta do ano 1000. Embora haja dúvidas quanto a expedição de Leif, achados arqueológicos atestam a presença escandinava na costa do que hoje é o Canadá, mais precisamente as terras da Ilha Nova (Newfoundland).

Por conta do jogo se passar entre 872 e 878, historicamente a Groenlândia nem havia sido “descoberta”, a colonização da Islândia estava no início, e Vinland nem era imaginada existir, assim, a produção do jogo decidiu reimaginar a descoberta desse lugar, criando uma nova história para ele. Mas além disso que escrevi, vale mencionar que na Vinland do jogo, temos aldeias e acampamentos nórdicos convivendo tranquilamente ao lado de aldeias indígenas, no melhor estilo de colonização da Idade Moderna. As sagas que citam Vinland relatam que houve contato com os nativos, mas que não foram tão amistosos assim como vemos no jogo.

Referências bibliográficas:

BOYER, Régis. La vida cotidiana de los vikingos (800-1050). Barcelona: Medievallia, 2000.

KACANI, Ryan Hall. Ragnar Lothbrok and the semi-legendary history of Denmark. Tesis (Undergraduate program in History) - Faculty of the School of Arts and Sciences of Brandeis University, 2015.

KEYNES, Simon. The Vikings in England: c. 790-1016. In: SAWYER, Peter (ed.). The Oxford Illustrated History of the Vikings. New York: Oxford University Press, 1997, p. 48-82.

LANGER, Johnni. Viking. In: LANGER, Johnni (org.). Dicionário de história e cultura da Era Viking. Hedra: São Paulo, 2018, p. 706-717.

OLIVEIRA, Leandro Vilar. Grande armada danesa (866-878). In: LANGER, Johnni (org.). Dicionário de história e cultura da Era Viking. São Paulo, Hedra, 2018b, p. 323-325.

OLIVEIRA, Leandro Vilar. Vikingmania: dois séculos de construção da representação do viking. Scandia Journal of Medieval Norse Studies, n. 4, p. 469-502.

RICHARDS, Julian D. Viking Age England. Stroud: The History Press, 2010.

WALLACE, Birgitta. The discovery of Vinland. In: BRINK, Stefan (ed.). The Viking World. London/New York, Routledge, 2008. p. 604-612.