Andressa Furlan Ferreira visitou a mais recente exposição europeia sobre o tema da Religião Nórdica Antiga: Odin, Thor und Freyja, no Museu Arqueológico de Frankfurt, Alemanha.
Andressa Furlan Ferreira é mestranda em Ciências das Religiões pela UFPB, membro do NEVE e do Vivarium-UFPB. Em novembro de 2016, o DAAD (Deutscher Akademischer Austauschdienst), maior organização alemã no campo de intercâmbio acadêmico, lhe concedeu uma bolsa de estudos em língua e cultura alemã, com a qual frequentou o Winterkurs (curso de inverno) na Universidade de Köln em janeiro e fevereiro de 2017. A seguir, ela nos relata a sua visita a essa exposição em Frankfurt.
"Odin, Thor und Freyja": uma visita aos nórdicos em Frankfurt
Nublado, frio e com muito vento. Foi com esse clima que Frankfurt me recebeu no dia 22 de fevereiro de 2017, quando tive a oportunidade de viajar de Köln para lá com o único propósito de conferir a exposição temporária "Odin, Thor und Freyja". Lugares e objetos de culto nórdicos do primeiro milênio d.C. e o Reino Franco foram o foco da exposição, que é temporária (de 11 de fevereiro a 06 de junho deste ano) e se encontra no Museu Arqueológico de Frankfurt, sendo realizada em parceria com o Museu Nacional da Dinamarca.
Seis temas foram apresentados: 1) Sacrifícios e comunidade no primeiro milênio d.C.; 2) Residências antigas e lugares de culto na Dinamarca; 3) Religião e deuses germânicos antigos; 4) Práticas de culto na Era Viking; 5) A grande residência real de Tissø: a vida senhorial na fazenda; e 6) A nova crença: os nórdicos tornam-se cristãos.
Imagem 1: Antes de chegar ao museu, no caminho próximo ao rio Main, me deparei com uma estrutura muito charmosa em um parque infantil que me chamou a atenção, por aludir a uma embarcação viking. Apesar do fictício elmo com chifres gravado na bandeira de metal, achei interessante que um elemento como este faça parte das brincadeiras de crianças alemãs da região.
Quando cheguei ao museu, tive uma triste surpresa: era terminantemente proibido fotografar a exposição. Não pude fotografar nem sequer a entrada com os painéis informativos e mapas, muito menos o primeiro objeto exposto, que me tirou o fôlego: uma caveira de uma vítima de sacrifício humano. Ainda assim, alguns objetos e reconstituições digitais podem ser conferidos no site da exposição.
Imagem 2: Genealogia simplificada do panteão da mitologia nórdica. Painel exibido na exposição "Odin, Thor und Freyja" do Museu Arqueológico de Frankfurt. Disponível aqui.
O museu é relativamente pequeno e a exposição ocupa somente uma parte da entrada (onde há a reconstituição de uma casa de culto) e um longo corredor da ala central, que retrata, em proporções reais no chão, o interior de uma long house nórdica. As exposições permanentes (de temáticas variadas, como a Pré-História, Era Romana, Antiguidade Clássica, entre outras) ficam em outros corredores e arredores.
A exposição exibiu achados arqueológicos da Dinamarca relevantes para o estudo da religião nórdica antiga, apresentando objetos de regiões como: Gudme on Funen, Hoby e Tissø. Muitos painéis contextualizam e elucidam antigas práticas religiosas, além de citarem obras de cronistas antigos (Orosius, Tacitus, Ibn Fadlan...) que fazem referência aos povos do Norte.
Imagem 3: Reconstituição do interior de uma casa de culto durante a Era Viking. Dentro do painel com vidro, encontra-se exposto o impressionante "anel de Tissø", um dos grandes achados arqueológicos da Dinamarca. Disponível aqui.
Imagem 4: "Anel de Tissø", feito de ouro (originalmente, pesava aproximadamente 2 kg). Funcionaria como um anel cerimonial durante eventos políticos ou adornaria a imagem de alguma divindade em uma casa de culto, conforme a imagem 3. Disponível aqui.
É difícil escolher apenas um entre os vários objetos que me impressionaram. Havia ossos de animais sacrificados, espadas, broches, pingentes, utensílios de metal e de higiene, restos funerários, reconstituições de roupas, maquetes... Pequenos pingentes com temas mitológicos (Odin, valquíria, martelo de Thor, Freyja) foram trabalhados com extremo esmero, e ver isso ao vivo me fez admirar ainda mais a arte metalúrgica dos povos nórdicos, não somente pela habilidade empregada, mas também por sua sensibilidade artística.
Imagem 5: Figuras representativas da deusa Freyja, encontradas em Tissø. Disponível aqui.
Imagem 6: Broche retratando valquírias (uma montada no cavalo e outra em pé), encontrado em Tissø e datado entre o século IX e X. Disponível aqui.
Imagem 7: Não foi fabricação nórdica, mas foi encontrado no túmulo de um grande líder germânico em Hoby (presente ou espólio). O relevo retrata cenas da "Ilíada" de Homero, com foco em Aquiles. Um caldeirão de intercâmbio cultural! Disponível aqui.
Na programação do museu, havia 3 palestras planejadas: "Odin erfindet, Thor weiht die Runen – Inschriften aus dem heidnischen Norden (Odin inventa, Thor consagra as runas – Inscrições dos nórdicos pagãos)" – Prof. Dr. Klaus Düwel, Universidade de Göttingen (22/02); "Human sacrifices, blót and ritual in Viking Age Scandinavia (Sacrifícios humanos, blót e ritual na Escandinávia da Era Viking)" – Ma. Sandie Horst, Museu Nacional da Dinamarca (08/03); e "Das altschwedische Kultzentrum Gamla Uppsala und die Bootgräber von Vendel und Valsgärde (O antigo centro de culto sueco Gamla Uppsala e os túmulos de navio de Vendel e Valsgärde)" – Prof. Dr. Egon Wamers, Museu Arqueológico de Frankfurt (22/03). Minha agenda permitiu que eu assistisse somente à primeira.
Imagem 8: Fotos da palestra "Odin erfindet, Thor weiht die Runen – Inschriften aus dem heidnischen Norden" do Professor Dr. Klaus Düwel, Universidade de Göttingen.
O professor Düwel apresentou sobre inscrições rúnicas que portam os nomes dos deuses Odin e Thor, exibindo imagens e argumentando sobre seus significados e usos mágicos. Alguns trabalhos do professor podem ser consultados em seu perfil no Academia.
Além do conteúdo histórico-cultural abordado, a palestra me permitiu refletir precisamente sobre como os europeus compartilham o que podemos chamar de "cultura de museu". Isso pode ser evidenciado tanto pela mobilização técnica (preparação de instalações, profissionais disponíveis etc.), quanto pelo elevado número de museus e pessoas que os visitam. Inclusive, fiquei admirada com o incentivo para que as crianças desde logo compartilhassem dessa cultura museológica: em diversos momentos, pude presenciar adultos mostrando, conversando e explicando temas da exposição a elas.
Por outro lado, pude perceber, no debate público após a palestra do professor Düwel, que o desconhecimento ainda é grande em relação a religiões (passadas ou modernas), apesar da grande disponibilidade de material e informação. Para mim, pesquisadora de Ciências das Religiões, isso valeu como um lembrete de como CR ainda precisa alcançar o público geral a fim de evitar interpretações a-históricas.
Para aqueles que tiverem a oportunidade de visitar o museu nos próximos dias, no dia 14 de maio haverá um passeio guiado pela exposição com o Dr. Rudolf Gerharz sobre "Odin, Thor und Freyja: Nordische Mythen". Acredito que não somente escandinavistas apreciariam a exposição, como também historiadores em geral e cientistas das religiões; inclusive artistas, porque a metalurgia e as vestimentas desses povos eram uma verdadeira arte!