O grupo interinstitucional NEVE (NÚCLEO DE ESTUDOS VIKINGS E ESCANDINAVOS, criado em 2010) tem como principal objetivo o estudo e a divulgação da História e cultura da Escandinávia Medieval, em especial da Era Viking, por meio de reuniões, organização de eventos, publicações e divulgações em periódicos e internet. Parceiro internacional do Museet Ribes Vikinger (Dianamarca), Lofotr Viking Museum (Noruega), The Northern Women’s Art Collaborative (Universidade de Brown, EUA), Reception Research Group (Universidad de Alcalá) e no Brasil, da ABREM (Associação Brasileira de Estudos Medievais) e PPGCR-UFPB. Registrado no DGP-CNPQ. Contato: neveufpb@yahoo.com.br

sexta-feira, 27 de abril de 2018

Calendários e festivais sazonais entre nórdicos e celtas



 
Montagem fotográfica do monólito frontal do sítio  neolítico de Newgrange, Irlanda, com a foto do sol penetrando na câmara interior do mesmo monumento, durante o solstício. Fenômenos astronômicos foram importantes para a determinação de calendários entre todos os povos europeus pré-cristãos.
 
 
CALENDÁRIOS E FESTIVAIS SAZONAIS ENTRE CELTAS E NÓRDICOS
Susan Sanae Tsugami
Mestranda em Ciências das Religiões pela UFPB
Membro do NEVE
 
Festivais sazonais aconteciam em momentos específicos do ano, relacionados ao movimento do sol e acontecimentos astronômicos como solstícios e equinócios. Os fenômenos celestes eram extremamente relevantes na vida dos povos Europeus da Antiguidade. Langer (2017) compreende que, para os povos neolíticos, germanos, celtas, eslavos e habitantes do Mediterrâneo pré-clássico, o céu propiciava não só a regulamentação do calendário, como também que os movimentos do Sol e da Lua orientavam a sazonalidade agrícola.
Os povos celtas, germanos e escandinavos, segundo Davidson (1988), possuíam rituais regulares e organizados, para renovar a comunicação com o mundo sobrenatural, ou seja, era um aspecto importante para o entendimento desses povos e para a manutenção da interação com o Outro Mundo. As datas festivas, assim, incluíam algumas práticas como, por exemplo, consagração de cerveja ou hidromel (bebida produzida a partir da fermentação do mel), dedicado aos deuses de maior importância, assim como a realização de sacrifícios de animais relacionados às divindades. Era costume oferendar saques coletados nas batalhas, animais sagrados, parte da colheita e demais alimentos e objetos para as deidades como forma de agradecimento.
Outras práticas ritualísticas também poderiam ser realizadas nessas épocas, como os rituais de sacrifícios, em ocasiões especiais, a exemplo da chegada a algum lugar sagrado, da mudança para uma nova moradia, da vitória nas batalhas, da abertura de assembleia ou da morte de reis.
Os rituais são representações simbólicas, são momentos por meio dos quais os seres humanos e as divindades podem se encontrar e, portanto, são elementos imprescindíveis para que o processo de comunicação entre os dois mundos obtenha sua eficácia. Além disso, os rituais devem, necessariamente, se referir ao universo semântico que se conhece através dos mitos.
O ritual está relacionado aos fenômenos de comunicação, se diferindo dos mitos, entendido como parte de uma outra categoria, já que se trata de uma ferramenta para entrar em contato com o Outro Mundo. Uma hipótese a partir da qual chegamos a tal afirmação é a de que, provavelmente, o rito tenha precedido o mito, sendo este último compreendido com a funcionalidade de explicar, ritualizar e obter, uma vez que a comunicação que o ritual procura estabelecer inclui, sempre, uma tentativa de manipular os atores do Outro Mundo; os seres humanos precisam da intercessão desses seres/deidades para obter alguma coisa, vitória na batalha, bom tempo, boa colheita e o conhecimento do Outro Mundo. (SCHJØDT, 2008, p. 69).
Os festivais, então, para Davidson (1988), eram momentos ritualísticos e já estavam sendo realizados desde antes do uso formal de calendários. Ainda assim, a autora afirma que os celtas da Gália elaboraram um calendário, chamado de “The Coligny Calendar”, com datação que remete à idade do bronze (achado na França em 1897); retrata cinco anos solares de doze meses, com dois meses adicionais para adaptar o ano lunar juntamente com o solar.
 
(The Coligny Calendar – calendário celta lunisolar da Idade do Bronze, retirado de: http://www.bbc.co.uk/guides/ztg87hv)
 
Antes do uso do calendário, a autora explica que os festivais eram momentos importantes para os guerreiros, fazendeiros, caçadores, pescadores e pastores. Os Celtas e Germanos usavam a orientação do “meio ano” como unidade básica do tempo. Na Islândia, essa referência era o verão e o inverno; cada uma dessas temporadas possuíam vinte e seis semanas de duração, e o início de cada uma era marcado por um banquete e um ritual religioso, contudo, a passagem do tempo era contada por invernos e noites.
No decorrer do ano solar, os Celtas tinham três festivais significativos, Samain, Beltaine e Lugnasad. Um quarto festival Imbolc, para os autores Le Roux e Guyonvarc’h (1999), não é considerado de importância muito significativa, pois há poucos documentos nos quais seu nome aparece.
A primeira data festiva é o 1º de novembro, conhecido como Samain/Samhaine os autores explicam que esta data especificamente é a festa mais importante para os celtas. Marcava o começo do inverno e do ano, ao mesmo tempo era uma recapitulação do verão. Segundo Davison (1988) Samain, provavelmente, significa “o fim do verão”, nessa época, ocorriam sacrifícios de animais que não resistiriam ao inverno. Esse festival era considerado como um período de perigo já que representava o limiar entre as estações, o Outro Mundo estava aberto e os mortos poderiam se encontrar com os vivos; diziam que era o começo do “The Adventures of Nera”: o monte das fadas de Erin estava sempre aberto em Samain/Samhain.
Outro festival importante era o Beltane/Beltaine/Beltine ou C’etshamain data das grandes assembleias druídicas, celebrado em 1º de maio no começo do verão. Powell (1995) explica que essa data tinha como principal característica a importância que se dava ao fogo, sendo grandes fogueiras acesas nessa festa. Mesmo após a consolidação do cristianismo, continuaram as práticas de acender fogueiras e vários outros ritos para a fertilidade, com a finalidade de se obter boa colheita e proteção. Havia, também, mais dois outros festivais: um realizado em 1º de fevereiro (Imbolg), e outro, em 1º primeiro de agosto (Lughnasad). 
O Imbolg/Imbolc, também é considerado uma festa importante, porém há poucos documentos nos quais seu nome aparece. Festejado em fevereiro, estava associado à deusa Brigantia, conhecida popularmente, após a consolidação cristã, como Sta. Brigit ou Santa Brígida. Seu nome indica uma conexão com ordenhar, mas também possui uma associação forte com a purificação. Em agosto, o Lughnasad/Lugsnasad, possuía uma significação relativa às colheitas e, em períodos pré-cristãos, estava conectado ao deus celta Lug. (DAVIDSON, 1988, p. 39).
Sobre os festivais sazonais nórdicos e germânicos, ainda a mesma autora esclarece que o inverno, para os germanos, começava no que chamaríamos de outono, com o “winter nights”, em outubro, na Islândia, possivelmente entre os dias 11 e 18, porém, devido a dificuldades e às limitações das fontes, não se sabe uma data exata para a celebração dessa festividade. 
Em abril, celebrava-se o equivalente ao verão como sumarmál, provavelmente entre os dias 9 à 15 de abril. Na Era Viking, essa era a época para pedir boa sorte nas invasões e expedições, após o período de recolhimento do inverno. Havia, também, o midwinter, conhecido como Yule (Jól), que, depois, com o advento do cristianismo, passou a ser ressignificado como o Natal e foi uma data extremamente difundida como cristã, até os dias atuais. O Yule (Jól) era o momento em que o solstício de inverno acontecia, quando pouco se podia fazer em ambientes externos, devido ao frio rigoroso.
Tácito (2010), em sua obra Germânia, descreve que os germanos possuíam uma compreensão diferente em relação à sazonalidade. Para eles, o ano se dividia em menos estações: o inverno, a primavera e o verão. O outono, assim, era uma estação desconhecida para a realidade deles.
Um ponto semelhante à descrição de Tacitus, em relação à obra de Snorri Sturluson, é que, na Ynglinga Saga (capítulo 8), o autor menciona três principais festas na Escandinávia, antes da conversão cristã: uma, no começo do inverno, quando haviam muitos sacrifícios; uma, para o meio-inverno, para o crescimento das plantações, e uma, para o verão, para sucesso e vitória nas expedições. Óðinn estabelece a sucessão blóts, no Norte. Para o inverno (ou seja, no outono), deve ser realizado um blót para a prosperidade; no midwinter (meio do inverno), um para o crescimento do solo; no verão, um terceiro, que seria o blót da vitória. Assim sendo, há uma conexão com o ritmo do ano: a cerimônia de outono ocorreria após a última safra, e os animais abatidos seriam aqueles que não deveriam sobreviver ao inverno. O blót do meio do inverno ocorreria depois que as noites mais longas acabassem e, então, seria celebrado o renascimento da terra. A cerimônia de verão, se fosse de vitória, coincidiria com a partida de navios em viagens de invasão (e, mais mundanas, viagens comerciais). (LINDOW, 2001, p. 35).
 
REFERÊNCIAS:
DAVIDSON, Hilda Roderick Ellis. Myths and symbols in pagan Europe: early Scandinavian and Celtic religions. Syracuse University Press, 1988
LANGER, Johnni. Calendário e Contagem do Tempo. In: LANGER, Johnni (org.). Dicionário de História e Cultura da Era Viking. São Paulo: Hedra, 2017, p.125-131.
LE ROUX, Fançoise; GUYONVARC'H, Christian-J.; SOARES, Fernanda. A civilização Celta. Portugal: Publicação Europa-América,1999.
LINDOW, John. Norse Mythology: A Guide to Gods, Heroes, Rituals, and Beliefs. Oxford University Press, 2001.
POWELL, T. G. E. The Celts. London: Thames and Hudson Ltd, 1995.
SCHJØDT, Jens Peter. Initiation between two worlds: Structure and symbolism in pre-Christian Scandinavian religion. Syddansk Universitetsforlag, 2008.
STURLUSSON, Snorri. La saga de los Ynglingos. Miraguano Ediciones, 2012.
TACITUS. Agricola and Germania. Penguin UK, 2010.