O grupo interinstitucional NEVE (NÚCLEO DE ESTUDOS VIKINGS E ESCANDINAVOS, criado em 2010) tem como principal objetivo o estudo e a divulgação da História e cultura da Escandinávia Medieval, em especial da Era Viking, por meio de reuniões, organização de eventos, publicações e divulgações em periódicos e internet. Parceiro internacional do Museet Ribes Vikinger (Dianamarca), Lofotr Viking Museum (Noruega), The Northern Women’s Art Collaborative (Universidade de Brown, EUA), Reception Research Group (Universidad de Alcalá) e no Brasil, da ABREM (Associação Brasileira de Estudos Medievais) e PPGCR-UFPB. Registrado no DGP-CNPQ. Contato: neveufpb@yahoo.com.br

sexta-feira, 27 de maio de 2022

Um Funeral para Þórir

 

Cena de funeral, filme O 13o. Guerreiro, 1999.


Pablo Gomes de Miranda/NEVE
Doutor em ciências das Religiões pela UFPB

            Gostaríamos de alertar aos leitores que ainda não tiveram a oportunidade de assistir ao filme de 2022, O Homem do Norte (The Northman), que leiam o resto desse post por sua própria conta e risco, se arriscando a levar um spoiler já que a intenção desse post é o de fazer uma rápida análise de uma das cenas desse filme. Especificamente a cena do funeral de Þórir (Gustav Lindh), filho de Fjöllnir (Claes Bang), na Islândia, morto pelas mãos frustradas de Amleth (Alexander Skarsgård) após a revelação de que, Gúdrun (Nicole Kidman), a mãe do protagonista, havia planejado toda os acontecimentos que levaram ao desenvolvimento da obra até ali.

            A cena que iremos analisar está em um dos últimos atos, apresentado como Draugsþatr (com a legenda em inglês The Night Blade Feeds) e é uma das mais ricas do filme, em nossa opinião: Amleth finalmente começa a empregar a sua vingança ceifando a vida dos primeiros fazendeiros na Islândia com a espada mágica adquirida após o combate com o guardião de um montículo, e emprega uma guerrilha noturna onde as ações de Amleth se confundem com as crenças populares nórdicas, ou particularmente islandesas, de certos espíritos externos às fazendas que poderiam fazer mal aos homens, como Maras e Dísir, expressos entre 1:26:43 e 1:25:58: “Não toquem neles, nem olhem em seus olhos, os espíritos da noite entraram em suas peles e cavalgam suas mentes, Þórir. Vão embora, Dísir! Desapareçam!” (“Touch them not. Look not into their eyes. The Night Spirits have entered their skins and are riding their minds, Þórir. Out, Dísir! Begone!”).

            Tal preciosismo, que deleita especialistas e diletantes, só foi possível primeiro pela inspiração não apenas na história original do príncipe Amleth na crônica medieval O Feito dos Daneses (Gesta Danorum) atribuída a Saxão Gramático, bem como nas próprias sagas islandesas, já que a esposa de Robert Eggers, um dos produtores do filme, lhe interessou na leitura das sagas e ele mesmo admitiu a influência da Saga de Egill Skllagrímsson, a Saga de Grettir, o Forte, a Saga dos Habitantes de Eyri e da Saga de Hrólf Kraki e Seus Campeões (Egils saga Skallagrímssonar, Grettis saga Ásmundarsonar, Eyrbyggja saga e Hrólfs saga kraka ok kappa hans, respectivamente), segundo o site Thrillist e Little White Lies, onde também admite as referências de Conan, o Bárbaro, e suas conversas prévias com Alexander Skarsgård  (para acesso clique aqui) ambos com acesso em 21 de maio de 2022.

            Em segundo pelo próprio envolvimento de produtores culturais e intelectuais envolvidos na pesquisa dos povos nórdicos e de suas crenças e religiosidades: o outro produtor do filme e roteirista, Sigurjón Birgir Sigurðsson, ou Sjón, é um escritor reconhecido da Islândia, e que possuí um reconhecido envolvimento na produção de outros filmes, incluindo terror Thrash de 2009 Reykjavik Whale Watching Massacre, e o filme de horror de 2022 da produtora A24 “Lamb”. Elementos dos seus romances, em especial Skugga-Baldur e Rökkurbýsnir, podem ser encontrados no filme (em particular na presença da raposa azul). Não menos importante, a consultoria dos professores da Universidade da Islândia, Terry Gunnell e Jóhanna Katrín Friðriksdóttir, que trabalharam em conjunto com o professor da Universidade de Uppsala, oferecendo insights nos mais absurdos detalhes que nos invade quando assistimos o filme, segundo uma matéria nos sites do Smithsonian, The Arts STL e no site do periódico TheNew Yorker (acessos em 21 de maio de 2022).

            A cena, como escrito anteriormente, aparece no ato Draugsþatr, The Night Blade Feeds, e ela é uma referência direta ao único testemunho direto de um funeral Rus, um termo utilizado para descrever, entre outras coisas, os escandinavos que navegavam nos rios do Leste Europeu. O relato do árabe Aḥmad Ibn Faḍlān, que relata os primeiros acontecimentos nos anos de 921 ou 922 (309 ou 310 H.)  preservados em manuscritos a partir do século XIII (encontrados, pela primeira vez no Irã, em 1923), que estava em missão diplomática pelo califado abássida para financiar, armar e instruir na fé islâmica os eslavos representados pelo elteber Almaš Ibn Yalṭwār do Volga, em oposição ao domínio do Canato Cazar na região, relata os costumes de diferentes povos encontrados no Volga.

            Os leitores brasileiros têm acesso a tradução de Pedro Martins Criado e tomamos a liberdade de citarmos aqui os trechos que nos interessam para essa análise e iremos destacar as partes mais interessantes. Não vamos reproduzir as cenas, por questões legais: o filme ainda se encontra nos cinemas, no momento da escrita desse artigo, podendo ser acrescidas posteriormente, na ocasião do lançamento nos serviços de streaming e outras mídias digitais. Segue a tradução de Pedro Martins Criado sobre o relato de Aḥmad Ibn Faḍlān:

 

Morte de Pobres e Ricos

Disseram-me que, quando um de seus líderes morre, eles lhe fazem diversas coisas, das quais a última é queimá-lo. Eu quis saber mais sobre isso, até que fiquei sabendo da morte de um homem importante e fui ao seu túmulo. Haviam-no colocado ali com um telhado por cima durante dez dias, até que terminassem de cortar e costurar suas roupas.

Quando o falecido é um homem pobre, constroem um pequeno barco, colocam-no dentro e queimam. Quando é rico, reúnem o dinheiro dele e dividem em três terços: um para a família, um para fazerem suas roupas e um para o vinho do dia em que a escrava dele se mata e queima com seu proprietário.

Eles tomam muito vinho, bebem dia e noite. Às vezes, um deles morre com uma caneca na mão. Quando um dos líderes deles morre, a família pergunta a suas escravas e escravos: “Quem de vocês morrerá com ele?”, ao que algum deles responde: “Eu”. Se o disser, fica obrigado a fazê-lo sem poder voltar atrás. Mesmo que queira, não pode. Na maioria dos casos, quem se habilita são as escravas.

 

Funeral de um Nobre

Quando morreu aquele homem que mencionamos, disseram às suas escravas: “Quem morrerá com ele?” e uma delas disse: “Eu”. Nisso, apontaram duas escravas para vigiá-la, ir com ela aonde fosse e até mesmo, por vezes, lavar-lhe os pés com as próprias mãos. Então, voltaram a atender o falecido, cortar suas roupas e acertar todas as coisas de que ele precisasse. A escrava bebeu e cantou alegre e contente todo o dia.

No dia de queimá-los – ele e a escrava -, compareci ao rio em que estava seu barco. Haviam tirado o barco da água para que ele recebesse quatro pilares de madeira ḫaḏank e outras. Também colocaram à sua volta o que parecia ser uma grande estrutura de madeira, como um celeiro. Então, o barco foi puxado para cima daquela estrutura. Eles se aproximaram, indo e vindo, falando palavras que eu não entendi, enquanto o falecido ainda jazia no túmulo. Trouxeram um estrado, puseram-no no barco e o preencheram com um colchão e almofadas de brocado bizantino. Nisso, vi uma mulher velha a quem eles chamam “anjo da morte” e estendeu os estofados que mencionamos. Ela é encarregada de costura-los e arrumá-los, além de matar as escravas. Vi que ela era uma feiticeira enorme e sinistra.

Quando chegaram ao túmulo do homem morto, removeram a terra que estava sobre a madeira e depois a própria madeira. Tiraram-no com as roupas que estava usando quando morrera. Vi que ele ficara preto por causa do frio daquela terra. No túmulo, haviam colocado vinho, frutas e um tambor. Tiraram tudo isso de lá. Ele não fedia e nada, exceto sua cor, havia mudado.

Vestiram-lhe ceroulas, meias, botas, túnica e um cafetã de brocado com botões de ouro. Puseram-lhe na cabeça um gorro pontudo de brocado e pele de zibelina. Carregaram-no e dispuseram-no na tenda que estava sobre o barco. Deitaram-lhe o corpo no colchão e a cabeça nas almofadas, e colocaram vinho, frutas e manjericão com ele.

Trouxeram pão e carne e puseram à sua frente. Trouxeram um cão, partiram-lhe ao meio e lançaram-no ao barco. Então, trouxeram todas as suas armas e colocaram ao seu lado. Pegaram dois cavalos, fizeram-no correr à exaustão, cortaram-nos em pedaços com a espada e lançaram sua carne ao barco.

Então, trouxeram duas vacas, também as cortaram em pedaços e lançaram ao barco. Depois, prepararam um galo e uma galinha, mataram-nos e os colocaram nele também.

Enquanto isso, a escrava que quis se matar ia e vinha, entrando em cada uma das tendas. O dono da tenda fazia sexo com ela e dizia: “Diga ao seu proprietário: só fiz isso por amor a você”.

 

O Anjo da Morte

             Na sexta-feira, quando chegou a hora da reza da tarde, trouxeram a escrava até uma estrutura que haviam armado e que parecia um batente de porta. Ela apoiou as pernas na palma das mãos dos homens, até que pudesse ver aquele batente, disse algumas palavras e eles a desceram. Ergueram-na uma segunda vez e ela fez como fizera da primeira, então a desceram e a subiram uma terceira vez, e ela fez como fizera das outras duas vezes. Então, deram-lhe a galinha, ela arrancou sua cabeça e a arremessou longe. Pegaram a galinha e a jogaram no barco.

             Perguntei ao intérprete sobre o que ela estava fazendo. Ele disse: “Da primeira vez que a levantaram, ela disse: ‘Lá vejo meu pai e minha mãe’; da segunda, disse: ‘Lá vejo todos os meus parentes mortos sentados’; e da terceira: ‘Lá vejo meu proprietário no paraíso junto com homens e escravos, e o paraíso é bom e verde. Ele está me chamando, então me mandem até ele!’” Eles a levaram até o barco, ela tirou as duas pulseiras que estava usando e deu à mulher chamada de “anjo da morte”, que é quem mata a escrava. Tirou as duas tornozeleiras que usava e as deu às duas escravas que tinham ficado a serviço dela, que são filhas da mulher conhecida como “anjo da morte”.

             Então, subiram-na no barco sem colocá-la dentro da tenda. Os homens vieram com escudos e bastões de madeira e deram a ela uma caneca de vinho, para a qual ela cantou e então bebeu. O intérprete me disse: “Ela faz isso para se despedir das companheiras”. Então foi-lhe entregue outra caneca, a que ela pegou, estendendo a cantoria, ao que a velha a incitava a beber e entrar na tenda em que estava seu proprietário. Vi que ela se embriagara, pois queria entrar na tenda, mas colocou a cabeça entre ela e o barco. A velha pegou sua cabeça, empurrou-a para dentro da tenda e entrou junto.

Os homens começaram a bater os bastões nos escudos para que não se escutasse o som dos gritos, os quais assustariam as outras escravas, fazendo-as não querer mais morrer com seus proprietários. Então, seis homens entraram na tenda e todos fizeram sexo com a escrava, sem exceção, e então deitaram-na ao lado de seu proprietário, dois segurando-a pelos pés e dois pelas mãos. A velha chamada de “anjo da morte” colocou em seu pescoço uma corda, cruzando as duas pontas e passando-as a dois homens para que puxassem, e veio com uma adaga de lâmina larga. Começou a enfiá-la entre as costelas dela aqui e ali, e então a tirar enquanto os dois homens a enforcavam com a corda, até que ela tivesse morrido.

             Então, veio o parente mais próximo daquele falecido, pegou um bastão e o jogou no fogo, andando para trás – de costas para o barco e de frente para as pessoas – com a tocha em uma mão e a outra cobrindo o ânus, pois estava nu, acendeu a madeira que fora distribuída embaixo do barco. Depois disso, puseram o corpo da escrava que haviam matado ao lado de seu proprietário.

             Então, as pessoas vieram com bastões e lenha. Cada um tinha um bastão, cuja ponta haviam acendido e que lançaram àquela madeira. O fogo pegou na lenha, no barco e então na tenda, no homem, na escrava e em tudo o mais que estava lá. Nisso, bateu uma ventania assustadora, as chamas cresceram e o calor se intensificou. Ao meu lado, havia um dos rus que eu escutei conversando com o intérprete que estava comigo. Perguntei ao intérprete o que ele dissera. Ele disse: “ele diz: vocês árabes são tolos”, e eu disse: “Por que isso?”. Ele disse: “Vocês colocam as pessoas a quem mais amam e respeitam a terra, onde as minhocas e os vermes as comem. Nós as queimamos com fogo em um instante, assim elas entram no paraíso na mesma hora”.

             Então, ele riu demais. Eu perguntei sobre aquele vento e ele disse: “O amor de seu Senhor por ele é tão grande que Ele enviou o vento para leva-lo em uma hora”. De fato, não passou uma hora até que o barco, a lenha, a escrava e o falecido tivessem virado cinzas e pó. Depois, no local por onde haviam tirado o barco do rio, construíram como que um morro redondo e fincaram um grande poste de madeira ḫaḏank no meio. Escreveram nele o nome do homem, o nome do rei dos rus e foram embora.

 

                A primeira consideração que devemos fazer é em relação a dinâmica de nossa análise sobre o filme e os nossos objetivos aqui. Não queremos apontar o que o filme fez certo ou errado, simplesmente porque essa oposição não cabe à dinâmica da representação da obra cinematográfica, cuja obrigações estão contidas ao campo da Arte, enquanto que nosso olhar, dentro da História das Religiões, é a de estabelecer as referências das cenas no ato já apontado anteriormente. Aqui, o problema a ser considerado dentro de uma abordagem metodológica histórica é necessariamente de ordem hermenêutica, de contenção dos significados dentro da própria fonte, mas sobretudo semiótica nas relações com os filtros ideológicos, de um certo “conteúdo latente” e da realidade social externa ao filme em que este se encontra integrado (CARDOSO e MAUAD, 1997, p. 573, 583-584).

            A segunda consideração está no âmbito das traduções e dos olhares sobre a fonte escrita e o longa-metragem. Não é o caso de estarmos aqui, apontando aos leitores, passagens de uma tradução direta do árabe ao português, já que não estamos interessados nas minúcias de uma possível análise do texto, mas a maneira como os nossos interlocutores traduzem esses olhares para nós. Se por um lado Aḥmad Ibn Faḍlān admite, ele mesmo, utilizar um tradutor que lhe explique as palavras desses Rus, por um outro, as expressões como “Anjo da Morte” e “Paraíso” podem ser as suas tentativas de explicar aos leitores de sua fonte, esse testemunho. As Ciências das Religiões apresentam suas próprias preocupações em relação as conexões com o olhar do viajante árabe com o sagrado do outro, e a representação figurada no cinema a partir dessa referência. Há aqui a preocupação de separar esses elementos em duas ordens do sagrado relacionadas a fontes primárias de naturezas diferentes: uma textual e uma cinematográfica, onde se reconhece na primeira uma relação com a esfera do sagrado em que temos acesso pelas lentes da alteridade (ou entre culturas com visões de mundo diferente, como pretende KAVKA, 2012, p. 206) que faz o seu melhor para traduzir o que vê, e em seguida a produção do filme que busca não só se inspirar, mas ressignificar a conexão com o sagrado, retraduzindo as passagens conforme os filtros apontados no parágrafo anterior. Se faz necessário relembrar que ambas as fontes não se pretendem passar por expressões do sagrado, mas indiscutivelmente ambas se recobrem de alguma autoridade que lhes permite expressar adequadamente esse sagrado (testemunho ocular, ou a presença de especialistas).

Uma terceira consideração, na qual o filme, ainda que não tenha a obrigação com a “Verdade”, indubitavelmente os seus produtores apostaram no discurso da veracidade em oposição a obras que também se propuseram a falar dos Vikings e esse discurso de veracidade passa pelas lentes da tradução (como representar ritos tão estranhos de maneira inteligível para uma audiência moderna?), de tal maneira que essa terceira consideração é uma de modo que as duas primeiras considerações se encontram também envolvidas aqui. O desafio de estudar as religiões a partir das representações visuais envolvem elementos como símbolos visuais, ordens espaciais, e, novamente, elementos semióticos, em paridade com as estruturas ritualísticas, ao mesmo tempo em que é imprescindível compreender as dinâmicas religiosas na intersecção das representações entre a produção audiovisual e a cultura iconográfica, segundo KNOBLAUCH, 2011, p. 441 e HARVEY, 2011, p. 519. Como não tem obrigação com a “Verdade”, o filme O Homem do Norte não tem também obrigação com a “Religião”.  

Façamos então uma exposição das cenas propostas, e aqui, para facilitar nossa análise, dividimos em quatro partes:

1 - No início observamos uma mulher ser erguida sobre algo que não sabemos o que é, aparecendo apenas o seu rosto enquanto ela diz “Eu vejo o meu pai e minha mãe” (“I see my father and mother”), sendo abaixada e desaparecendo de nossa vista. Ela é erguida novamente e fala “Eu vejo meus parentes mortos” (“I see my dead kindred”), para daí as ações se repetirem, onde ela é abaixada e desaparece. Erguida uma terceira vez, ela retorna a falar: “Eu vejo o meu mestre no salão de Freyja. Ele chama por mim” (“I see my master in Freyja’s hall. He calls me to him”), sendo ovacionada por vozes de pessoas que em primeiro momento não estão projetadas, para só então a câmera acompanhar essa mulher, que é uma escrava, nos revelando que ela estava sendo erguida acima de uma estrutura que lembra uma porta. Ela está ricamente adornada com broches, contas de vidro, pingentes e pulseiras, o barulho das ovações é cortado pelo seu repentino cantar e que finalmente revela ser este o momento do funeral de Þórir.

Aqui há uma referência direta às palavras da escrava do relato de Ibn Faḍlān que se voluntaria para a morte. Ela é igualmente erguida ao batente da porta e menciona seus parentes, antepassados e o morto que lhe chamam desde o paraíso, um lugar bom e verde. Essa porta é um espaço liminar, e ali a escrava está vendo algo misterioso que é a sua aceitação nesse espaço. Aqui, o paraíso relatado por Ibn Faḍlān é representado como O Campo dos Povos ou o Campo do Bando, Fólkvangr, um pós-vida guerreiro presidido pela deusa Freyja que recolhe para si metade dos mortos trazidos pelas valquírias, um espaço apropriado. A escolha dos roteiristas é curiosa, pois ela é mencionada como um espaço também apropriado para as mulheres na já mencionada Saga de Egill Skllagrímsson, bem como uma referência ao deus Freyr, adorado por Fjöllnir e sua família.

O anjo da morte, aqui é uma sacerdotisa que habita a fazenda de Fjöllnir e que está responsável pelo bem espiritual da área, já que nos créditos do filme, a atriz Olwen Fouéré é mencionada como Áshildur Hofgythja (podendo ser traduzido o termo hofgythja, em nórdico antigo, enquanto “sacerdotisa”). As duas pulseiras aparecem com a escrava, que não as retira no filme, tampouco a galinha aparece aqui. Tampouco aparecem aqui menção a quaisquer ajudantes ou preparos fúnebres.

2 - A família enlutada veste branco, os homens acompanham o cântico batendo os seus escudos, a mulher é levada a um barco que está parcialmente inserido dentro de um pequeno montículo. No barco está o corpo de Þórir vestido ricamente e em armadura, deitado em uma cama com um travesseiro, várias plantas ao seu redor, o seu elmo ao lado, uma mulher de branco e com uma adaga na cintura deposita a sua espada em cima do defunto após receber a mulher que canta na embarcação. Nessa cena é possível perceber uma estátua que parece ser de Freyr pelo seu avantajado falo. A câmera se aproxima ainda mais revelando que o nariz de Þórir foi selado de alguma maneira com o que parece ser argila ou barro.

O bater dos escudos e a cantoria das mulheres talvez não cumpra a mesma função no relato de Ibn Faḍlān, porque não está claro no filme se as vozes das mulheres são das escravas ou das habitantes da fazenda. De qualquer modo os homens batem os escudos aqui mais para acompanhar o ritmo do cântico e menos para esconder algo dos outros escravos. O corno de bebida é entregue pela sacerdotisa que a esfaqueia ali na frente de todos.

Todas as referências ao sexo inexistem no filme, bem como as tendas que poderiam ser diferentes espaços com significados ritualísticos únicos, bem como diferentes animais sacrificados no relato do viajante árabe: galinha, cão e vacas (a exceção é o cavalo, como veremos adiante). As referências ao tambor, frutas e ao vinho ficam representados aqui, talvez, pela presença do visco ao redor do corpo de Þórir. O detalhe do nariz tapado é desconhecido para nós.

3 - Em um novo ângulo, com a estátua de Freyr em nossa frente, a escrava vira um corno de bebida enquanto a mulher de branco recita parcialmente a estrofe 76 do poema Hávamál “... deyja frændur, deyr sjálfur ið sama; en orðstír, deyr aldregi, hveim er sér góðan getur” (... os parentes morrem, do mesmo modo eu mesma morrerei; contudo o renome nunca morrerá, para quem obtém boa fama). A câmera se afasta mais uma vez e em um novo plano, Fjöllnir encosta a sua cabeça na de um cavalo pronto para montaria e anuncia o fim do luto por Þórir enquanto entrega uma espada ao seu, agora, único filho que anuncia o sacrifício do cavalo com as seguintes palavras “Que a cerveja do pescoço desse rápido garanhão lhe carregue rápido para a árvore mais alta das urdidoras de batalhas” (“May the neck-ale of this swift steed hasten you to the highest tree of the battle-weavers, brother”) para então sacrificar o animal com vários golpes da lâmina. No plano ao fundo, enquanto a câmera retorna para nos dar uma visão geral da cena, a escrava é enforcada por um homem enquanto a mulher de branco lhe apunhala várias vezes entre as costelas.

A referência ao cavalo aqui é curiosa porque são animais presentes em diferentes ritos fúnebres, mas há uma provável conexão ao culto do deus Freyr em uma saga conhecida como a Saga de Hrafnkell, o Sacerdote de Freyr (Hrafnkels saga Freysgoða) onde um fazendeiro possui uma ligação única com o cavalo nomeado Freyfaxi, dedicado ao deus Freyr. As palavras do jovem Gunnar (Elliott Rose) sobre o sangue que jorra do garanhão e da árvore mais alta das urdidoras da batalha, deve ser uma referência tanto ao papel do cavalo como psicopompo, o animal que atua na passagem entre os mundos, como também uma referência as Nornas, mencionadas durante todo o filme (uma possível associação às valquírias aqui também é possível, já que elas aparecem analisando a batalha em uma tapeçaria no poema Darraðarljóð onde elas analisam, nos fios, os mortos da batalha de Clontarf).

4 - O cavalo sacrificado tem a sua cabeça separada, o sangue recolhido e Gúdrun asperge o sangue no marido e filho que estão nús, anunciando ser ele o novo herdeiro da fazenda, pois é o único filho vivo. Fjöllnir declara o fim de seu luto pessoal e, consoante ao barulho dos escudos batidos, berros dos homens e do cantarolar das mulheres, nú e girando uma matraca sobre a sua cabeça, também declara o momento de sua vingança contra Amleth.

Curiosamente o barco onde se encontra os corpos de Þórir e da escrava, aqui não é queimado como no relato de Ibn Faḍlān, já que metade dele está em um montículo, então qualquer referência a queima ritualística da embarcação, também não está no filme. Desconhecemos o ato de aspergir o sangue do cavalo enquanto ritual jurídico, confirmando a autoridade de Gunnar como herdeiro da fazenda. Como não há a queima do navio, a nudez de Fjöllnir não é representada do mesmo jeito que no relato, onde o parente mais próximo do defunto inicia o fogo ao mesmo tempo em que cobre o ânus. Não só Fjöllnir não faz qualquer menção de se cobrir, como eleva o barulho ao seu redor com a matraca. Essa matraca, que aparece em cenas ritualísticas em outros momentos do filme, está conectada ao afastamento de maus espíritos e ao culto a Freyr na Gesta Danorum. É uma série de elos de ferro unidas e que pode ser encontrado entre os vestígios arqueológicos do navio funerário de Oseberg, e também presente em funerais com depósitos sacrificiais de cavalos.

É possível que a produção do filme tenha escolhido deliberadamente não representar cenas com os elementos sexuais do funeral, se for o caso, talvez tenham pretendido poupar os espectadores de cenas que poderiam causar mal-estar. Por que essa é uma questão importante? A produção não esconde a violência das razias escandinavas no leste europeu, em especial a maneira como capturam seus escravos, parte importante das atividades vikings. No relato de Ibn Faḍlān, as escravas se voluntariam para morrer com seus antigos donos, com a finalidade de os acompanharem no pós-vida. Contudo, na hora do sacrifício, os homens disfarçam os sons da morte com as pancadas nos escudos. Então essas mulheres saberiam, de antemão que seriam sacrificadas? De alguma maneira as três considerações anteriormente descritas se relacionam a uma preocupação, muito interessante, em como a violência será representada aqui, já que nem toda a violência é aceita pelo público nas telas.

            Uma prova da complexidade dessa dinâmica é observável na representação da escrava sacrificada. Realizamos uma live no perfil do NEVE na rede social Instagram no dia 24 de maio de 2022 (clique aqui para acessar) em parceria com a profa. Ma. Monicy Araújo, e em determinado momento, enquanto estávamos comentando as cenas do funeral de Þórir, a professora Monicy e muitas mulheres da nossa audiência insistiram que a escrava talvez não estivesse ali, no filme, voluntariamente, já que a atriz expressava medo em sua atuação. Talvez, no contexto do sacrifício, o sexo poderia se tornar algo repulsivo? Esses detalhes podem ter pesado, de alguma maneira, nas escolhas desses elementos para a escrita do roteiro.

            Por fim, nos resta dizer que essa é uma das melhores representações de uma descrição tão rica como a que temos do relato de Ibn Faḍlān no cinema. Excetuando as escolhas feitas pelos roteiristas do filme, aqui a ausência do sexo e dos sacrifícios de animais, a produção escolheu uma proximidade com o relato que até então não foi visto em outros filmes com a mesma temática. Ficamos, desde já, ansiosos para ler que tipos de outras conexões e representações chamará a atenção dos pesquisadores e da academia no geral, em vista da proposta desse filme, que apesar de não ser inusitada, decide privilegiar olhares tão ricos sobre o passado.

Referências

Fontes

Aḥmad Ibn Faḍlān, Viagem ao Volga. Tradução e Apresentação de Pedro Martins Criado. São Paulo: Carambaia, 2019.

O Homem do Norte. Robert Eggers. Produção de Official Focus Features. Estados Unidos; Islândia: Universal Pictures, 2022.

Bibliografia

CARDOSO, Ciro Flamarion; MAUAD, Ana Maria. História e Análise de Textos. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (orgs.). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997, p. 568 – 590.

HARVEY, John. Visual Culture. In: STAUSBERG, Michael; ENGLER, Steven. The Routledge Handbook of Research Methods in The Study of Religion. Londres: Routledge, 2011, p. 502 – 522.

KAVKA, Martin. Translation. In: ORSI, Robert A. The Cambridge Companion to Religious Studies. Nova Iorque: Cambridge University Press, 2012, p. 186 – 208.

KNOBLAUCH, Hubert. Videography. In: STAUSBERG, Michael; ENGLER, Steven. The Routledge Handbook of Research Methods in The Study of Religion. Londres: Routledge, 2011, p. 433 – 444.

LEIA TAMBÉM NO BLOG:


O filme O homem do Norte e o Ægishjálmur


Os simbolismos animais no filme O Homem do Norte (2022)


Os rituais do filme "O Homem do Norte" (2022)


Videografía: 

As religiões Nórdicas da Era Viking (canal do NEVE no Youtube)





domingo, 22 de maio de 2022

O filme O homem do Norte e o Ægishjálmur



O filme O homem do Norte e o Ægishjálmur


Prof. Dr. Johnni Langer (UFPB/NEVE)
johnnilanger@yahoo.com.br

Uma das cenas mais intrigantes do filme O homem do Norte é o encontro do protagonista, Amleth, com um feiticeiro em uma caverna da Islândia.


Cena do feiticeiro com uma cabeça mumificada, O homem do Norte, 2022


A descrição de feiticeiros na Escandinávia da Era Viking é muito rara. Geralmente as sagas islandesas mencionam a ocorrência de mulheres envolvidas em atos mágicos, proféticos e de feitiçaria. No caso de homens, temos a menções ao spámaðr, seiðmaðr e galdramaðr. As descrições destes praticantes são praticamente inexistentes: não sabemos se utilizavam indumentárias, apetrechos ou objetos diferentes das mulheres. Tudo o que foi encontrado em termos de cultura material foram tumbas femininas contendo bastões mágicos e objetos como pingentes de cadeiras elevadas, vestígios de plantas, etc. 

Então de onde o diretor Robert Eggers retirou as informações para esta cena do filme? De um lado, ele utilizou a cena mítica da consulta de Odin com a cabeça de Mímir (Sigrdrífumál 14), para descobrir mais informações sobre o futuro. Mas não existem evidências do uso de cabeças de mortos para ações mágicas na Escandinávia antiga, sendo muito mais uma cena de impacto visual por parte do filme. De outro lado, Eggers vai usar o visual de feiticeiros existentes no Museu de Bruxaria e Feitiçaria (Galdrasafnið), situado na vila de Hólmavík, Islândia. A maior parte do acervo e das exposições são referentes à história da feitiçaria dos tempos modernos, após o século XV, além de peças artísticas que reconstituem o imaginário folclórico islandês. Um dos poucos objetos que supostamente seria da Era Viking é uma pedra que possui uma certa concavidade e teria sido utilizada para receber o sangue das vítimas animais, descoberta em Goðdalur (o vale dos deuses).



O feiticeiro, Museu da Bruxaria e Feitiçaria, Islândia

Outra atração do museu (sazonal) é um homem que porta indumentária medieval e faz o papel de um feiticeiro antigo (uma ação de Living History). Em sua cabeça, ele porta um barrete e em sua frente, uma tira de couro é fixada e desce entre os seus olhos, com um símbolo do Ægishjálmur gravado nele. Com certeza, essa foi a principal influência para  composição do feiticeiro do filme O homem do Norte, que também porta um barrete praticamente idêntico.

O Ægishjálmur que está na cabeça do feiticeiro tanto do museu quanto do filme é o padrão encontrado após o século XVI, popularizado com o Galdrabók. Ele possui oito radiações cujos terminais tem a forma de tridentes e cada braço também possui três linhas. O centro do símbolo é ocupado por um pequeno círculo.


 
O feiticeiro, Museu da Bruxaria e Feitiçaria, Islândia

O Ægishjálmur também é citado em várias fontes literárias medievais a partir do século XIII (sagas e poemas éddicos), como a Saga dos Volsungos e Fáfnismál. Ele geralmente é descrito como um objeto de poder e proteção que se porta entre os olhos, geralmente em situações belicosas, mas já no Galdrabók (séc. XVI) ele possui outros usos, como para afastar doenças ou questões amorosas. O problema é que a única fonte que temos do Medievo, no qual o símbolo é identificado nominalmente pela primeira vez a uma imagem é o Lækningakver, uma obra dedicada a curas mágicas (séc. XV). Mas ele é diferente da imagem popularizada pelo Galdrabók: possui apenas quatro terminais com tridentes. E seu uso também é diferente: ele seria utilizado para livrar o feiticeiro do ódio e da perseguição.

Percebemos então que o símbolo, tal como é descrito nas sagas e Eddas (com um caráter mais mítico) é diferente dos usos mágicos que se difundem após o Medievo tardio.


  
Esquerda para direita: 1. Símbolo encontrado em uma vaso de Hedeby, séc. X. 2. Ægishjálmur  do Lækningakver, séc. XV, AM 434 A 12MO. 3. Ægishjálmur do Galdrabók, séc. XVI.


Um vaso da Era Viking (Hedeby, séc. X), talvez contenha a mais antiga representação do Ægishjálmur na Escandinávia. Ele foi esculpido ao alto de uma cena com diversos cervos correndo e três suásticas. O seu sentido provavelmente é solar - e como as antigas rodas solares e a própria suástica, estão associados com a elite aristocrática-guerreira - são emblemas de sua autoridade, poder e prestígio. Ele tem praticamente a mesma forma que foi encontrada no manuscrito do Lækningakver, mas como vimos, numa significação totalmente diferente.

A cena do feiticeiro do filme de Eggers é de alto impacto visual e narrativo, concedendo um clima de mistério e exotismo ao espectador. Com certeza vai popularizar ainda mais o padrão renascentista do Ægishjálmur com o período Viking - algo que já corre em tatuagens, na mídia e na cultura pop. Nosso intento neste artigo é demonstrar ao leitor que nem tudo o que existe na cultura midiática provém de uma base histórica. Por certo não sabemos ainda quase nada da história antiga deste símbolo, de seu desenvolvimento visual até as menções literárias após o século XIII. Mas uma coisa é certa: o Ægishjálmur que existiu na Era Viking não tinha nenhuma relação visual direta ou de significação com o Ægishjálmur do Galdrabók. As imagens e símbolos dos grimórios islandeses são produtos de uma hibridização cultural com a tradição clássica e a tradição mágica cristã, reaproveitando experiências anteriores da tradição visual escandinava.

Bibliografia:

LANGER, Johnni. Simbolos mágicos nórdicos: guia visual e histórico. Blog do NEVE, 2020. 

LANGER, Johnni. Símbolos vikings e umbandistas: cópia ou coincidência? Blog do NEVE, 2017.

SIMEK, Rudolf. Aegir´s helmet. In: Dictionary of Northern Mythology. London: D.S. Brewer, 2007, pp. 2.


Videografia:

Qual o significado do Vegvísir e do Ægishjálmur? NEVE responde Ep. 12


The True Ægishjálmur [ Helm of Awe ]






quinta-feira, 19 de maio de 2022

Os simbolismos animais do filme O homem do Norte (2022)


Os simbolismos animais no filme O Homem do Norte (2022)

 

Leandro Vilar de Oliveira/NEVE

Doutor em Ciências das Religiões pela UFPB


A mais nova produção do diretor Robert Eggers, O Homem do Norte (Northman) traz uma clássica narrativa de tragédia e vingança, baseada na história do príncipe Amleth, que teve seu pai traído e morto pelo tio, e ele foi sentenciado a morte. Porém, Amleth escapa e anos depois retorna para se vingar e recuperar seu reino. Esse enredo ficou bastante conhecido através da adaptação feita por William Shakespeare em sua peça Hamlet (1603). No entanto, a versão cinematográfica consiste numa colaboração de Robert Eggers e o escritor islandês Sjón (Sigurjón Birgir Sigurðsson).

Entretanto, em meio a diversidade de elementos da cultura material e imaterial apresentados no filme, destacam-se os ritos religiosos e algumas crenças religiosas e mitológicas. No entanto, alguns animais se revelam presentes na trama, alguns com maior destaque do que os outros. Porém, a presença desses animais possui um significado simbólico para o filme, revelando camadas ocultas de interpretação, as quais somente são perceptíveis para espectadores mais familiarizados com questões religiosas, mitológicas e culturais dos povos nórdicos da Era Viking (sécs. VIII-XI).

Dessa forma, o presente texto traz alguns comentários sobre o simbolismo dos animais que apareceram no filme, os quais representam ideias e conceitos que complementam a narrativa ou representam crenças e hábitos daquela época.

O corvo

O primeiro animal que recebe destaque no filme são os corvos, aves de rapina conhecida por sua coloração preta e associados a lendas e mitos no Hemisfério Norte, em alguns casos, os retratando-os como aves de mau agouro. No entanto, na cultura nórdica da Era Viking, os corvos não necessariamente tinham uma conotação ruim, mas eram aves associadas com a guerra, pois devido a terem hábitos carniceiros, não era incomum num campo de batalha, cheio de cadáveres recentes, avistar alguns corvos ali. (JENNBERT, 2009).

Por outro lado, corvos também são animais observadores, inteligentes e até conseguem repetir algumas palavras. No caso da mitologia nórdica, os corvos mais famosos eram Hugin e Munin, ambos pertenciam a Odin, sendo usados pelo deus para espionar o mundo, coletando informações diversas e depois eles iam relata-las ao Pai de Todos. Neste aspecto, Hugin e Munin não invocam simbolismos ruins ou marciais, mas estão associados a inteligência, ainda mais, considerando que seus nomes significam Pensamento (Hugin) e Memória (Munin). (LINDOW, 2001).


Imagem 1: Corvos rodeiam Amleth.


No entanto, os corvos também possuíam um simbolismo marcial, algo que advém sobretudo de dois aspectos: o primeiro, era sua associação com os campos de batalha, atuando como carniceiros, o segundo, era o fato de Odin, uma divindade associada com a guerra e os guerreiros, possuir dois corvos de estimação. O próprio deus também era conhecido pelo epíteto de Hrafnaguð (deus-corvo).

O filme se inicia com dois corvos sobrevoando o mar, o que pode ser uma alusão a Hugin e Munin. Além disso, o personagem do rei Aurvandil (Ethan Hawke) é conhecido pelo epíteto de Corvo de Guerra (War-Raven), algo que claramente evoca o simbolismo da marcialidade. E em distintos momentos da trama, o protagonista Amleth (Alexander Skarsgård) avista corvos e ele considera que tais aves seriam presságios de seu pai, o qual vigiava por ele.

Mas também poderia ser um sinal de Odin, pois Hugin e Munin costumavam observar a humanidade, e algumas narrativas contam que Odin intervia para ajudar alguns guerreiros estimados. E como a trama embasa-se na questão da vingança e do destino, é algo que faz sentido, considerando que Amleth ao aceitar seu destino, esperava se mostrar digno de ir para Valhalla, o salão de Odin. Por conta disso, os corvos o observando era sinal de que o deus dos guerreiros o avaliava. Inclusive há uma cena importante no filme, em que sugere claramente que o deus poderia ter auxiliado o personagem para dar continuidade ao seu destino.

O lobo

Outro animal marcante na trama são os lobos. Embora esses canídeos não apareçam propriamente, mas são retratados simbolicamente através dos gestos dos guerreiros, os quais andam de quatro, uivam e rosnam, e alguns deles usam peles de lobo.

Na cultura nórdica o lobo era um animal que possuía um simbolismo ambíguo, pois poderia representar algo bom ou ruim. Na mitologia isso é perceptível nas figuras de Fenrir, Skoll e Hati, em que esses três lobos durante o mito do Ragnarök, matam alguns deuses e contribuem para o caos no mundo. Neste aspecto, esses lobos simbolizam ameaça, violência, punição, sofrimento e destruição. (OLIVEIRA; OLIVEIRA, 2017).

Por sua vez, nos mitos também se informa que Odin possuía dois lobos de estimação, chamados de Geri e Freki, os quais se comportam mais como cães do que lobos. No entanto, esses dois animais não possuem expressividade na mitologia escandinava, mas a condição de serem bichos de estimação de um deus ligado a guerra, reforça sua conexão com a mesma.

No campo sociocultural, os lobos simbolizam força, bravura e ferocidade, atributos evocados e desejados pelos guerreiros, condição essa que alguns guerreiros utilizavam mantos de pele de lobo, sendo chamados de ulfhdinn (ulfheðnar no plural), os quais invocariam através de ritos o espírito guerreiro do lobo. Na Volsunga saga (Saga dos Volsungos) temos o caso do rei Sigmund e seu filho Sinflioti, os quais usam capas de pele de lobo para atacar inimigos numa floresta, massacrando-os. (SIMEK, 2007a).

E essa ideia é retratada no Homem do Norte, no segundo ato do filme, quando Amleth e seus companheiros de armas, participam de um rito marcial noturno, usando capas feitas de pele de lobo, e eles rosnam e uivam. E no dia seguinte, quando ocorre o ataque à uma vila eslava, eles lutam com selvageria.


Imagem 2: Amleth como um ulfheðinn. 


Algumas narrativas citam ulfheðnar e berserkir participando de ritos marciais para entrar em transe e serem possuídos por um furor animal. Mas não há descrições de como isso seria feito, em que contexto eram executados, e quem poderia participar, além de que não é possível precisar a historicidade de tais ritos.

No entanto, é perceptível que o lobo no contexto do filme invoca também um simbolismo ambíguo, pois além de representar valores marciais, ele também representa a violência desmedida, algo apresentando no ataque à vila na terra dos Ru’s.

 

O urso

O urso é outro animal totêmico associado com a guerra, mas diferente do corvo e do lobo, ele não aparece no filme de forma clara. Embora possa se sugerir que alguns guerreiros do grupo que Amleth fazia parte, usariam peles de urso, e assim, seriam berserkir, entretanto, o maior destaque para o urso se encontra no epíteto do próprio protagonista, o qual é algumas vezes referido como Björnulfr (Urso-Lobo).



Imagem 3: Guerreiros num rito marcial.


Neste nome observa-se a combinação das características do urso e do lobo. No caso da mitologia escandinava, ursos praticamente não aparecem nos mitos, não sendo animais expressivos como o lobo. Já nas sagas, citam ursos como animais a serem caçados ou se reportam a eles quando citam os berserkir, guerreiros que faziam uso de peles de urso, os quais entravam num frenesi selvagem. A Ynglinga saga (Saga dos Ynglingos) sugere que Odin concederia esse estado alterado a tais guerreiros. (DUBOIS, 2012).

A ideia dos berserkir é similar aos do ulfheðnar, em que nos dois casos os guerreiros através de ritos, incorporavam o furor marcial desses animais, entrando num estado de brutalidade desmedida. (OLIVEIRA; SILVA, 2020).

As próprias sagas como Egil saga (Saga de Egil) chega a relatar que os berserkir podiam se descontrolar quando estivessem em estado de berserkgangr. (OLIVEIRA; SILVA, 2020). Uma ideia do tipo é vista no ataque à vila dos Ru’s, em que determinado momento Amleth golpeia um guerreiro, derrubando no chão e depois morde sua garganta como se fosse um animal. Nesse aspecto, o urso no contexto do filme também representa valores marciais como força, bravura e ferocidade, mas também a violência selvagem.

O cão

O cachorro foi um dos animais domésticos mais comuns na Escandinávia, desde a Antiguidade, sendo usado para a caça, a proteção e a companhia. No entanto, os nórdicos usavam cachorros também em ritos funerários, sacrificando-os. (JENNBERT, 2009).

No caso do filme, os cães se destacam em dois momentos na trama. O primeiro ocorre quando Amleth e seu pai participam de um rito iniciático conduzido por Heimr (Willem Dafoe). O ritual ocorre numa caverna abaixo de um templo, tendo um aspecto sujo e sinistro, pois rei e príncipe estão seminus, eles uivam e rosnam. Durante o processo, Heimr pergunta se o jovem Amleth (Oscar Novak) era um cachorro ou lobo?

A pergunta é interessante, pois remete a questão simbólica. Lobos representam o canídeo selvagem, mas o cachorro é o canídeo domesticado. O cão para os antigos nórdicos era animal que simbolizava guarda e lealdade, características compartilhadas com outros povos também. (JENNBERT, 2009). No entanto, a pergunta do feiticeiro remete a condição de que no contexto do filme, o cachorro representa lealdade e submissão.


Imagem 4: Aurvandil e Amleth durante um rito iniciático.


Isso fica mais claro quando conectamos a pergunta a fala da rainha Gudrun (Nicole Kidman), que anteriormente pergunta ao filho se ele seria um chefe como o pai ou um filhotinho, aqui a palavra filhotinho remontaria a ideia de ser um cachorrinho, de ser alguém submisso, mas um rei não deve ser submisso.

Em outro momento no filme, quando Amleth já inicia sua vingança, cogumelos são usados para intoxicar a comida dos guardas e cães da fazenda do tio dele, o usurpador Fjölnir (Claes Bang). Durante à noite, homens e animais devido aos efeitos alucinógenos causados pelos cogumelos, entram em desespero e ficam agressivos. Os guardas ficam desorientados, mas os cães se rebelam contra seus donos.

O acontecimento simbolicamente serve para quebrar a ideia dos cachorros como animais leais e protetores, retratando-os como ameaças. E isso combina com a proposta do enredo, já que ele aborda traição e vingança. Sendo assim, Amleth coloca cães e mestres, um contra o outro.

O cavalo

Cavalos aparecem em distintos momentos. No entanto, para além de serem meios de transporte e tração, na cultura escandinava da Alta Idade Média, cavalos eram animais associados a questões sociais e religiosas. Em determinadas épocas os cavalos estavam entre os animais associados com a elite, assim como, os falcões, águias e cães de caça. Logo, ter muitos cavalos era sinal de status. (SIMEK, 2007b).

Por outro lado, os equinos também era animais usados em sacrifícios. A prática de sacrificar cavalos e até de consumir sua carne, foi algo comum na Escandinávia da Era Viking e antes desse período. Por serem animais associados com status social, ser enterrado com um cavalo era algo prestigioso, não sendo prática destinada a qualquer um. (JENNBERT, 2009).

No entanto, o uso de cavalos em sacrifícios funerários também era algo que remontava ideias encontradas na própria mitologia. O deus Balder foi cremado em seu navio com seu cavalo, o herói Sigurd, em algumas versões do mito, foi também cremado com seus cavalos e cães de caça. Na mitologia também temos a condição de que Odin e Hermord usam Sleipnir para viajar à Hel, um dos mundos dos mortos, estando esse situado no subterrâneo. (OLIVEIRA, 2020a).

Por conta disso, o cavalo foi um animal considerado também um psicopompo (condutor de almas), pois ele seria uma montaria para os vivos e para os mortos (DUBOIS, 2012). Essa condição é encontrada no filme, já próximo do final, quando durante um velório, um cavalo é decapitado e seu corpo é estirado ao lado dos corpos, servindo de sacrifício para auxiliar aquelas almas a encontrarem o caminho na outra vida.


Imagem 5: Cena com cavalo

A raposa

A presença da raposa no filme é também sutil como do cavalo, embora mais explícita do que a do urso, serpente e cisne. O pequeno animal aparece brevemente já na Islândia, enquanto Amleth vivendo na fazenda de seu tio, sob disfarce de escravo, procura meios para executar sua vingança. Em alguns momentos, ele ouve alguns dos moradores reclamarem que uma raposa azul estava matando as galinhas. Até que certa noite ele se depara com a raposa e ela sugere que ele a seguisse.

As raposas são animais sem influência na mitologia nórdica, e na cultura escandinava da Era Viking, eram principalmente lembradas como um incômodo para os criadores de aves domésticas, além de serem cobiçadas por sua pele. (JENNBERT, 2009).

Mas o que a raposa azul do filme poderia significar? Neste aspecto se trataria mais de uma intervenção de roteiro do próprio Sjón, um dos roteiristas do filme, o qual escreveu o livro Skugga-Baldur (2003) traduzido para o inglês como The Blue Fox (2008). No Brasil, o livro foi intitulado A raposa sombria (2014). O livro consiste numa narrativa de fantasia em que uma raposa de pelagem cinza-azulada guia um pastor de volta para sua casa, numa típica jornada de obstáculos. Dessa forma, Sjón aproveitou essa ideia de seu livro e a inseriu no filme O Homem do Norte, colocando a raposa azul para auxiliar Amleth.



Imagem 6: A raposa que guia Amleth.


Apesar da referência ao livro de Sjón, o próprio autor se baseou no folclore para usar a raposa. Na religiosidade escandinava referenciada em algumas sagas, encontramos informações sobre espíritos os quais assumiam a forma de animais como os landvættir e as fylgjur. Os primeiros são espíritos da natureza, mas os segundos são espíritos protetores.

As fylgjur (fylgja no singular) são espíritos que podem assumir a forma de mulheres jovens ou de animais. Tais seres costumam ser citados mais nas sagas no que nas Eddas. Esses espíritos atuam na proteção individual ou de uma família. Existem diferentes interpretações para as fylgjur, em que em alguns casos avistá-las era um mau presságio, pois significaria morte; por outro lado, ver sua fylgjur poderia significar que ela estaria ali para avisar sobre um perigo iminente ou oferecer ajuda. (TURVILLE-PETRE, 1964).

No caso, as fylgjur poderiam se transformar em animais diversos como águias, falcões, ursos, lobos, cavalos, bodes, raposas, serpentes etc. (MUNDAL, 1993). Por tal perspectiva, a raposa que aparece no livro de Sjón e no filme visivelmente possui referência a essa ideia de ser um animal auxiliador, algo visto na crença da fylgja-animal.

A serpente

O caso da serpente é similar ao do urso e do cisne, pois sua presença é bem breve. Mas se por um lado não temos um urso e um cisne que apareçam propriamente no filme, temos a cena em que uma cobra aparece. No entanto, no contexto do filme a serpente expressa dois significados distintos.

Primeiramente é preciso comentar que no contexto escandinavo a serpente também era um animal de significados ambíguos, podendo representar algo bom ou ruim. Por exemplo, nas Eddas é comum as serpentes estarem associadas com o perigo, o castigo, a morte, os mortos e a trapaça. Nas sagas as serpentes personificam também castigo, morte, desafio, traição, mas há casos em que elas aparecem como símbolo de proteção e boa sorte. (OLIVEIRA, 2020b).

O primeiro momento também é relativo a Aurvandil e Fjölnir, em que o rei indignado com a traição do irmão, mas sem mostrar fraqueza, pede que ele terminasse com aquilo e cravasse sua espada como se fosse uma serpente. Aqui temos um caso interessante, que é o uso da palavra serpente (ormr em nórdico antigo) como metáfora para armas. Isso é mais comum nas sagas, em que encontramos a palavra serpente como metáfora para espada, lança, perfuração, estocada, batalha, morte etc. (BRUNNING, 2015).

O segundo momento ocorre quando Amleth conversa com um feiticeiro, o qual recomenda que o príncipe precisa conseguir uma espada chamada Draugr (morto-vivo), a qual estava guardada num túmulo. Após a explicação, o feiticeiro pega uma pequena cobra e a atira aos pés do guerreiro, esse ao olhar para o chão, nota que o animal virou uma corda. Aqui temos um exemplo interessante, pois serpentes eram animais associados com o subterrâneo e o mundo dos mortos, atuando como uma conexão entre ambos, e no caso do filme, a cobra se transformar numa corda, permitiu que Amleth desce-se ao túmulo.


Imagem 7: O feiticeiro segurando uma serpente.


O cisne

O último animal a ser citado, assim como, o urso, também não aparece no filme. A presença do cisne também é sutil e pode passar facilmente despercebida. Esse animal é representado na capa vermelha da valquíria, a qual possui penas dessa ave.

Na mitologia escandinava o cisne não é uma ave que possui grande destaque como no caso do corvo, da águia, do falcão e do galo. O cisne aparece raramente. No entanto, em algumas histórias essa ave branca possuía conexão com as valquírias, os espíritos responsáveis por conduzir as almas dos guerreiros mortos para o Valhalla e o Folkvang.

Primeiro, é importante salientar que nem sempre as valquírias aparecem como espíritos, há narrativas em que elas assumiam um corpo humano e viviam entre a humanidade, chegando a se casar. Algo do tipo é visto no poema Völundarkviða (Poema de Volund), o qual se narra a história do príncipe Volund, o qual era um hábil ferreiro e ourives, e que foi sequestrado pelo rei Níðuðr, e obrigado a trabalhar para ele. Na trama, o protagonista e seus irmãos se casam com valquírias que se transformavam em cisnes. (DALY, 2009).


Imagem 8: A capa da Valquíria com penas de cisnes.


O cisne para os antigos nórdicos simboliza o céu, mas estaria associado com o destino, algo visto nas valquírias, pois elas eram psicopompos que conduziam as almas dos guerreiros mortos. No Gylfaginning da Edda em Prosa, é informado que cisnes viviam no Poço de Urd, local onde habitavam as Nornas, as deusas do destino. Sendo assim, percebe-se que essa ave possuía uma conexão celeste e com o destino. (DALY, 2009).

E no caso do filme esse simbolismo duplo foi mantido, pois Amleth em um estado de alucinação, ele ver uma valquíria o conduzindo em seu cavalo, enquanto ela cavalga pelo céu noturno, iluminado por uma aurora, rumo aos portões de Valhalla. O que significava que seu destino havia se concluído.

 

Referências

BRUNNING, Sue. ‘(Swinger of) the Serpente of Wounds’: swords and snakes in the Viking Mind. In: BINTLEY; Michael D. J; WILLIAMS, Thomas J. T (eds.). Representing beasts in early Medieval England and Scandinavia. Woodbrige: The Boydell Press, 2015, p. 53-70. (Anglo-Saxon Studies 29).

DALY, Kathleen N. Norse Mythology A to Z. 3. ed. New York: Chelsea House Publishers, 2009.

DUBOIS, Thomas A. Diet and Deities. Contrastive livelihoods and animal symbolism in Nordic Pre-Christian Religions. In: RAUDVER, Catherine; SCHJØDT (eds.). More than Mythology: narrative, rituals pratices and regional distribution in Pre-christian Scandinavian Religions. Lund: Nordic Academic Press, 2012, p. 65-96.

JENNBERT, Kristina. Animals and Humans: Recurrent symbiosis in archaeology and Old Norse religion. Lund: Nordic Academic Press, 2009. (Vägar Till Midgård 14).

LINDOWN, John. Hugin and Munin. In: Norse mythology: A guide to the gods, heroes, rituals, and beliefs. Oxford: Oxford University Press, 2001, p. 186-188.

MUNDAL, Else. Fylgja. In: PULSIANO, Phillip; WOLF, Kristen (eds.). Medieval Scandinavia: An Encyclopedia. London: Routledge, 1993, p. 624-625.

OLIVEIRA, Leandro Vilar. O barco dos mortos: um estudo sobre o rito de cremação dos vikings. Caminhos, Goiânia, v. 18, n. 1, p. 202-219, jan./abr. 2020a.

OLIVEIRA, Leandro Vilar; SILVA, Monicy Araujo. A fúria berserkr: a relação entre violência e religião no contexto da Religião Nórdica Antiga. Sacrilegens, Juiz de Fora, v. 17, n. 1, p. 276-301, jan-jun/2020.

OLIVEIRA, Leandro Vilar. A guardiã dos mortos: o simbolismo religioso da serpente em monumentos na Era Viking (sécs. VIII-XI). Tese (Doutorado em Ciências das Religiões), Universidade Federal da Paraíba, 2020b.

OLIVEIRA, Leandro Vilar; OLIVEIRA, Angela Albuquerque de. O simbolismo do lobo e da serpente no Ragnarök. Diversidade Religiosa, João Pessoa, v. 7, n. 1, p. 216-240, 2017.

SIMEK, Rudolf. Horse. In: Dictionary of Northern Mythology. Translated by Angela Hall. Cambridge: D.S. Brewer, 2007b, p. 157-158.

SIMEK, Rudolf. Úlfhđenar. In: Dictionary of Northern Mythology. Translated by Angela Hall. Cambridge: D.S. Brewer, 2007b, p. 338-339.

TURVILLE-PETRE, E. O. G. Myth and Religion of the North: The Religion of Ancient Scandinavia. Westport: Greenwood Press, 1964.


Videografia: