Johnni
Langer (UFPB/NEVE)
Durante
o século XIX a crença na suposta presença de navegadores nórdicos em terras
brasileiras antes de Cabral era um consenso entre os acadêmicos. Mas um fato
pouco conhecido na atualidade é a teoria de que eles estiveram no litoral catarinense, no
qual recuperamos alguns elementos neste breve ensaio.
Tudo
teve início com narrativas sobre supostas inscrições que teriam sido
encontradas na Ilha do Arvoredo, SC (ao noroeste de Florianópolis), durante o início do Oitocentos. Nesta época circulavam estórias sobre
supostos “Letreiros”, como eram conhecidas as manifestações visuais dos antigos
indígenas (conhecidas em nossos dias como petróglifos ou gravuras rupestres). Embebidos em
idéias eurocêntricas, tanto os moradores locais quanto os intelectuais da
região não acreditavam que essas esculturas geométricas teriam sido realizadas
pelos antigos habitantes da região, mas seriam vestígios de povos "mais
avançados" perdidos na bruma dos tempos – no caso, navegantes europeus antes de Colombo e Cabral.
Reprodução de "Inscrições do rochedo dos Arvoredos", de Jean-Baptiste Debret, 1834.
Mergulhado
neste referencial, o viajante e artista Jean-Baptiste Debret percorreu esta região
e realizou um registro dos petróglifos indígenas da Ilha do Arvoredo, posteriormente
inserido em sua obra Viagem pitoresca e
histórica ao Brasil (1834). Nela, percebemos claramente que ele concede um
referencial civilizatório aos vestígios, tomados como “inscrições”. No início
do Oitocentos, diversos estudos deram fama ao referencial da epigrafia
arqueológica – os hieróglifos egípcios foram traduzidos em 1822 por
Champollion, lançando um modismo intelectual da busca por antigas e misteriosas
escritas perdidas pelo mundo todo. E além disso, o caráter “monumental” era
algo recorrentemente buscado, tendo o painel da Ilha do Arvoredo todos estes
elementos: era inóspito, localizado no mar, afastado das grandes cidades da
época.
Em
1839 os historiadores do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) iniciaram seus estudos na famosa
Pedra da Gávea, RJ, que também supostamente conteria uma inscrição misteriosa. O bibliotecário e
mineralogista do gabinete imperial, Rochus Schuch, enviou uma cópia das inscrições da Gávea, alegando
que as mesas eram “runas”, portanto, teriam sido esculpidas pelos navegantes
nórdicos durante a Idade Média. Schuch foi influenciado pelas publicações do
escandinavista Carl Rafn, que em seu livro Antiquitates
Americanae (1837) afirmava que os vikings estiveram na América do Norte
(especialmente na região da Nova Inglaterra), tendo como base uma série de
inscrições em rochedos. Os arqueólogos modernos confirmam que também se
tratavam de gravuras esculpidas pelos indígenas locais, assim como os da Ilha
do Arvoredo, mas para os referenciais da época eram provas concretas da
passagem de navegadores europeus.
Os acadêmicos do
IHGB tomaram muito entusiasmo pelos escritos de Carl Rafn, tanto que acabaram
traduzindo alguns de seus artigos na Revista
do Instituto. Também o paleontólogo e correspondente do IHGB, Peter Lund,
de origem dinamarquesa e que estava pesquisando em Minas Gerais durante essa
época, acreditava que os nórdicos haviam visitado o litoral brasileiro durante
o medievo.
No
final de 1839, o IHGB recebe uma carta de Florianópolis, aludindo às ditas
inscrições da Ilha do Arvoredo, que poderiam ser de origem escandinava,
confirmando as hipóteses dos pesquisadores cariocas. Imediatamente um sócio
corresponde do Instituto, Falcão da Frota, é enviado para pesquisar o dito “letreiro”,
o que acaba não acontecendo.
Painel dos "Letreiros", Ilha do Arvoredo, SC.
Com
o porvir dos anos 1840, as pesquisas arqueológicas do IHGB concentram-se na
busca da cidade perdida da Bahia (hoje sabemos que foi uma localidade imaginária). E após a
década de 1850, a hipótese viking acaba sendo transferida para o espaço
amazônico, uma região ainda mais misteriosa e inacessível que nosso litoral. As
ditas inscrições da Gávea acabaram caindo no ostracismo intelectual após o
final do império (a geologia moderna confirma que são produtos de erosão) e os
petróglifos da Ilha do Arvoredo são hoje buscados pelos turistas e arqueólogos.
Quanto a sua ligação com os vikings, foi curta mas instigante, demonstrando que
por diversas vezes a academia procurou criar uma origem gloriosa para a nação
brasileira, afastando-se do seu verdadeiro passado material. Mas pela internet
é possível verificar que a miragem dos vikings no Brasil e América do Sul não é
totalmente morta, sendo ainda buscada pelos diletantes e pesquisadores amadores. O sonho nunca
termina, apenas transfere sua residência...
Bibliografia:
LANGER,
Johnni. Os vikings no Brasil. Habitus
1 (Instituto Goiano de Pré-História e Antropologia), 2003, pp. 75-102.
LANGER,
Johnni. Vikings, cultura e região: o mito arqueológico nórdico dos Estados
Unidos. Olho da História n. 18, 2012.
Disponível em: https://www.academia.edu/1858786
LANGER,
Johnni. Vikings na selva. Revista de
História, 2012. Disponível em: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/quadrinhos/vikings-na-selva