Pintura da coletânea Bland tomtar och troll, 1907, de autoria de John Bauer
MESA REDONDA: SOBRENATURAL
E SAGRADO NOS CONTOS POPULARES ESCANDINAVOS
VII CONGRESSO DE LITERATURA FANTÁSTICA DE PERNAMBUCO,
2 de dezembro, 18h, UFPE
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PALESTRA 1: BEBIDA,
MAGIA E MORTE: UMA ANÁLISE DO CONTO “O MOÇO E O BARRIL DE CERVEJA”
Profa. Ma.
Luciana de Campos (PPGL-UFPB/NEVE)
As mais famosas
narrativas folclóricas norueguesas foram recolhidos no século XIX por Peter
Christen Asbjørnsen e Jørgen Moe – que passaram a ser conhecidos apenas como Asbjørnsen-Moe
– e ganharam uma tradução brasileira em 2003, tornando-se assim, acessível aos
leitores, pesquisadores e estudiosos em língua portuguesa. Nessa coletânea
encontramos contos que retratam o cotidiano, as crenças dos populações que
vivam isoladas em florestas na Noruega do século XIX e, assim conservavam vivas
suas superstições e modos de vida que incluíam as fadas, os animais falantes,
os trolls, bruxas más, anjos, o diabo e a própria Morte figuram como personagem
dessas narrativas. É justamente a figura da Morte a personagem do conto “O moço
e o barril de cerveja” que vai protagonizar uma narrativa interessante onde em
um cenário de estradas que cortam florestas habitadas por mestres cervejeiros e
seus hábeis e talentosos aprendizes que emissários divinos e diabólicos vão
disputar com a Morte o privilégio de saciarem sua sede com uma deliciosa
cerveja mágica. O desenrolar da trama vai apresentando como o moço, aprendiz
cervejeiro consegue obter um barril de cerveja mágica – aqui a cerveja é
descrita como uma bebida de sabor maravilhoso e é capaz de restaurar a saúde de
quem estiver doente portanto, possuí poderes mágicos - o que proporciona ao
jovem dono do barril riqueza e fama e, portanto seja muito procurado pelo ricos
proprietários de terra, comerciantes e até reis para que esses se tornem sãos
novamente. Mas ao proporcionar novamente a saúde a todos os que estão à beira
da morte e, enriquecer com tal feito o moço enfurece a Morte que vai cobrar o
seu preço. Essa narrativa de base oral e com elementos folclóricos noruegueses
bem delineados nos apresenta alguns aspectos importantes presentes na
literatura comumente denominada “contos populares” e “contos-de-fada”, como a
presença de seres benignas e malignas que oferecem ao personagem principal
riquezas ou então prazeres ilimitados em troca de pequenas tarefas mas em hipótese
alguma essas entidades admitem ser enganadas e, caso isso aconteça haverá
punição. Portanto a condição do herói está intimamente ligada a cumprir as
regras impostas pelo ente mágico. Mas essa regra nem sempre é cumprida e o
herói evidenciando seu caráter ingênuo acaba perdendo tudo o que conquistou. Mais
do que simplesmente conhecer e difundir esses contos populares e de fadas
noruegueses ainda desconhecidos do grande público brasileiro nos propomos a
realizar uma análise do entrelaçamento entre os elementos folclóricos e
fantásticos presentes na narrativa bem como os do cotidiano rural da Noruega
representados pela comida e bebida que são fundamentais para que o sobrenatural
possa se fazer presente na vida dos personagens.
PALESTRA 2: SOBRENATURAL
E COSMOLOGIA NO CONTO NORUEGUÊS “O MOINHO QUE GIRA NO FUNDO DO MAR”.
Prof. Dr. Johnni
Langer (UFPB/NEVE)
Nosso intento é
a análise do conto “Kvernen som står og maler på havsens bunn” (lit. “O moinho
que gira no fundo do mar”), integrante da coletânea Norske Folkeeventyr (Contos
populares noruegueses). Ela foi publicada em 1841 pelos pesquisadores Peter
Christen Asbjørnsen e Jørgen Moe e é baseada em material folclórico
escandinavo. A obra de Asbjørnsen e Moe, como é conhecida a dupla de
pesquisadores, foi inspirada diretamente nas pesquisas dos irmãos Grimm, que
além da metodologia alemã de pesquisa folclórica, também foram influenciados pelo
nacionalismo norueguês do Oitocentos. O conto narra a estória de dois irmãos,
um pobre e outro rico. O pobre foi pedir ao abastado irmão comida para o Natal.
O irmão rico presenteia-o com presunto, mas ao mesmo tempo lhe remete ao
inferno. Ele realmente vai para este local maldito e encontra o diabo, que lhe
presenteia com um moinho mágico. Por lá ainda um ancião lhe ensina como
utilizar o instrumento. No retorno, ele consegue obter muita comida com o
moinho. O irmão mais rico compra o mesmo, mas não consegue controlar o
aparelho, que é comprado novamente pelo antigo proprietário. Ele se torna muito
abastado e com vasta propriedade. Com o tempo, vende o moinho para um capitão,
que sem saber controlar o instrumento, afunda o seu navio e ele vai parar no
fundo do mar. Como nunca parou de fazer sal, isso explicaria porque o mar é
salgado. O conto pode ser analisado em vários níveis. O primeiro, remete às
condições sociais do mundo rural na Escandinávia, pobre e com poucos recursos,
onde o espectro da fome era vigente e o tema da comida é um viés que percorre
todo o texto, dando ao mesmo tempo condições ao pesquisador de saber das
práticas alimentares deste universo rural: Primeiro nível (Cotidiano alimentar): alimentos
cotidianos da camada mais pobre do mundo rural: coalhada e pão; alimento
diferenciado da camada mais pobre do mundo rural: presunto (“comida rara no
inferno”); alimentação ideal para o Natal, maior festa comemorativa do mundo
cristão: comida e cerveja; alimentação do irmão mais rico: mingau e arenque.
Neste nível, o moinho é um instrumento mágico afim de se obter mais alimento,
de forma semelhante a outros objetos mágicos dos contos populares e da fadas
(como a mesa mágica nos irmãos Grimm:). Segundo nível: a obtenção do instrumento mágico.
Vivendo num mundo onde as regras são do cristianismo (galhinhos em forma de
cruz para colocar abaixo do mingau de Natal; sinal da cruz; doze badaladas da
noite do Natal; três dias depois de obter o moinho o dono conta ao irmão a
procedência do moinho – simbolismo da trindade), o fantástico só pode ser
procedente de um outro mundo, no caso, do inferno – neste caso, a quebra da normalidade
se dá por uma transgressão advinda fora da cristandade. Terceiro nível: transgressão e moralidade. O personagem
que consegue o moinho (o irmão pobre) não é punido, ao contrário do irmão rico,
que não consegue controlar o instrumento e acaba tendo que pagar um alto preço
por ele. A pobreza é identificada como uma situação sócioeconômica onde os
valores éticos e morais sobrevivem, apesar das dificuldades, mas sempre em
conexão com o cristianismo. Neste nível, o moinho torna-se um objeto mágico que
produz riquezas e ouro. Quarto nível: relação com o mito e a cosmologia antiga. O tema do moinho mágico
estava presente na antiga mitologia escandinava, tanto na área finlandesa
quanto nórdica, na figura do sampo,
um moinho mágico (entre outras formas) que fabricava sal, ouro e grãos, como em
outras mitologias, como na figura da cornucópia
da área clássica. No Kalevala, o sampo é destruído caindo nas
águas do mar. A etiologia do conto também é idêntica ao poema éddico Grottasöngr, onde um moinho afundado no mar
explica porque este é salgado. Diversas pesquisas contemporâneas apontam que o
tema do moinho mágico tem conexão com a cosmologia de um eixo vertical,
invisível, sobrenatural e sagrado, ligando o céu ao mundo terrestre, em conexão
com a estrela Polaris, visível de forma fixa em todo o Hemisfério Norte.
PALESTRA
3: SINTO O CHEIRO DE CRISTÃO: A REPRESENTAÇÃO DOS TROLLS E O ESPAÇO SELVAGEM
NOS CONTOS DE ASBJØRNSEN E MOE
Me. Pablo Gomes
de Miranda (PPGCR-UFPB/NEVE)
O
objetivo da nossa comunicação é analisar alguns contos de fadas retirados da
antologia Contos Populares Noruegueses (Norske
Folkeeventyr), coletados e adaptados por Peter Christe Asbjørnsen e Jørgen
Engebretsen Moe. Os Contos Populares Noruegueses é uma antologia publicada pela
primeira vez em 1841 e que teve como uma das razões de seu sucesso o favorável
clima político fruto da parcial independência da Dinamarca, portanto uma obra
que impulsionou o sentimento nacionalista do país. Asbjørnsen e Moe se
inspiraram no trabalho dos irmãos Grimm, porém a dupla coletou os contos
pessoalmente antes de adaptá-los para a publicação. Nesses contos, nós temos um
interesse especial nas relações espaciais desenvolvidas pelo encontro entre os
humanos (geralmente crianças perdidas) e os Trolls, personagens complexos e
emblemáticos do folclore escandinavo: seres monstruosos, poderosos, donos de
riquezas maravilhosas e um certo apetite para a carne de cristãos perdidos.
Desde as suas primeiras descrições nas sagas e nos poemas medievais, os Trolls
ocupam os ermos, as florestas, as montanhas, sendo ocasionalmente encontrados
pelos homens que travam com eles disputas de conhecimentos gnômicos. Entre as
suas diversas representações, os Trolls são geralmente detentores de segredos
mágicos ligados ao submundo e ao mundo dos mortos, o que também os identificam
com a figura da feiticeira (Trollkona) que vive foram das cidades, vilas e
assentamento no mundo nórdico. Nos parece que de alguma forma tais
representações firmaram raízes importantes no folclore e na cultura oral
escandinava. Nos contos “O Garoto das Cinzas que do Troll Roubou os Patos de
Prata” (Askeladden som stjal sølvendene
til trollet) e “O Garoto das Cinzas que Teve uma Disputa de Comida com um
Troll” (Askeladden som kappåt med trollet),
o Garoto das Cinzas (Askeladden) precisa enganar um Troll com a finalidade de
sobreviver ao encontro e obter, no fim, as riquezas anteriormente possuídas
pela criatura. Em “Os Garotos que Encontraram os Trolls na Floresta de Hedale”
(Småguttene som traff trollene på
Hedalsskogen) os garotos que vagam pela floresta de Hedale encontram três
gigantes Trolls e uma bruxa com quem conviviam, e conseguem enganá-los para
conseguir ouro e prata. Talvez haja aqui questões espaciais interessantíssimas:
1) os garotos precisam se retirar do seio familiar, vagar até o ermo selvagem
onde irão encontrar as criaturas fantásticas; 2) devem vencê-las utilizando
para isso a sua esperteza, muitas vezes enganando as criaturas que são
incapazes de vencer a astúcia dos jovens; 3) retornar ricos com os louros de
suas vitórias. Essas questões inclusive são apresentadas a nós de maneira
similar no conto “Os Três Cabritos Rudes” (De Tre Bukkene Bruse), da mesma
antologia, onde os animais precisam atravessar uma ponte para se alimentar da
grama fresca que cresce em um prado próximo, a ponte, porém, é guardada por um
Troll que vive ali por perto e que quer devorá-los, o conto procede de maneira
similar aos outros apontados anteriormente, com o monstro vencido e os cabritos
obtendo a riqueza disposta naquele prado. Ficam nossos questionamentos: há
origens históricas para tais construções? Quais as implicações para o
desenvolvimento desses Trolls nas narrativas dos contos populares?
PALESTRA 4: INFANTICÍDIO
E A CONSTRUÇÃO DO HORROR NO CONTO ISLANDÊS MÓÐIR MÍN Í KVÍ, KVÍ
Andressa Furlan Ferreira (PPGCR-UFPB/NEVE)
Nos mais diversos períodos
históricos, o abandono infantil e o infanticídio fizeram-se presentes nas
sociedades humanas. Tais práticas poderiam decorrer de crises de subsistência
(a nível social ou familiar) e pressões socioculturais, no que concerne à
rejeição diante de deformidade física do bebê ou da preferência pelo sexo
masculino, entre outros fatores. Na Idade Média, os países escandinavos parecem
ter enfrentado uma longa tradição social de abandono infantil, a qual, segundo
Juha Pentikäinen (1990, p. 75), teria sido comum e relativamente aceitável até
o advento da cristianização. A partir desta, por volta do ano 1000, o
infanticídio foi gradualmente criminalizado nos países nórdicos — embora a
criminalização desse ato não fosse suficiente para impedi-lo de ocorrer. A
frequência do abandono e do infanticídio pode ser depreendida de fontes
literárias, como as sagas, além de leis provinciais da Noruega e da Islândia,
que previam sanções frente a essas práticas. Outra fonte que contribui para os
estudos relacionados ao tema, apesar de ainda pouco explorada, é o folclore. No
folclore islandês, de acordo com os registros coletados por Jón Árnason (1862),
os útburði referem-se a uma
categoria de fantasmas de crianças que foram assassinadas por seus entes,
especialmente seus pais. Árnason (1862, p. 224) especifica que o local onde os
bebês foram deixados reproduzem sons terríveis, parecidos com uivos ou choros
estridentes, que podem ser associados ao mau tempo. Além disso, o escritor
discorre que os útburði podem permanecer próximos ao lugar onde foram deixados, assustando a
quem por eles passa, ou podem assombrar as famílias que os abandonaram,
causando insanidade aos responsáveis. A existência desse tipo de assombração no
folclore islandês denota aspectos sociais que se relacionam com a tradição
nórdica pré-cristã, referente à inserção do sobrenatural na vida cotidiana. Com
o objetivo de abordar questões históricas e literárias em fontes folclóricas, este
artigo propõe analisar o papel do útburður no conto “Móðir mín í kví, kví”, o qual também foi coletado por Árnason,
a fim de analisar os elementos que compõem essa narrativa e verificar de que
modo o horror foi construído nela. Além das obras já citadas, utilizaremos os
trabalhos de Green (1997), Lawing (2013) e Guðmundudóttir (2016).