O grupo interinstitucional NEVE (NÚCLEO DE ESTUDOS VIKINGS E ESCANDINAVOS, criado em 2010) tem como principal objetivo o estudo e a divulgação da História e cultura da Escandinávia Medieval, em especial da Era Viking, por meio de reuniões, organização de eventos, publicações e divulgações em periódicos e internet. Parceiro internacional do Museet Ribes Vikinger (Dianamarca), Lofotr Viking Museum (Noruega), The Northern Women’s Art Collaborative (Universidade de Brown, EUA), Reception Research Group (Universidad de Alcalá) e no Brasil, da ABREM (Associação Brasileira de Estudos Medievais) e PPGCR-UFPB. Registrado no DGP-CNPQ. Contato: neveufpb@yahoo.com.br

sábado, 25 de junho de 2022

Curso História da Escandinávia no Youtube

 


O curso História da Escandinávia está disponível no Youtube: clique aqui.


O curso é uma introdução à História Nórdica e procura apresentar aos universitários e público em geral, um panorama histórico da região escandinava que cobre desde a Pré-história ao século XXI. Este curso foi uma parceria do MAAT - Grupo de Estudo de História Antiga da UFRN com o NEVE - Núcleo de Estudos Vikings e Escandinavos, coordenado pelo Prof. Dr. Johnni Langer, professor da UFPB e colaborador no Programa de Pós-graduação em História da UFRN.

Bibliografia geral do curso: clique aqui.

Primeira aula do curso - A Escandinávia antes dos Vikings:




quinta-feira, 16 de junho de 2022

Quando a culinária moderna torna-se Viking

  


Quando a culinária moderna torna-se Viking

Prof. Dr. Johnni Langer (NEVE)
johnnilanger@yahoo.com.br


Desde que conheci Luciana de Campos, lá nos idos de 2003, ela já tinha interesse por história da alimentação do Medievo. Com o delineamento de nossos interesses, ela começou a investigar a alimentação dos nórdicos antigos, ainda nos anos 2000. E começamos a perceber de que existia muito material na internet e em publicações impressas que tratava a culinária moderna e contemporânea da Escandinávia como sendo da Era Viking. Isso é interessante (e ao mesmo tempo complicado) porque remete à própria construção da figura do Viking como sinônimo de escandinavo, ainda no século 19. Viking era uma atividade ocupacional feita por não escandinavos e escandinavos, mas a sua marca posterior foi registrada essencialmente na literatura nórdica medieval. Do Renascimento até o século XVIII, o termo Viking permaneceu quase ignorado no mundo ocidental. Foi durante o Oitocentos que as nações escandinavas elegeram a figura do Viking como um referencial de auto afirmação, de identidade e de auto reconhecimento regional, mesclado a elementos pan-escandinavos (Langer, 2021).

Já no século XX a popularização pós romântica do intrépido navegador e aventureiro vai se mesclar a essa categoria mais ampla, a do escandinavo, como um sinônimo de identidade geográfica e cultural. Essa ideia é seguida atualmente tanto por chefs quanto por cozinheiros em geral - uma grande decepção foi quando compramos o livro Les recettes Vikings, de Vanessa Lancelot, em 2009 - quando o carteiro entregou o livro, a Luciana bradou ainda na porta, ao ver a capa - "Laranjas em pratos Vikings, como"? Obviamente, tratava-se de um compêndio de receitas da culinária escandinava contemporânea.



Les recettes Vkings, de Vanessa lancelot, 2008; An early Meal, de Daniel Serra, 2017.


Não é fácil estudar a alimentação nórdica na Era Viking - não existem receituários (como no Medievo) e as únicas descrições literárias (das Eddas) são uma referência a Thor comendo arenque e mingau de aveia (Hárbarðsljóð 3, mingau aqui é algo totalmente diferente do que conhecemos hoje, sendo uma comida salgada consumida por adultos e crianças) e os dois pratos descritos na RígsþulaAs sagas islandesas contém diversas referências envolvendo alimentação, mas nunca a descrição detalhada de algum prato. Então só nos resta amplamente a Arqueologia experimental e os vestígios da cultura material recuperados pelas escavações, além do estudo comparado de receituários e fontes medievais da área nórdica, germânica e anglo-saxônica.

Com o recriacionismo histórico nórdico houve uma grande demanda mundial por reconstituições de pratos da Era Viking em feiras e eventos medievais. Uma tendência que já tem algumas décadas é utilizar o æbleflæsk (conhecido popularmente como apple bacon): um prato dinamarquês muito simples, um refogado feito com cebola, maçãs e bacon. Afinal, os nórdicos conheciam as maçãs (Idunna que o diga) e o consumo de carne suína é conhecida desde os antigos germanos e celebrado no Valhalla (vide Odin e seus eleitos). O problema: não existem referências de que os nórdicos da Era Viking misturavam estes ingredientes em um único prato. Essa receita não foi grafada nos receituários da Idade Média. Outros tipos de produtos e pratos que sabemos pela Arqueologia que foram consumidos na Era Viking, como carne de ganso e arenque, mel, frutas, papas e mingaus, pães de centeio e cevada, foram referenciados no período medieval dinamarquês. Mas também é preciso ter cuidado com o próprio uso do termo bacon: no Medievo, se referia a qualquer parte do porco. A primeira utilização da palavra para fins comerciais e se referindo especificamente a gordura subcutânea do porco usada em culinária foi realizada em 1770 por John Harris (Bule, 2022).

No maior compêndio desta área de estudo (An Early Meal: a Viking Age Cookbook and Culinary Odyssey, 2017, escrito por Daniel Serra) o apple bacon não é sequer citado, como também está ausente da sistematização da arqueóloga Malgorzata Krasna-Korycinska (2011) e do receituário de Peter Nielsen (2017). O momento em que ele surge grafado: no primeiro livro impresso sobre culinária dinamarquesa em 1616, depois se popularizando em uma versão frita no século XIX. Porque então é consumido no mundo inteiro como sendo Viking? A resposta: é fácil de preparar, liga-se simbolicamente às referências que citei antes e sobretudo, a versão frita e crocante do bacon é altamente apreciada hoje em dia. Sobre este tema o NEVE realizou um vídeo detalhado: O Apple Bacon é Viking ou moderno?


Æbleflæsk, Ribe VikingeCenter, Dinamarca.

Até mesmo o Centro Viking de Ribe (Dinamarca) inseriu este prato em seu canal do Youtube (Æbleflæsk på spid - Apple and pork skewer), mas no seu site, afirma: "Nós não sabemos se os Vikings tinham essa combinação" (Apple and pork - Viking cooking at home); "mas se eles comiam bacon como conhecemos, ninguém sabe" (Æbleflæsk på spid). No restaurante deste museu não são servidas refeições históricas, como verificamos em 2019, ao contrário do Museu Lofoten (Noruega), que aliás, não inclui o æbleflæsk no seu cardápio predominante de ensopados. Essa questão de museus Vikings serem identificados com pratos históricos específicos, pode ser um campo interessante de investigações acadêmicas futuras, mostrando não somente referenciais patrióticos e regionalistas, como também os usos ideológicos da cultura alimentar pelas instituições museológicas escandinavas.

Uma questão que tira a "autoridade histórica" do Centro Viking de Ribe neste quesito foi a veiculação anos atrás em seu site de um vídeo com uma receita de uma versão de kanel (um pão doce com canela) como sendo Viking, utilizando o logo do Museu Nacional da Dinamarca. O maior especialista mundial em alimentação da Era Viking, o arqueólogo Daniel Serra (consultor do referido Museu Nacional), logo realizou um crítica nas redes sociais sobre este fato: o pão em questão é moderno - causando a retirada do vídeo algumas horas após a sua publicação. Mas ainda muitos vídeos são mantidos do canal do youtube do Centro Viking de Ribe sobre receitas baseadas em pratos dinamarqueses modernos, como o Æbleskiver (rodelas de maças, Æbleskiver - Apple fritter rings), uma iguaria tardo-medieval difundida no Renascimento. 

O próprio Daniel Serra, em entrevista disponível no blog do NEVE (Comida da Era Viking, 2016) adverte sobre as reconstituições alimentares da Era Viking baseadas na culinária escandinava moderna: "Nós escolhemos deliberadamente não usar a culinária escandinava tradicional como ponto de partida, pois há quase 800 anos de diferença entre a cozinha tradicional escandinava e a comida da Era Viking. Várias influências culinárias entraram na cozinha escandinava e começaram a transformá-lo de dentro durante o período medieval."

Outra tendência atual neste referencial de misturar o conceito de "escandinavo" com "Viking" é a utilização do smørrebrød como sendo da Era Viking. Smørrebrød é um pão de centeio aberto, onde pode-se acrescentar vários ingredientes. Trata-se de um prato de origem camponesa, no momento que estes começaram a migrar para as grandes cidades, especialmente Copenhague, levando junto a sua experiência culinária. Ele começou a ser popularizado no início do século XIX e a partir de 1850, vendido em diversos restaurantes (Jahnsen, 2017). O favorito do célebre escritor Hans Christian Andersen era feito de bacon, fígado bovino, tomate e rabanete. O smørrebrød no século XX tornou-se um dos mais conhecidos pratos da culinária dinamarquesa, mas é uma invenção conceitual do Oitocentos.


Quatro tipos de smørrebrød, Restaurante Vægterkælderen, Ribe, Dinamarca, 2019. Foto de Isolda Langer.


E para encerrar, as bebidas. Em diversos locais do mundo são servidos chás e sucos de frutas para acompanhar os banquetes vikings. O consumo de chá (Camellia sinensis) foi introduzido na Europa pelos portugueses durante o Renascimento e a consequente popularização de infusões de folhas e frutos também veio depois. Quanto aos sucos, no Ocidente também são conceitos modernos. A limonada e o suco de laranja foram popularizados depois do século XVIII. O simples fato dos nórdicos  utilizarem frutas não os impelia a produzir uma bebida simples a partir delas. O que se tem de concreto para a Era Viking é evidências do uso de água e de bebidas fermentadas, com menor ou maior teor alcóolico.



Talvez uma das respostas ao atual uso de receitas modernas como sendo da Era Viking é que elas são muito mais próximas do paladar das pessoas hoje em dia. Em feiras, mercados e jantares medievais, poucos apreciariam o consumo de um pão duro feito de diversos grãos, comido junto a um ensopado (sem carne) com alguns legumes disponíveis ou então mingaus e papas de centeio e aveia. Essa era basicamente a dieta diária de um camponês nórdico da Era Viking, representante da maior parte da população desta época, bem distante do ideal de alimentação do mundo atual. O Medievo ainda é um período onde costumamos transferir diversas idealizações, estereótipos, gostos e anacronismos e a alimentação constitui uma de suas facetas menos conhecidas. O recente vídeo do NEVE (A alimentação na Dinamarca Viking e Medieval) tenta em parte, sanar esta grande lacuna em nosso país.

Referências e Bibliografia: 

BULE, Guise. The history of baconThe English Breakfast Society, 2022

CAMPOS, Luciana de. Na mesa com a História: A alimentação na Antiguidade e Medievo. João Pessoa: Núcleo de Estudos Vikings e Escandinavos, 2021, 225 p. ISBN: 978-65-00-20250-2  Vendas: fadacelta@yahoo.com.br

JAHNSEN, Lote. En historisk evergreen: 4 grunde til at smørrebrød aldrig dørDanmarkshistorien, 2017.

KRASNA-KORYCIÚSKA, Malgozata. Viking and slavic cuisine. Szczecin: Triglav, 2011. 

LANGER, Johnni. Horned, barbarian, hero: the visual invention of the Viking through European art (1824-1851). Scandia Journal of Medieval Norse Studies vol. 4, 2021, pp. 131-180.

NIELSEN, Peter. Vikingernes mad. Latvia: Koustrup & Co. Denmark, 2017.

SERRA, Daniel. A comida da Era Viking: entrevista com Daniel Serra. Blog do Núcleo de Estudos Vikings e Escandinavos, 2016.

SERRA, Daniel; TUNBERG, Hanna. An Early Meal a Viking Age Cookbook and Culinary Odyssey. Sweden: Chrono Copia Publishing, 2017. Resenha crítica deste livro: Scandia.

Smørrebrød – et dansk kulturarvSundbusserne, 2022.

Smørrebrødets historieBord1.dk, 2012.


Videografia: 

A alimentação na Dinamarca Viking e Medieval. Cotidiano e História Ep. 10, 2022.


O Apple Bacon é Viking ou moderno? NEVE responde Ep. 1, 2020.





segunda-feira, 13 de junho de 2022

Alimentação Viking é tema de novo vídeo do NEVE

 



Você sabe o que os Vikings comiam e bebiam? O que mudou na culinária nórdica com a cristianização? Essas e outras questões são esclarecidas no novo vídeo do NEVE, produzido e apresentado pela professora Dra. Luciana de Campos, especialista em história da alimentação nórdica e autora do livro Na mesa com a História: a alimentação antiga e medieval (2012).