Glezia Alves de Melo (NEVE)
Mestre em Ciências das Religiões pela UFPB
Crepúsculo dos Deuses é uma série de televisão animada para adultos baseada na Mitologia Nórdica. Apresenta como autor: Eric Carrasco e como produtores: Eric Carrasco, Zack Snyder, Deborah Snyder, Wesley Coller e Jay Oliva. Direção de David Hartman e Jay Oliva. Na apresentação das vozes de Sylvia Hoeks (Sigrid), Stuart Martin (Leif), Paterson Joseph (Loki), Pilou Asbæk (Thor), Rahul Kohli (Egill), Birgitte Hjort Sørensen (Hervor), Jamie Clayton (Seid-Kona), Peter Stormare (Ulfr), Jamie Chung (Hel), Kristofer Hivju (Andvari), Thea Sofie Loch Næss (Thira), Hakeem Kae-Kazim (Baldr), Ólafur Darri Ólafsson (Tiwaz) e John Noble (Odin) nos papéis principais e trilha sonora de Hans Zimmer. O conteúdo do seriado se trata de um desenho para adultos devido ao alto teor de violência, nudez e cenas de sexo.
A série, de uma forma geral, narra os eventos de guerra nos muros de Asgard e podem levar à destruição de Midgard e Asgard e à morte da maioria dos deuses Aesir e Vanir em uma batalha final contra o mal, as forças da natureza e os gigantes. Como papel primordial, faremos a análise crítica de algumas características de Loki no decorrer da primeira temporada.
Sigrid, a guerreira possui herança dos gigantes e deseja vingança contra Thor após a morte massiva de sua família no dia do seu casamento com Leif, herdeiro dos Volsungos. A narrativa abrange Thor ao invadir o casamento de Sigrid possesso de ódio e seu objetivo é vingar-se de Loki e destruí-lo, não conseguindo tal feito, destrói toda a família de Sigrid.
Imagem 1: Sigrid passa pelo portal de sangue e encontra-se com Loki e Hel no submundo.
No primeiro capítulo, a passagem de Loki é bem repentina, após a frustração de Sigrid ao perder seus familiares e ficar com sentimento de ódio e sede de vingança por Thor, aparece uma mancha de sangue que simboliza um portal. Sigrid, curiosa com tal aparição, coloca sua mão sendo transportada pelo canal de sangue até o submundo. Lá, encontra-se com Loki e sua filha, Hel, ambos prometem ajudá-la a vingar todas as atrocidades causadas por Thor, caso ela conseguisse convencer Tiwaz, (nome dado devido aos antigos germânicos) ou Týr (nome em nórdico antigo), deus da guerra, a quebrar a promessa que ele fez aos Aesir em facilitar as estradas de Midgard para facilitar sua entrada em pelos muros de Asgard.
É importante ressaltar que o deus Tiwaz (Týr) sacrificou sua mão devido a um acordo com o lobo Fenrir que iria matar Odin e assim, assegurar a ordem cósmica no mundo nórdico. Na série, Tiwaz possui os dois braços e tal fato, é um desvio da narrativa primária, pelo fato da perda de um de seus braços por Fenrir. Além disso, Tiwaz é visto como um deus que mantinha a diplomacia e a ordem. Tiwaz é considerado pelos historiadores como o deus das leis e da ordem, mesmo sua origem, assim como a de Loki parecendo bastante controversa. (Ayoub, 2015, p. 527–529).
1. Loki como agente do caos:
Se formos pensar na postura de Loki como agente da desordem e relacioná-la a sua série Loki da Marvel (2021–2023), abordando como temática uma linha do tempo alternativa no universo da MCU. Nas HQs Loki possuiria um papel muito mais ligado ao agente do caos, ou seja, ele é considerado desordeiro, perverso e burlesco. Na série, Loki mantém seu papel em um caráter de anti-herói. Ele não é problemático e ruim, mas exerce um papel de resoluto de causas que pareciam previamente impossíveis de serem resolvidas. Assim que Loki rouba o Tesseract é preso pela AVT (agência de vigilância do tempo). A agência tem como missão a proteção das linhas do tempo, logo, não permite a multiplicação de linhas alternativas para não haver problemas irreversíveis. Se formos pensar em Loki independente em suas ações na sua série, não encontramos resultados tão autônomos. Como exemplo, podemos lembrar que Loki depende da ajuda de Mobius, o único que parece acreditar nos seus poderes, ou seja, do seu retorno à linha do tempo e na sua capacidade em ordenar as coisas.
Em contraste ao Loki Marvel, Loki em Crepúsculo dos Deuses, parece possuir influência em quase tudo o que faz. Isso pode ser justificado pela busca de Sigrid e pela sua persistência em não aceitar conselhos de ninguém durante toda a série, e, a seguir, sucumbir a todos os direcionamentos dados pelo deus. Claro, vimos seus poderes serem expostos em quase todas as cenas nas quais ele estava envolvido, inclusive em sua entrada no mundo dos anões e em Asgard propiciando assim todas as artimanhas de desordem no caminhar da trama.
Um pouco depois, na série Crepúsculo dos deuses, um acordo é pactuado entre Sigrid e Loki para se unir aos Vanir e vencer a batalha contra os Ases. Só os homens com o sofrimento no coração podem conquistar vitória na sua batalha. Uma boa forma de persuadir Sigrid. Loki, não é apenas do submundo, mas, como a própria Sigrid retrata: Loki de Asgard ajudará na vingança contra os Ases. Entendemos que Loki seria o deus ideal para tais ações porque diferente de todos os outros, ele possuía a passagem para todos mundos e como é descrito nas fontes primárias, o Ás, saberia dos pontos fracos dos deuses. Loki está em Asgard. Alguém melhor do que Loki para lidar com isso? Pela lógica não e Sigrid aceita a proposta.
Podemos definir Loki como Ás, trapaceiro e conhecido como caluniador dos deuses. Divindade mais complexa e antagônica das fontes, possui sua origem bastante controversa e enigmática no panteão nórdico. Em algumas narrativas nas Eddas, encontramos como seu agente paterno, Farbauti, um gigante. Sua mãe, possui uma origem não é muito exata, mas supõem-se que seja uma giganta, chamada Laufey. Em outras narrativas, Loki possui uma ligação fraterna de sangue com o deus Odin, e por isso, torna-se seu camarada (Melo, 2023).
Portanto, se formos pensar em sua origem dentro desse pressuposto, citaremos o primeiro filme de Thor (2011), Loki, ao ter sua origem inadvertidamente revelada, descobre ser filho adotivo e tem sua aparência modificada por Odin porque ele possuía traços de um Jontunn e, diferentemente de Thor, seria visto como um deus não asgardiano. É interessante pensar nesta questão, pois Loki na primeira cena já deixa sua ambivalência exposta quanto à sua origem em Crepúsculo dos Deuses, assim como nas Eddas, ele é visto como um Ás, ou seja, um gigante que mora em Asgard, mas sua origem é de um gigante (Langer, 2015, p. 281).
2. O poder da transformação:
Quando falamos em mudança de forma, o deus Loki é o melhor exemplo para exemplificarmos. Na série crepúsculo dos deuses, ele se materializa em aranha, expandindo seus fios entre as pedras. Loki também afirma possuir origem conectada à as pedras, lareira e as aranhas. Nas fontes primárias podemos vislumbrar uma de suas mudanças. Na Edda em Prosa, Gylfaginning: “Loki teve relações com Svadilsfari que um pouco mais tarde deu à luz a um potro. Era cinza e tinha oito pernas.” Loki ao transformar-se em égua, obtinha a intenção de seduzir o cavalo e prejudicar o construtor, legitimando sua fluidez do masculino para o feminino (Faulkes, 1992, p. 35–37).
Imagem 2: Loki andando pela teia de aranha em direção à Niavellir ou campos escuros. Terra subterrânea localizada nas profundezas de Midgard, separada de Svartalfheimr (elfos escuros) e Niflheimr.
Portanto, as capacidades mágicas de Loki, especialmente suas habilidades de mudança de forma e gênero, consigna-o a uma posição liminar entre opostos fundamentais. Esses atributos fazem de Loki o "intermediário por excelência" uma função que o torna indispensável para os deuses. Loki torna-se assim o expoente da deterioração qualitativa que é o destino do mundo. (Schnurbein, 2015, p. 104-124).
Em uma das suas aparições em Crepúsculo dos deuses, Loki se transforma em uma minhoca e vai até o ouvido de Sigrid e convence ela de ir com o seu grupo a floresta pegar as maças da imortalidade, mas, nesse caso, teria viés de força. Ao derrotar Fafnir, logo após a conquista das maçãs, Loki novamente se transforma em minhoca e envenena as maçãs que são levadas até Tiwaz. Podemos perceber nessa cena que sua transformação possuía um viés de morte. O objetivo dele nesse contexto seria envenenar Tiwaz que por sua vez descobriu e acabou atribuindo a responsabilidade ao grupo de Sigrid.
As mudanças de gênero e forma são encontradas também na série Loki da Marvel (2021 – 2023), deixando a habilidade de mutação do Loki presente na primeira temporada e indicando seu gênero fluido previamente. Sylvie sua variante feminina, pergunta se Loki já teve um príncipe ou uma princesa e ele afirma: “Um pouco dos dois. E acho que você também”. Assim, é confirmado que, no Universo Cinematográfico da Marvel, Loki se relaciona com homens e mulheres. Na série Crepúsculo dos deuses as suas características sexuais que permanecem implícitas. A única cena que podemos perceber algum vestígio de sua sexualidade é no parto de uma jovem mulher a qual não sabemos sua origem. Ela dá a luz a Hel, uma de suas filhas e a deusa do submundo.
3. O roubo das maçãs de Idunna, o assassinato do anão Ótrr e sua tendência a persuadir:
Outro elemento muito presente na série é a vingança e persuasão dessa divindade. Pensando nisso, Andvari deseja vingança pelas maldades de Loki. Ele nutre um sentimento de ódio por Loki após a morte dos seus irmãos. Claro, na série existe uma desconstrução do mito propriamente dito. No poema Reginsmál, Edda Poética: Ótrr, irmão de Andvari, se transformava em lontra e Loki acerta uma pedra nele. Regin, protetor de Sigurd e um anão tremendamente inteligente, também era irmão de Ótrr. Com isso, Andvari, juntamente com seu pai, Regin, reconhece que a pele da lontra da qual foi feita a bolsa era familiar e exigia que os deuses pagassem pela morte enchendo a bolsa de ouro (Larrington, 1996, p. 147).
Andvari em meio ao seu diálogo, conversa com Sigrid e afirma que Loki não é uma pessoa confiável, por ser um trapaceiro, e relata tudo o que ele causou, foram prejuízos e infortúnios atribuindo a ele o papel de vilão e trapaça. E ainda reitera que ele não cruzaria Vanaheimr, pois, segundo o pacto feito entre os Vanir e os Ases, não poderia haver batalhas nas estradas de Vanaheimr. A honra pelo juramento é algo tão simbólico para ambos os grupos que o próprio Thor vai embora após Sigrid avisá-lo. Outro ponto sobre o desejo de vingança é a vontade de Andvari em estar nas lutas com o grupo de Sigrid, não só para avisá-la do quanto Loki é ácido em suas ações, mas também, para vingar o que ele causou a todos os seus irmãos.
É visto também na série Crepúsculo dos deuses sua persuasão com Sigrid porque ele vai até seu ouvido falar das maçãs da imortalidade, mas, para isso, será necessário derrotar o grande Fafnir. As maçãs podem ser prenúncio de imortalidade, mas nesse caso, são sinônimos de força na batalha. Sigrid não parece se importar com os avisos dados e chama todo o seu grupo, que vai até a floresta das maçãs encantadas e luta com Fafnir. Por fim, Loki, com seu pensamento astuto e prevendo o futuro da colheita das maçãs douradas, faz com que as maçãs sejam envenenadas e assim, são levadas para o palácio de Tiwaz e, estas envenenadas e entregues a ele, quase consegue envenená-lo sob a influência persuasiva de Loki através de Sigrid.
Imagem 3: Cena do momento em que todos ficam surpresos após saberem que as maçãs trazidas para Tiwaz estavam envenenadas.
No Skáldskarpamál as passagens de prejuízo aos deuses que consideram Loki como ocasionador do caos e desarmonia podem abranger narrativas com conteúdo ligados ao desaparecimento da deusa Idunna ensejando a velhice e enfraquecimento da virilidade dos deuses após o rapto da deusa e das preciosas maçãs de Asgard (Faulkes, 1992, p. 60–61).
É interessante pensar nesse caso porque as maçãs possuem um viés diferente: Não é a imortalidade que está em jogo, mas uma construção previamente cristianizada devido ao símbolo da maçã na tradição Cristã Medieval estando associada ao pecado e, portanto, Loki seria a serpente que pede para Sigrid ir em busca das maçãs e depois, elas são oferecidas como presente, mas nesse caso, estão envenenadas. É visto uma ambiguidade em Loki nesse caso, pois ele se torna exatamente um vilão porque passa agora a ajudar os Ases e não os gigantes na série Crepúsculo dos Deuses. Indicando mais uma vez seu jogo ambíguo para com o grupo de Sigrid e Tiwaz.
Nesse recorte, é mais uma vez enfatizado por Loki a necessidade de se colocar em um lugar maléfico, pesaroso e ruim. Ele se define como mentiroso, traidor, furtador, criminoso e aquele que controla o pensamento das pessoas. Se formos pensar no Loki da Marvel, ele terá um perfil previamente dual. Nos Vingadores (2012), devastado por Odin não conseguir ver suas ações serem vistas para o bem dele e de Asgard, Loki se junta a Thanos e ao governante da antiga raça de alienígenas Chitauri. Este titã oferece a ele o domínio sobre a Terra em troca de obter o Tesseract para si. Os dois dão ao deus das mentiras um cetro que atua como um dispositivo de controle da mente. Desta forma, Loki consegue influenciar aos demais. Mas, sem ele saber, o Cetro também o influencia, alimentando o ódio contra seu irmão e os habitantes da Terra.
Na série, vimos sua capacidade de se transportar de um lugar para outro, ligando esse comportamento à viagem entre outros mundos, como os xamãs em suas viagens para outros locais. Loki estaria aproximado do noaidi, xamã do território Sámi da Finlândia estando conectado aos gigantes e considerado um “estrangeiro” em sua comunidade. Laidoner (2012, p. 59–82).
Imagem 4: Loki ao sussurrar no ouvido de Leif sobre todos os pensamentos criminosos que ele cometeu. Nessa cena, podemos perceber Loki como responsável pelo controle dos pensamentos Leif.
4. Loki como vítima da opressão dos Aesir:
É notável a presença de emoções de sensibilidade em Loki na série Crepúsculo dos deuses, esse traço liga Loki como um agente passivo que necessita ser culpado e responsabilizado pelos resultados futuros advindos da guerra entre os Vanes e os Ases. Ele é visto como um bode expiatório, uma vítima a qual todos precisam quando querem responsabilizar alguém por algo e por esse motivo ele se mantém a chorar.
Se Loki é visto como um culpado na série esse é o ponto pelo qual ele chora copiosamente: não aceita a forma como os Ases tratam seus filhos e como estes foram penalizados de forma cruel e parecem serem tão bodes expiatórios quanto ele. Se formos olhar pelo lado da culpa atribuída a Loki perante tudo, podemos pensar no seu choro e fragilidade ligado a este pesar. Por qual outro motivo Loki cheio de poderes de mudança de forma, magia, força na batalha, astúcia, viagem entre mundos, entre outros pontos cruciais iria chorar?! É notório que sua angústia se baseia na forma como ele e seus filhos são feitos de algozes e ele não parece ter o controle ou o poder sobre tais circunstâncias. Seu poder se torna vão, dependente dos Ases. Com isso, sua fragilidade está conectada provavelmente com sua falta de autonomia e revolta pelo castigo dado aos seus filhos embora tudo esteja ligado a opressão sofrida pelos Ases, e por isso, o choro seria uma forma de exteriorizar suas insatisfações. Retomaremos mais pontos a seguir sobre tais aspectos.
Em outra cena, Sigrid ao falar com Loki, pergunta qual o motivo do desejo pela guerra e a destruição de Asgard. Loki, pesaroso, afirma que uma das suas filhas estava destinada a perecer pelo filho do deus Odin (Thor), além disso, expressa sua indignação devido ao aprisionamento dos filhos. Com ressentimento, incentiva ainda mais a vingança, afirmando que os deuses matarem deuses não teria o menor sentido. Mas, uma mortal destruindo um deus seria um feito louvável. Dando a entender que só Sigrid possuiria “força” plena e legítima para destruir o deus Thor. No entanto, a partir do seu convencimento infalível, leva Sigrid para a batalha final.
Na Edda em Prosa, nas seções do Gylfaginning: [34], [42] [42-3], [49,51], encontramos nuances de Loki associadas a punição dos deuses para com ele. Diante dessas vinganças, a primeira estaria associada a serpente, Jormungand, a serpente envolve o mundo, em que Odin joga-a no mar. Loki também coloca Hel no submundo para cuidar daqueles que ali estão alojados. Nessa narrativa, percebe-se que Odin como forma de punição, dá seguimento ao banimento imediato dos seus filhos, exprimindo uma possível vingança dele ao perceber que os seus filhos poderiam ocasionar algum tipo de malignidade e caos aos deuses e a Asgard.
Imagem 5: Loki exprimindo sensibilidade ao vislumbrar uma visão Jormungand sendo destruída no Ragnarok
Loki parece não aceitar positivamente a perda da serpente e chora copiosamente ao vê-la em pedaços. Se formos olhar conforme as narrativas primárias, não encontraremos em nenhuma delas o deus trapaceiro ao chorar ou a ter efeitos de sensibilidade mediante às perdas sucessivas, pelo contrário, Loki sempre faz piada e debocha das fragilidades dele ou de terceiros. Não importa! Sejam de onde vierem, haverá brincadeiras e julgamentos levianos com terceiros.
Tanto sendo fragilidades dos gigantes, como na morte do construtor, como também dos deuses como Balder, no Skáldskarpamál [34–5]: quando Loki corta o cabelo de Sif e irrita o deus Thor, provavelmente, sua tentativa de tomar algo considerado admirado, sedutor e viril diante do que os cabelos femininos, simbolizam sua influência e uma forma de atingir o deus Thor utilizando sua magia para isso. O deboche com a morte de Balder Lokasenna Loki relembra a todos no salão de Aegir que o deus Balder nunca mais andará pelos corredores de Asgard ficando aprisionado no salão de Hel. Por isso não podemos perceber o teor de fragilidade em meio as fontes primárias. Nem mesmo no seu castigo existem relatos sobre fragilidades emocionais (Faulkes, 1995, p. 96).
Cabe lembrarmos sobre o elemento de vingança na costura de sua boca pelos anões como punição elementar pela aposta a qual ele perdeu dos melhores presentes oferecidos aos Deuses. Seria uma possibilidade de bloqueio do seu alter ego. Loki sopraria as brasas para estimular o fogo. Ele pode ser considerado entre os deuses o mais ativo do público medieval. Porém, com a costura de sua boca, tal feito seria barrado (Heide, 2011, p. 63-106).
Na série Marvel (2021–2023), Loki em uma narrativa neurótica, se percebe diante de um destino de derrota insistente e necessita resolver essa história fracassada. Com isso, ele reorganiza o tear temporal que estava na iminência de implodir. Loki viaja no tempo e aprende física quântica milenar. Após diversos bilhões de anos, volta e soluciona o tear temporal e as variantes temporais que estavam sob ameaça de destruir todo o multiverso. Nesse caso, a fonte central do multiverso estaria em suas mãos e, a partir daí, Loki aparece como um herói solucionador e peça primordial no multiverso. Se formos observar a cena, percebemos que Loki na segunda temporada apresenta características mais humanas e voltadas ao bem comum de todos.
Nesse recorte, podemos elencar as mudanças em torno dos estereótipos nos contextos das mídias atuais. Portanto, estariam buscando um Loki mais ligado às características de construção, ordem e equilíbrio cósmico se formos pensar na série da Marvel. Os novos estereótipos buscam representar um Loki solucionador do caos ou até mesmo um caráter de anti-herói como fora relatado anteriormente.
No entanto, em Crepúsculo dos Deuses, ele não está apenas chorando pela Jormungand, ele é mais traiçoeiro do que parece. Nas últimas cenas, Loki atinge Sigrid. Ele, dessa vez diretamente, golpeia-a dizendo que Sigrid se tornaria mártir assim como Balder pelos seus feitos. Os avisos foram dados a Sigrid, mas ela não percebeu. Confiou honradamente em Loki, e, por isso, foi morta pelo trapaceiro que “planejou” desde o início todas as investidas de vingança contra os Ases. As valquírias levam-na para o Valhalla no fim.
Considerações Finais:
Loki exprime algumas similitudes de fragilidade na série Crepúsculo dos Deuses, mas são mínimas. Vimos um Loki vítima, sensível e magoado. Se pensarmos no Loki da Marvel, não existem características frágeis, pelo contrário, percebemos astúcia e racionalização na proteção do tear temporal, mesmo que exprima o caráter de anti-herói do desenvolver do personagem. Nas HQs, Loki permanece com um perfil de características maldosas e vingativas. Se formos pensar nas fontes medievais, teremos um Loki ambivalente, ou seja, com múltiplos desempenhos em seus atos. Não possuindo apenas um viés aparente.
As mudanças vistas na série Crepúsculo dos deuses baseiam-se em um Loki que trama contra os Ases, mas, no final, nos surpreende matando Sigrid, a guerreira que estava ao lado dos gigantes. Loki muda de forma: em lagarto e em minhoca essas adaptações são diferentes, inclusive, em outras mídias. Vimos um Loki jacaré, um Loki negro e até um Loki mirim. Existe nas fontes antigas medievais essas mudanças, sobretudo, são permanentemente diferentes nas narrativas indicando estereótipos a ele.
Se formos pensar nas fontes antigas medievais, faltaram características como status social pela alimentação, a sua sagacidade e agilidade em resolver conflitos, discurso eloquente ofensivo, o castigo sofrido por ele após a discórdia do Lokasenna, o seu senso de humor no Thrymskvida e com o episódio da cabra e Skadi, entre outros. Vimos um Loki dramático, magoado, mentiroso e traiçoeiro.
Em relação à cena de Loki copiosamente chorando poder ter sido intencional ou até mesmo um exagero dos roteiristas. O drama pode ter agido como uma estratégia de convencer o público atual de um Loki anti-herói, ou seja, um sujeito mais humano para os telespectadores ou até um Loki que é verdadeiramente amigo dos Deuses. Lembremos da segunda temporada da Marvel: um Loki que solucionou e triunfou no final exercendo seu glorioso propósito, além de exercer papéis não inerentemente maus em alguns momentos nas HQs em que fica difícil traçar se de fato ele seria um vilão ou um agente do bem.
Em sua HQ Loki o deus que caiu na terra (2020), é narrado as suas ações moralmente questionáveis: resgatar sua mãe Freyja e matar seu pai, Laufey e provar a todos sua lealdade pelos seus erros redimidos. Em uma outra HQ Loki o agente de Asgard (2019), Loki é obrigado a falar apenas a verdade: Condenado à morte pelo doutor destino pelos possíveis crimes que cometeu no futuro, portanto, ele tem a missão de ser enviado à terra em que sua missão envolve encontrar asgardianos perdidos, em especial a feiticeira Lorelei, que pode ser uma das responsáveis pela sua situação. Há diversos momentos marcantes como os confrontos com Thor e com a feiticeira Lorelei e um inusitado: seu cadastro em um site de encontros românticos. Tudo isso pela redenção tão desejada pelo novo papel exercido de anti-heroísmo da divindade.
Todavia, ao olharmos para a série Crepúsculo dos Deuses e as performances do trapaceiro, podemos sugerir que houve uma forma apelativa em provocar a ideia de um Loki como inimigo dos Ases, mas que no final, estava ajudando exatamente os Deuses e prejudicando os gigantes. Essa ideia é meramente construção estereotipada, pois, no final, Loki continua sendo uma figura que possui uma clivagem de ego, ou seja, um mecanismo na divisão de ações, podendo ser ações boas ou más e, por isso, sua liminaridade se faz complexa nas fontes tardias.
Referências Bibliográficas:
Fontes primárias:
LARRINGTON, Caroline. The Poetic Edda – Translated with an introduction and notes by Caroline Larrington. Oxford University Press: United Kingdom. 2014, p. 4-12, 80-92, 93-97.
FAULKES, Anthony. Edda Snorri Sturluson. translated and Edited by Anthony Faulkes. University of Birmingham. Library: Everyman. 1995, p. 1-164.
Fontes secundárias:
AYOUB, Munir. Týr. In: LANGER, Johnni (org.). Dicionário de Mitologia Nórdica: símbolos, mitos e ritos. São Paulo: Hedra, 2015, pp. 527-259.
CANHISARES, Mariana. Loki, segunda temporada. Omelete, São Paulo. 10,11,2023 Disponível em: https://www.omelete.com.br/marvel-cinema/loki-2a-temporada-final-entenda. Acesso: 15/10/24.
HESSEL, Marcelo. Loki gira em falso em busca de uma história para contar. Omelete, São Paulo. 10,11,2023. Disponível em: https://www.omelete.com.br/series-tv/criticas/loki-serie-marvel-critica. Acesso: 15/10/24.
GASINO, Bernardo. Loki: 9 HQs para ler e entender a série. Opiniões certificadas. 02,08,2022. Acesso em: https://opinioescertificadas.com.br/loki-hq/ 28/10/2024.
LAIDONER, Triin. The Flying Noaidi of the North: Sámi tradition reflected in the figure Loki Laufeyjarson in Old Norse Mythology. Scripta Islandica, n. 63, 2012, p. 59-93.
LANGER, Johnni. Loki. In: LANGER, Johnni (org.). Dicionário de Mitologia Nórdica: símbolos, mitos e ritos. São Paulo: Hedra, 2015, p. 281-287.
MELO, Glezia Alves de. Aspectos de um trickster? Um estudo comparativo sobre a figura de Loki na Edda em Prosa e Edda Poética. Dissertação de Mestrado em Ciências das Religiões, 2023.
MENDES, José Elias. Tesseract: como a Joia do Espaço foi de Capitã Marvel até Guerra Infinita? 14,03,2019. Acesso em: https://www.einerd.com.br/transformacao-de-hulk-vermelho-reflete-fala-de-banner-em-os-vingadores/ 02/11/24.
RODRIGUES, Ícaro. Loki – Glorioso propósito – Resenha. Medium, São Paulo. 10,11,2023. em:https://medium.com/@palanquedomarvete/loki-glorioso-prop%C3%B3sito-resenha-588e9e5b1880. Acesso: 16/10/2024.
SCHNURBEIN, Stefanie v. The Function of Loki in Snorri Sturluson. History of Religions. By: The University of Chicago Press. v.40, No. 2. 2000. p. 109-124.