O grupo interinstitucional NEVE (NÚCLEO DE ESTUDOS VIKINGS E ESCANDINAVOS, criado em 2010) tem como principal objetivo o estudo e a divulgação da História e cultura da Escandinávia Medieval, em especial da Era Viking, por meio de reuniões, organização de eventos, publicações e divulgações em periódicos e internet. Parceiro internacional do Museet Ribes Vikinger (Dianamarca), Lofotr Viking Museum (Noruega), The Northern Women’s Art Collaborative (Universidade de Brown, EUA), Reception Research Group (Universidad de Alcalá) e no Brasil, da ABREM (Associação Brasileira de Estudos Medievais) e PPGCR-UFPB. Registrado no DGP-CNPQ. Contato: neveufpb@yahoo.com.br

sábado, 7 de janeiro de 2017

O Sol e a Lua na Mitologia Nórdica




LUA E SOL (VERBETE DO DICIONÁRIO DE MITOLOGIA NÓRDICA)
A personificação da Lua (Máni) e do Sol (Sól) na mitologia escandinava. Ao contrário da maioria das narrativas mundiais, a Lua é vista como um ser masculino no mundo nórdico pré-cristão, assim como na mitologia irlandesa (Ealhada), lituana (Meness) e eslava (Jarilo). E o Sol (Sól, Sunna) era visto como um ser feminino, como nos mitos eslavos (Solntse), lituanos (Saule), finlandeses (Beiwe). Na poesia éddica, Sól é considerada uma deusa dos ases e Máni um gigante.
No poema éddico Vafthrúdinismál 22-23, Odin questiona o gigante sábio Vaftrúdinir porque o Sol e a Lua percorrem o céu acima dos homens e a resposta é que ambos são filhos de Mundilfeari (aquele que se move de acordo com o tempo), realizando este percurso pelo céu todo dia e medindo os anos. John Lindow estudando os kennings da poesia escáldica, acredita que poderia ter existido uma narrativa sobre a união sexual entre Máni e as gigantas, mas não existem outras evidências sobre isso nos relatos míticos.
Em Gylfaginning 11, Snorri concede outra versão para estes astros: Mundilfari é o pai de dois filhos muito bonitos, chamados Máni e Sól - tendo esta segunda casado com Glen. Os deuses enfurecem-se com o ato e colocam os dois na abóbada celeste – permanecendo assim guiando duas carruagens transportando os discos do Sol e Lua. Durante o Ragnarok, ambos serão devorados pelos lobos Skoll e Hati, mas é somente em Snorri que isso é explicitado, especialmente no caso da Lua – um lobo chamado Managarm (devorador de Máni) se alimentará com a vida de todos os humanos e manchará o céu com o sangue da Lua e fará o Sol perder o brilho (Gylfaginning 12). Com certeza, trata-se de uma alusão ao eclipse total da Lua, que é denominada em várias culturas europeias de “Lua de sangue” - fenômeno causado pela atmosfera durante a visibilidade do encobrimento total do disco lunar. O poema éddico Grimnismál 37-38 reforça alguns elementos de Snorri, como a menção aos cavalos Árvak e Álsvid, que puxam as carroças dos irmãos, mas cita o detalhe do escudo Svalin, que protege as montanhas e mares do calor solar.
Existem poucos estudos sobre Máni e Sól devido aos seus pequenos papéis na mitologia escandinava. Leonhard Franz (1922) argumentava que teria existido algum tipo de mitologia lunar, reforçado em 1929 por Ernst Philippson, mas depois contestado por Rudolf Munch (1941). Rudolf Simek acredita que Snorri inventou o nome das crianças Bil e Hjúki, que acompanham o Sol e a Lua e poderiam ser vistas da Terra (Gylfaginning 11), mas a narrativa deve ter uma base folclórica, visto que é encontrada em diversos relatos europeus (a lenda do homem na lua portando uma vara – Bilwis - e uma mulher levando um balde), especialmente na Escandinávia, Inglaterra e norte da Alemanha, que segundo alguns, poderia estar relacionada à visibilidade das fases ou das crateras da Lua.
Segundo Simek e Boyer, existem muitas evidências de culto ao Sol na Idade do Bronze, evidenciados pela grande existência de grafismos rupestres e do disco da carroça de Trundholm. No Encantamento de Merseburg (ver verbete), a deusa Sunna é citada como irmã de Sinthgun, mas Simek acredita que a combinação dos antigos símbolos solares com o navio nos contextos ritualísticos (que ocorrem frequentemente da Idade do Bronze aos tempos medievais), parecem estar conectados à cultos de deuses da fertilidade (como Njórd e Freyr, mas que não possuem conexões diretas com personificações solares). Em 1936 Vilhelm Kiil argumentou que o nome Solberg significava montanha do sol, evidenciando algum tipo de culto solar na Escandinávia. Em 1981 o francês Régis Boyer realizou um extenso estudos sobre o simbolismo dos mitos solares na Idade do Bronze da Escandinávia, inseridos em sua obra Yggdrasill: La religion des anciens scandinaves. Algumas das principais pinturas de Bohuslän analisadas por Boyer, embarcações transportando discos (relacionadas a procissões e rituais solares), foram depois analisadas pelo astrônomo Göran Henriksson em 1996, sendo associadas a eclipses totais do Sol nesta região.
Com certeza, o espaço do Sol e da Lua na religiosidade nórdica pré-cristã foi muito maior do que a maioria dos acadêmicos geralmente se posiciona. Além das narrativas mitológicas, existem indícios de calendários que podem demonstrar a importância ritualística destes dois astros. O líder germânico Ariovistus, inimigo de César, foi aconselhado por mulheres anciãs de sua tribo, a não combater antes da Lua Nova (De Bello Gallico 1, 50). Segundo Tácito, os líderes germânicos reuniram-se para negociar durante o prelúdio da Lua Nova ou Cheia (Germânia 11). O astrônomo Göran Henriksson analisou marcações pré-históricas em rochas da ilha de Gotland, báltico sueco, onde indicam fases da Lua Nova ou Cheia durante o solstício de inverno. E o arqueólogo Mike Parker Pearson comparou diversos sítios da Idade do Ferro em áreas germânicas que possuem alinhamentos voltados para eclipses totais da lua durante o solstício de inverno, demonstrando que além de observações, também ocorreram registros destes fenômenos celestes. Na Era Viking, o computo do tempo era realizado baseado em um calendário lunar e os períodos de tempo mais curtos eram definidos pela noite e não pelo dia.

 
As representações de Sól e Máni na arte ocidental são escassas e as existentes são muito simples. A mais famosa é a ilustração The wolves pursuing Sol and Mani (1909), do pintor britânico John Charles Dollmann, realizada em preto e branco, com traços simples em torno da oposição claro e escuro: Hati e Skoll perseguem os carros do Sol e Lua, sendo os lobos representados como uma espécie de sombra ameaçadora, cujas mandíbulas são proeminentes e assustadoras. Outra imagem é do ilustrador de livros infantis, o húngaro Willy Pogany: Far away and long ago (1920). Com traços ainda mais singelos do que a obra de Dollmann, aqui os lobos são representados de corpo inteiro e o Sol e a Lua recebem apenas as representações dos dois discos, percorrendo o céu na faixa da Via Láctea.
Anteriormente, o conhecido artista dinamarquês Lorenz Frølich também havia realizado algumas imagens, porém mais próximas da mitologia do que com caráter astronômico. Na primeira ilustração (1895), ambas as divindades são retratadas dentro do ideal neoclássico, subindo aos céus. Na segunda, ambos são atacados pelos lobos. Em 1908 o pintor inglês William Colingwood, membro do Viking Club, realiza uma ilustração extremamente romântica, desta vez incluindo na carruagem do Sol o menino Bill portando o escudo Svalin, de grandes proporções. Uma das imagens mais recentes deste mito é a pintura Skoll (1995), de Glenn Steward, com fortes cores, apresentando o lobo perseguindo Sól, evidenciando algumas noções modernas sobre o mundo selvagem e a natureza.
Johnni Langer
Ver também: Constelações e mitos nórdicos; Fenrir; Pinturas rupestres nórdicas; Planetas e mitos nórdicos.
Referências Bibliográficas:
BOYER, Régis. Máni/Sól. Héros et dieux du Nord. Paris: Flammarion, 1997, pp. 98-99, 143-145.
HENRIKSSON, Göran. The grooves on the island of Gotland in the Baltic Sea: a Neolithic lunar calendar. Proceedings of the Conference Astronomy of Ancient Society, Moscow, 2000, pp. 71-77.
HENRIKSSON, Göran. Solar eclipses and Encke´s comet on Swedish rock carvings. Current studies in Archaeoastronomy: conversations across time and space. Santa Fe, 1996, pp. 475-485.
LINDOW, John. Máni (Moon)/Sól (Sun). Norse Mythology: a guide to the gods, heroes, rituals, and beliefs. Oxford: Oxford University Press, 2001, pp. 222-223, 278-280.
REUTER, Otto Siegfried. Skylore of the North. Stonehenge Viewpoint n. 47–50, 1982.
SIMEK, Rudolf. Máni/Sól. Dictionary of Northern Mythology. London: D.S. Brewer, 2007, pp. 201-202, 297.
 
VERBETE DO DICIONÁRIO DE MITOLOGIA NÓRDICA. São Paulo: Hedra, 2015.
 
http://www.livrariacultura.com.br/p/dicionario-de-mitologia-nordica-42865031