O filme O homem do Norte e o Ægishjálmur
Uma das cenas mais intrigantes do filme O homem do Norte é o encontro do protagonista, Amleth, com um feiticeiro em uma caverna da Islândia.
Então de onde o diretor Robert Eggers retirou as informações para esta cena do filme? De um lado, ele utilizou a cena mítica da consulta de Odin com a cabeça de Mímir (Sigrdrífumál 14), para descobrir mais informações sobre o futuro. Mas não existem evidências do uso de cabeças de mortos para ações mágicas na Escandinávia antiga, sendo muito mais uma cena de impacto visual por parte do filme. De outro lado, Eggers vai usar o visual de feiticeiros existentes no Museu de Bruxaria e Feitiçaria (Galdrasafnið), situado na vila de Hólmavík, Islândia. A maior parte do acervo e das exposições são referentes à história da feitiçaria dos tempos modernos, após o século XV, além de peças artísticas que reconstituem o imaginário folclórico islandês. Um dos poucos objetos que supostamente seria da Era Viking é uma pedra que possui uma certa concavidade e teria sido utilizada para receber o sangue das vítimas animais, descoberta em Goðdalur (o vale dos deuses).
Outra atração do museu (sazonal) é um homem que porta indumentária medieval e faz o papel de um feiticeiro antigo (uma ação de Living History). Em sua cabeça, ele porta um barrete e em sua frente, uma tira de couro é fixada e desce entre os seus olhos, com um símbolo do Ægishjálmur gravado nele. Com certeza, essa foi a principal influência para composição do feiticeiro do filme O homem do Norte, que também porta um barrete praticamente idêntico.
O Ægishjálmur que está na cabeça do feiticeiro tanto do museu quanto do filme é o padrão encontrado após o século XVI, popularizado com o Galdrabók. Ele possui oito radiações cujos terminais tem a forma de tridentes e cada braço também possui três linhas. O centro do símbolo é ocupado por um pequeno círculo.
O Ægishjálmur também é citado em várias fontes literárias medievais a partir do século XIII (sagas e poemas éddicos), como a Saga dos Volsungos e Fáfnismál. Ele geralmente é descrito como um objeto de poder e proteção que se porta entre os olhos, geralmente em situações belicosas, mas já no Galdrabók (séc. XVI) ele possui outros usos, como para afastar doenças ou questões amorosas. O problema é que a única fonte que temos do Medievo, no qual o símbolo é identificado nominalmente pela primeira vez a uma imagem é o Lækningakver, uma obra dedicada a curas mágicas (séc. XV). Mas ele é diferente da imagem popularizada pelo Galdrabók: possui apenas quatro terminais com tridentes. E seu uso também é diferente: ele seria utilizado para livrar o feiticeiro do ódio e da perseguição.
Percebemos então que o símbolo, tal como é descrito nas sagas e Eddas (com um caráter mais mítico) é diferente dos usos mágicos que se difundem após o Medievo tardio.
A cena do feiticeiro do filme de Eggers é de alto impacto visual e narrativo, concedendo um clima de mistério e exotismo ao espectador. Com certeza vai popularizar ainda mais o padrão renascentista do Ægishjálmur com o período Viking - algo que já corre em tatuagens, na mídia e na cultura pop. Nosso intento neste artigo é demonstrar ao leitor que nem tudo o que existe na cultura midiática provém de uma base histórica. Por certo não sabemos ainda quase nada da história antiga deste símbolo, de seu desenvolvimento visual até as menções literárias após o século XIII. Mas uma coisa é certa: o Ægishjálmur que existiu na Era Viking não tinha nenhuma relação visual direta ou de significação com o Ægishjálmur do Galdrabók. As imagens e símbolos dos grimórios islandeses são produtos de uma hibridização cultural com a tradição clássica e a tradição mágica cristã, reaproveitando experiências anteriores da tradição visual escandinava.