No dia 21 de fevereiro, foi realizado um "exercício de arqueologia experimental", onde preparamos um peixe típico das casas aristocráticas francesas dos séculos XIV e XV. A receita foi reconstituída com base no documentário Let's Cook History: The Medieval Feast.
Escolhemos um peixe que mais se assemelhava ao proposto pela receita, no caso, o Salmonete (Mullus suruletus) como ele não é encontrado no Brasil, utilizamos o Pargo (Pagrus pagrus) que deu um ótimo resultado muito semelhante ao original.
Foram utilizados quatro filés, pois a receita original leva filés de salmonete temperados apenas com sal e algumas gotas de limão siciliano. Com pouco tempero, fica realçado o sabor natural do peixe.
Depois de temperados, os peixes foram grelhados dos dois lados em um frigideira bem quente com um pouco de manteiga e retirados do fogo.
Os filés já bem cozidos foram colocados em um espécie de envelope de massa e foram levados novamente ao fogo. A massa que envolve os filés de peixe é feita com farinha de trigo, manteiga, sal e um pouco de água. Ela é aberta não muito fina e o filé é colocado sobre a massa e coberto com ela e, depois fechado usando um garfo para apertar bem as bordas. O experimento original foi realizado em uma cozinha com forno a lenha, enquanto a nossa recriação empregou fogo de chão.
O envelope de massa é colocado na frigideira e, depois coberto com outra frigideira e algumas brasas são colocadas por cima para que a massa cozinhe por igual. Depois de uns 10 a 15 minutos as frigideiras são retiradas do fogo, o filé recoberto com a massa é colocado em um prato e, sobre ele é espalhado um pouco de manteiga com um pouco do suco de limão siciliano.
A massa, no caso serve como o papel alumínio moderno que é muito comum em várias preparações assadas. O filé é servido e deve ser comido junto com a massa.
O experimento exigiu tempo e paciência pois o peixe é feito em duas etapas que requerem cuidado no seu preparo - mas o resultado final é muito bom e, apesar dos poucos temperos, o peixe fica muito saboroso e com uma excelente textura, combinando a maciez da carne com o tostado da massa.
Esse prato utiliza apenas o filé do peixe e não o peixe inteiro e, portanto, remete a um paladar mais refinado como o da aristocracia tardo medieval, que comia muitas vezes em pequenas porções podendo assim desfrutar de várias iguarias em uma mesma refeição. E um detalhe importante: esse prato era servido sobre um prato, geralmente de metal ou, nas casas mais refinadas de louça e era acompanhado de talheres: o garfo e a casa que passaram a frequentar as casas e as mesas mais abastadas que facilitavam a refeição dos comensais e também eram sinais de poder e prestígio. Bem diferente das populações rurais que eram proprietários de pequenas porções terras e que precisam aproveitar integralmente os alimentos e necessitavam muitas vezes de grandes porções, principalmente em ocasiões especiais como os casamentos e os nascimentos.
Essa receita lembra um outro prato medieval em que a massa, feita apenas com água e farinha e não serve para ser comida é utilizada apenas como um envelope para assar o peixe. Geralmente, esse método é utilizado para assar peixes grandes ou então filés grandes. No nosso experimento de 2016 (baseado em reconstituição do documentário A vida Medieval) utilizamos um filé grande de salmão e ervas frescas como alecrim, tomilho e manjericão além do sal.
Para acompanhar, o peixe fizemos também uma outra receita essa datada do século XIV (Almodóvar, 2007, p. 35), que é o hipocraz, uma espécie de vinho adocicado e aromatizado com ervas doces e mel, comum na França e Espanha. Para o preparo do hipocraz foi utilizado uma xícara de vinho tinto seco, meia xícara de água, quatro cravos, uma fatia de gengibre, uma colher de café de alfazema, uma pau de canela, um anis estrelado e uma colher de sopa de mel. Tudo foi misturado e levado ao fogo até começar a ferver. Depois foi tirado do fogo e deixado descansar antes de ser coado e servido.
E, claro não podia faltar uma sobremesa! A receita escolhida também é medieval e está presente em vários receituários europeus desde o século XIII (Robert, 2010, p. 53). É um doce de maçã chamado "Pomada" (de pomo, pommes, maçã). Quatro maçãs médias foram descascadas e cortadas em fatias finas e colocadas em uma panela com um pau de canela, uma colher de sopa de mel e duas colheres de sopa de água, levadas ao fogo baixo até desmancharem e, depois de fria é servida.
Bibliografia:
ALMODÓVAR, Miguel Ángel. La cocina del Cid: Historia de los yantares y banquetes de los caballeros medievales. Madrid: Nowtilus, 2007.
ROBERT, Mestre. Livro do cozinheiro (libre del coch): manual de receitas medievais. São Paulo: Instituto Ramon Llull, 2010.
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