O grupo interinstitucional NEVE (NÚCLEO DE ESTUDOS VIKINGS E ESCANDINAVOS, criado em 2010) tem como principal objetivo o estudo e a divulgação da História e cultura da Escandinávia Medieval, em especial da Era Viking, por meio de reuniões, organização de eventos, publicações e divulgações em periódicos e internet. Parceiro internacional do Museet Ribes Vikinger (Dianamarca), Lofotr Viking Museum (Noruega), The Northern Women’s Art Collaborative (Universidade de Brown, EUA), Reception Research Group (Universidad de Alcalá) e no Brasil, da ABREM (Associação Brasileira de Estudos Medievais) e PPGCR-UFPB. Registrado no DGP-CNPQ. Contato: neveufpb@yahoo.com.br

sábado, 25 de agosto de 2018

NEVE visita festivais vikings na Dinamarca



Um passeio pelos mercados e festivais vikings da Dinamarca

Profa. Dra. Luciana de Campos (UFPB/NEVE)
Pós doutoranda em Educação pela UFPB

O Verão dinamarquês é marcado por uma explosão de cores, odores e sons sem igual. As flores, são todas belas, sejam as cultivadas nos jardins dos parques e casas ou, as selvagens, que nascem no meio dos trigais; o zunido das abelhas que sobrevoam as delicadas pétalas atraídas pelo doce perfume e, claro, os corvos constituem um cenário perfeito para que tendas sejam erguidas, mulheres possam usar seus vestidos de linho e ficarem descalças enquanto sovam pão, crianças brincam com seus cães e, os homens, conversam e trabalham nas forjas e carpintarias tudo sob o calor do Sol que aquece a terra que permaneceu meses sob o comando do Inverno.

Nessa paisagem convidativa, aos demorados passeios pelas alamedas de olmos centenários são constantes por todo território danês, e os mercados e festivais vikings são muitos e oferecem aos visitantes uma amostra do cotidiano dos comerciantes nórdicos antigos.

A nossa primeira visita a um mercado viking foi em Frederikssund, à tarde quando saímos de uma jornada pelos jardins e palácio de Frederiksborg que, mesmo sendo construções do século XVII, já nos permitiu entrar no clima de uma pequena viagem no tempo!

Entrada da feira de Frederikssund


O mercado de Frederiksund é pequeno e quando chegamos no sábado à tarde não foi cobrado ingresso, pois esse era o último dia do festival e algumas barracas já estavam fechando. Quando adentramos ao mercado a sensação é indescritível: todos os participantes das crianças de colo até os idosos, todos estão caracterizados! Alguns usam roupas simples e um pouco desgastadas, pois além de estarem vendendo os produtos estão, muitas vezes também os produzindo, como no caso dos carpinteiros, ferreiros e das mulheres que cozinham e tingem a lã. A sensação é de realmente estar em um local fora do nosso tempo, todos nos recebem com alegria e já demonstram a gratidão pelo interesse nas histórias que tem para contar e por olharem seus produtos. 

Detalhe da feira de Frederikssund


 O local onde o mercado é instalado é bem arborizado e os carvalhos oferecem sombra e um clima acolhedor que protege os visitantes do calor e do Sol e convida a ficar sob seus galhos apreciando o movimento. No local há também estábulos pois são oferecidos aos visitantes passeios a cavalo, além de outras edificações de madeira, reproduções de casas da Era Viking. Além disso, há um totem onde está gravado em um tronco o rosto de Odin e pudemos observar como algumas pessoas faziam libações com hidromel e depositavam flores ali. Confesso que não verti hidromel e nem coloquei flores mas deixei por lá um ramo de brotos de carvalho!

As barracas que estavam espalhadas pelo terreno ofereciam diversos produtos, hdiromel, joias, roupas, sapatos, réplicas de armas em madeira e metal e produtos para fiação e tecelagem. Passamos por todas as barracas e nos demoramos naquelas que ofereciam joias pois o nosso foco era adquirir um par de broches ovais. As peças eram belíssimas, réplicas perfeitas em prata e bronze que custavam uma média de 300 a 400 coroas dinamarquesas, (algo entre 150 a 250 reais). Os broches ovais eram peças bem trabalhadas com um acabamento impecável. Difícil dizer qual era o mais bonito!

Área para espetáculos em Frederikssund


Os materiais para fiação e tecelagem também estavam à venda: pás de cardar, fusos manuais, agulhas e uma grande variedade de fios crus e tingidos bem como a lã lavada pronta para ser cardada, fiada e, depois, tecida. Havia também linho e lã tecidos manualmente e vendidos por metro. Não me atrevi a perguntar o preço, me contentei em tocá-los e sentir como eram macios. Compramos uma meada de lã pura tingida com folhas de urtiga. Um tom de verde musgo maravilhoso que será apresentada em forma de bordado no VI CEVE.

Mas, o ponto alto de nossa visita foi em uma barraca de joias. Os donos eram um casal com mais de setenta anos que estavam acompanhados de sua cachorra velhinha e surda que dormia ali, em uma pequena cama. Ambos muitos simpáticos, ela principalmente que, quando perguntou de onde éramos, e, ao ouvir “Brazil”, abriu um sorriso e começou a falar espanhol pois havia morado por mais de dez anos na Argentina com a família. Visivelmente feliz ela nos mostrou tudo com muito entusiasmo: os broches, os pingentes, os martelinhos de Thor, anéis, braceletes  e, claro a joia mais preciosa que havia ali:  - pelo menos para mim era – um pequeno pingente representando uma valquíria segurando um corno de hidromel.



A senhora segurava o pingente na palma de sua mão e dizia em um espanhol carregado de sotaque danês: “ – És muy hermosa! La representación más emblemática de la valquíria!” Aqueles olhos azuis brilhantes em contraste com os cabelos brancos nos cativaram e hoje a valquíria está aqui em casa! Nos contou que havia morado na Suécia com o marido norueguês e que conseguia ler, sem nenhuma dificuldade sueco e norueguês e que para ela, a maior diferença estava na fala e não na escrita. A voz serena e a simpatia me emocionou muito e, não resisti e tirei uma foto ao lado dessa bela e doce mulher nórdica. Além de sairmos felizes com o nosso pingente e uma meada de lã, aprendemos algo sobre as línguas escandinavas modernas. E, claro não deu em hipótese alguma para segurar as lágrimas!

Só sentimos falta de barracas que ofereciam comida. As opções eram basicamente nozes e avelãs carameladas e cachorro quente dinamarquês. Não havia nesse mercado nenhuma opção de comida da Era Viking, com exceção é, claro do hidromel que tomamos: suave, com um teor alcóolico médio mas muito saboroso e com diversas variações nos seus componentes: flores, frutas, ervas e raízes. O hidromel estava muito bom mas, a comida deixou uma grande lacuna!

O segundo mercado viking que visitamos foi o instalado ao redor da fortaleza de Trelleborg, local onde também é encenada a reconstituição da batalha homônima e que é por si só um espetáculo à parte: emocionante, vibrante e realista! Mas essa, assim como o percurso a pé para se chegar até a fortaleza é uma outra história que será contata no devido tempo. Antes de nos aproximarmos do acampamento ao redor da fortaleza, pudemos ver o mar de barracas que estava a nossa espera: todos aqueles toldos brancos e marrons se destacavam na paisagem e, se não fosse a presença das inúmeras hélices das usina eólicas a impressão era de estarmos, de novo em Trelleborg do século X.

Entrada do mercado de Trelleborg


A entrada para o mercado é feita pelo museu que abre suas portas às 10 da manhã, mas como o nosso percurso foi diferente: entramos pelos fundos da fortaleza e tivemos acesso à ela e ao mercado, quando os comerciantes e suas famílias ainda estavam tomando seu desjejum e se preparando para a abertura mais tarde. Achamos estranho os olhares curiosos de todos que deviam se perguntar : “ – De onde surgiram esses quatro?”. Tivemos a fortaleza só para nós e um breve passeio pelo mercado também!



Ao caminhar pelo mercado tive uma sensação de incômodo: aquele local não combinava com calça legging, blusa bordada e tênis! Enquanto não fui ao toalete do museu colocar meu traje não sosseguei mas, ao vesti-lo me senti mais uma mulher escandinava que anda descalça em um dia de Verão por entre as barracas e, nunca me senti tão bem, mesclada aquela população que não falava a minha língua, mas eu aprendi rápido a sorrir em danês!

O número de barracas e produtos era muito maior do que o mercado de Frederikssund, bem como o número de pessoas que estavam ali não só pelo mercado mas também pela encenação da batalha. Percorremos todas as barracas: sapateiros, carpinteiros, armeiros, tecelãs, e vendedoras de joias, camisetas, vestidos, tecidos, lãs e dessa vez havia também utensílios como baldes e barris de madeira e, claro, batedores de manteiga que eram grandes demais e desanimei de comprar um (ainda bem que Lejre estaria novamente no nosso caminho!), além de muito hidromel.



A nacionalidade dos mercadores era variada: russos, noruegueses, suecos, alemães além dos próprios dinamarqueses. Todos muitos simpáticos e sempre acompanhados de seus animais de estimação. Um dos broches foi comprado de uma russa que vendia joias e estava lá com sua família acompanhados de um pequeno cão e de um filhote de gato preto que dormia em um cesto e ficava preso em uma coleira com uma guia comprida para não se perder! Havia também uma família que comercializava tecido e o seu cãozinho tinha uma casinha viking com e uma placa com seu nome: Frodo! A presença dos animais é uma constante nesse mercado mostrando como os escandinavos tem apreço e verdadeira amizade por seus animais, algo que precisamos urgentemente desenvolver. Foi nessa barraca da família russa que, depois de percorremos todo o mercado e compramos o broche de três pontas em bronze, com motivos de Birka gravados.

Também conhecemos o artista e a sua esposa que desenhou as camisetas estampadas com a máscara de Aarhus que adquirimos no Museu Moesgård, em Aarhus. Ficaram felizes ao ver que as camisetas eram vestidas por pessoas que conheciam o desenho e que se interessavam pelo seu trabalho. Encontramos também em uma barraca onde uma mulher estava tecendo, um livro de comida eslava e nórdica da Era Viking. Uma bela surpresa e, claro aquisição também. Além de todos os produtos havia barracas que vendiam livros, romances contemporâneos ambientados na Era Viking bem como alguns de popularização. Produtos variados para todos os gostos e bolsos!



Experimentamos um hidromel de frutas vermelhas (mirtilo, groselha, amora e framboesa) que, no Verão estão em todos os lugares e podem ser compradas nos mercados, feiras, bancas de frutas e também podem ser degustadas gratuitamente nas estradas e nos parques e são muito doces! Esse hidromel possuía um buquet delicado e era delicioso lembrando o sabor de um bom vinho tinto amadeirado e frutado. Havia muitas barracas vendendo hidromel mas não havia nenhuma vendendo ale. Creio que hidromel seja mais vendável pois a qualidade das cervejas, mesmo as industrializadas é indiscutivelmente boa.

Mas, assim como em Frederiksborg o ponto baixíssimo do mercado de Trelleborg foi a comida... Havia uma única barraca que oferecia comida e, mesmo assim, não era necessariamente comida da Era Viking. Havia um porco inteiro sendo assado em um braseiro e alguns espetos com frangos inteiros que só seriam comercializados depois da encenação da batalha ou seja, depois das 14 horas. Mas, naquele momento estava sendo oferecido cachorro quente dinamarquês com salsicha e pão artesanais com molho de mostarda. Apesar dos componentes do sanduíche serem frescos e muito bem feitos e estarem saborosos, ainda não era a comida que esperávamos encontrar.



Para nossa surpresa, havia também uma outra barraca mas fora da área do mercado bem próxima ao museu que oferecia sanduíches de carne de porco assada com molho de cebolas e mostarda. O pão estava delicioso recém assado dava para sentir o sabor do centeio e o doce da cebola caramelizada no seu próprio açúcar. Observamos que muitos mercadores e mercadoras estavam comendo ali ou, então, no café do museu que oferecia saladas, sanduíches e sorvetes. Muitos visitantes como é típico dos dinamarqueses trouxeram suas marmitas com deliciosos smørrebrøds e, claro suas Carlsbergs!

Fomos esperando encontrar a típica comida viking em ambos os mercados: skyr, peixes assados e ensopados, carne de porco salgada servida com molho de cerveja sobre pão de centeio, conserva de nabos e rabanetes ou, então, carne de javali com trigo e alho. Mas não havia nada disso, apenas sanduíches comuns sem muita variedade. Acreditamos que  apesar de publicações sobre alimentação como a obra de Serra e Tunberg, a autêntica comida da Era Viking ainda não seja uma presença constante nos mercados dinamarqueses, por razões que desconhecemos. A comida poderia ser um atrativo a mais, pois seria vendida por um preço acessível, muitas vezes até mais em conta do que os sanduiches oferecidos e seriam servidas em pratos e potes de madeira e cerâmica oferecendo aos visitantes uma experiência única de, realmente comer como os nórdicos antigos comiam.

A visita a esses dois locais nos proporcionou uma pequena amostra de que como funcionam esses mercados e feiras e que, mesmo que nada se compre, e que nada se coma, só o fato de poder andar com um vestido escandinavo com todos os acessórios pisando sob o solo que um dia bebeu do sangue de homens e mulheres que feneceram em Trelleborg, é uma experiência singular e nos faz sentir pelo menos um pouco do que sentiram aqueles que singraram os mares trazendo ouro, seda e açafrão que enfeitavam as mulheres e adocicavam o hidromel!