O grupo interinstitucional NEVE (NÚCLEO DE ESTUDOS VIKINGS E ESCANDINAVOS, criado em 2010) tem como principal objetivo o estudo e a divulgação da História e cultura da Escandinávia Medieval, em especial da Era Viking, por meio de reuniões, organização de eventos, publicações e divulgações em periódicos e internet. Parceiro internacional do Museet Ribes Vikinger (Dianamarca), Lofotr Viking Museum (Noruega), The Northern Women’s Art Collaborative (Universidade de Brown, EUA), Reception Research Group (Universidad de Alcalá) e no Brasil, da ABREM (Associação Brasileira de Estudos Medievais) e PPGCR-UFPB. Registrado no DGP-CNPQ. Contato: neveufpb@yahoo.com.br

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

ALIMENTAÇÃO E BEBIDAS ENTRE OS VIKINGS


Com o sucesso da série Vikings do History Channel, questões envolvendo alimentação entre os nórdicos tornaram-se corriqueiras, mas existem poucos estudos em língua portuguesa sobre o tema. Com o intuito de divulgar pesquisas acadêmicas neste sentido, indicamos alguns artigos publicados sobre o tema da alimentação e uso de bebidas entre os vikings. Em seguida, republicamos um ensaio escrito pela professora Luciana de Campos no boletim Notícias Asgardianas em 2006 (primeira série, não mais disponível online). 


CAMPOS, Luciana de. Um banquete para Heimdall: uma análise da alimentação viking na Rígstula, História, imagem e narrativas 12, 2011. Disponível aqui. 

CAMPOS, Luciana de. Brindando aos deuses: representações de bebidas na Era Viking. Revista de História Comparada 6, 2012. Disponível aqui.

Comida na Era Viking: entrevista com o arqueólogo Daniel Serra, NEVE, 2016. Disponível aqui.




GASTRONOMIA MEDIEVAL E ENSINO: NOTAS SOBRE UM EXPERIMENTO NÓRDICO
                                                         Profa. Ms. Luciana de Campos


O ensino de História Medieval ainda é um grande desafio para os professores brasileiros, um período ainda repleto de estereótipos e preconceitos e para o qual existem poucos recursos didáticos e instrumentais (Macedo 2003). Por sua vez, alguns temas medievais, como o relativo aos povos nórdicos da Era Viking, encontram-se repletos de idéias falsas e fantasias propagadas pela cultura de massa que o ensino não consegue reverter (Langer 2002, 2006). Nossa proposta neste curto ensaio é apresentar uma idéia que pode oferecer um interessante respaldo para os educadores em geral, especialmente os do ensino fundamental.
A proposta básica é a utilização da denominada gastronomia histórica experimental (Gastroarqueologia), praticamente desconhecida em nosso país, que, ao contrário dos estudos eminentemente teóricos da História da Alimentação, trata de reproduzir os tipos de refeições realizadas no passado e que em sua maioria acabaram desaparecendo.
O experimento compõe-se de duas etapas, uma teórica e introdutória e outra prática. Na primeira, o professor contextualiza dentro do conteúdo em que está trabalhando (de preferência o recorte específico sobre Idade Média) algumas questões relacionadas diretamente com o cotidiano – a diferença de comportamento alimentar entre as categorias sociais entre cidade e campo, para cada região e período da Europa; as variações de modelos alimentares, de sabores e valores. Para esta etapa, existem diversas obras acadêmicas e paradidáticas publicadas no Brasil que poderão auxiliar o educador (especialmente Pastoreau 1989 e D’haucourt 1994).
Numa segunda etapa (ou aula), parte-se diretamente para a elaboração do experimento gastronômico. Como geralmente as escolas e colégios possuem cozinhas, é possível efetuar este experimento com todo o equipamento e espaço necessário, mas dependendo do tamanho da classe será necessário dividir por turmas – um número máximo de 15 pessoas para cada aula prática, facilitando o acompanhamento dos alunos. Vários tipos de refeições e comidas podem ser utilizados como demonstração, mas devido a sua facilidade de elaboração e aceitação contemporânea de sabor, preferimos o pão medieval. Dos vários tipos, exemplificaremos um dos padrões utilizados na Escandinávia da Era Viking (séculos IX a XI d.C., denominado Bröd (pronuncia-se: bród), testado pela pesquisadora Luciana de Campos em 2005:

Ingredientes: 
2 copos de farinha comum; 1 copo de farinha integral; 1 colher de sopa fermento seco; 1 colher de sopa rasa de sal; 1 copo de grãos comestíveis; 2 copos de água morna.

Preparação: 
1 - Pôr toda a farinha em uma bacia com o sal e misturá-la. Por o fermento seco na água morna até que ele derreta. Adicioná-lo então à farinha na bacia. Os Vikings usavam ervilhas verdes secas, mas podiam substituir por alguns outros, como grãos de girassol – caso não consiga, pode utilizar gergelim ou ambos. Coloque a metade do grão na bacia e misture. 
2 –  Agora derrame dentro a água com fermento e misture com uma colher de pau até homogeneizar. Nesta etapa, amasse normalmente como a massa de pão tradicional. 
3 –  Quando a massa de pão estiver bem amassada transfira-a para uma assadeira untada com manteiga. 
4 – Deixe o pão crescer em um lugar quente até que triplique de tamanho.  Quando o pão estiver crescido, ajuste o forno em torno de 190° e deixe-o assar por aproximadamente 1 hora. Esta receita rende quatro pães. Sugerimos aqueles que desejam utilizá-la com os alunos que a testem primeiro em casa fazendo meia receita. 

É interessante explicar aos alunos durante a confecção do pão que os ingredientes utilizados hoje diferem e muito dos utilizados pelos nórdicos ou qualquer outro povo da Idade Média. A farinha de trigo, por exemplo, era feita em casa. Cada família possuía um moinho de pedra e os grãos de trigo eram colocados ali e moídos pelas mulheres. Cada casa produzia a farinha que consumia. O processo de cozimento do pão também é diferente já que os pães medievais eram assados em fornos de barro à lenha e não nos fornos de fogões a gás modernos. Esse experimento proporciona aos alunos e também aos professores descobrirem novas texturas e sabores que, mesmo distantes temporalmente podem oferecer uma oportunidade única de se conhecer empiricamente os hábitos de povos do passado.  Durante o processo de elaboração junto aos alunos, o professor também pode discutir algumas questões relacionadas a esse alimento, um dos mais antigos do mundo. Sua história e seu uso durante a Idade Média (baseando-se em Montanari, 2002, p. 42-43).
O experimento pode aproximar com muito mais eficiência os alunos da Idade Média do que simplesmente a leitura de manuais. Ao sentir o sabor do alimento, pode-se contrastar o tipo de vida que temos na atualidade com o passado. Também pode servir de reflexão para que os alunos percebam que alguns dos povos mais estereotipados da História – os escandinavos da Era Viking – eram bem humanos e possuíam uma alimentação extremamente rica e balanceada, algo bem distante das imagens fantasiosas do cinema e literatura (onde comem somente alimentos crus como “bárbaros selvagens ou comendo somente carnes”). Esta prática pode ser realizada não somente como complemento didático da sala de aula, mas também como atividade em gincanas, feiras, festas e mostras educativas. 
As aulas experimentais também podem incentivar os alunos a terem uma apreciação maior para com a Idade Média – um período instigante e bem interessante, constituído não somente por torneios de cavalaria e batalhas, mas também por uma vida cotidiana muitas vezes bem simples. A gastronomia experimental também pode ser efetuada para outros períodos igualmente importantes – como Roma, Egito antigo ou Brasil colonial.



Referências bibliográficas:


CAMPOS, Luciana de. Gastronomia histórica: um jantar Viking em Florianópolis. Necult, 06/08/2006.

D’HAUCOURT, Geneviève. A alimentação. In: A vida na Idade Média. São Paulo: Martins Fontes, 1994, p. 40-46.

LANGER, Johnni. Os Vikings e o estereótipo do bárbaro no ensino de História. História & Ensino v. 8, UEL, 2002, p. 85-98. Disponível aqui.

MACEDO, José Rivair. Repensando a Idade Média no ensino de História. In: KARNAL, Leandro (org.). História na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2003.

MONTANARI, Massimo. Alimentação. Dicionário temático do Ocidente Medieval, vol. I. São Paulo: Edusc, 2002, p. 35-46.

PASTOREAU, Michel. “Si est tens de la table metre”. In: No tempo dos cavaleiros da Távola Redonda. São Paulo: Cia das Letras/Círculo do Livro, 1989, p. 73-86.