COMO
ESTUDAR OS VIKINGS E A ERA VIKING NO BRASIL
Prof.
Dr. Johnni Langer (UFPB/NEVE)
Os vikings definitivamente estão na moda. Aliás, estão
quase em qualquer lugar: nos quadrinhos, no cinema, na televisão, na música,
nas artes plásticas, na mídia comercial, etc. Muito além de um sucesso
momentâneo, diversas pessoas acabam se identificando com a temática nórdica e
procuram inserir suas paixões e interesses em algum curso superior que esteja
frequentando ou ainda, que tem a meta de frequentar. Neste caso, a maior
dificuldade é encontrar material em um país que não possui tradição acadêmica
no tema da Escandinávia da Era Viking. O maior intuito deste pequeno ensaio é
fornecer alguns parâmetros que possam auxiliar os jovens investigadores em sua
jornada inicial pelo mundo nórdico. No início, concedemos alguns elementos
bibliográficos. Logo a seguir, algumas considerações sobre temas de pesquisa e no
desfecho, possíveis locais para estudo.
1. Como estudar: Fontes e bibliografia secundária
Primeiro teste de capa do Dicionário de História e Cultura da Era Viking
Em língua portuguesa não existem muitos livros a
respeito deste tema. A maioria são obras genéricas e pouco detalhadas, algumas
inclusive muito desatualizadas. No início, o melhor é sempre possuir uma grande
obra de consulta e de referência, neste caso não há nada melhor do que o Dicionário
de História e Cultura da Era Viking, que foi publicado brevemente pela
editora Hedra de São Paulo em 2017. Com aproximadamente 900 páginas, o livro contem 228 verbetes escritos por 33 especialistas nacionais e estrangeiros, além de um
prefácio escrito pelo arqueólogo Neil Price. Contando com verbetes específicos
sobre localidades, sítios arqueológicos, personalidades e períodos históricos,
o dicionário também inclui conceitos extremamente importantes aos novos
pesquisadores, como os verbetes Viking,
Era Viking e Escandinávia, discutidos de um ponto de vista conceitual e historiográfico.
Algumas entradas envolvem temas pouco discutidos entre os pesquisadores, como
Agricultura, Aparência e costumes, Estupro, Suicídio, Sexo e sexualidade, entre
outros. A bibliografia apresentada ao final de cada verbete também é
extremamente atualizada ou se utiliza de clássicos consagrados da área.
Uma publicação ainda sempre relevante em língua
portuguesa é Os Vikings, de James
Graham-Campbell, publicado em um único volume pela editora Folio em 2006 e em
dois volumes pela editora Del Prado em 1997 (Os Viquingues). Trata-se de um grande atlas cultural da
Escandinávia, tratando de sua história, desde o Neolítico até o final da Era
Viking, trazendo diversos textos separados sobre sítios arqueológicos, com
muitos mapas, fotografias e imagens bem detalhadas. O livro pode ser facilmente
adquirido em sebos físicos e virtuais.
Outra obra muito importante como material de referência é The Viking World, editado por Stefan Brink (Routledge, 2012), contendo dezenas de estudos sistematizadores sobre o mundo nórdico, divididos em três grandes temas: a Era Viking na Escandinávia; a expansão nórdica pelo mundo; a relação da Escandinávia com a Europa e suas consequências. Cada capítulo possui farta descrição bibliográfica e com forte referencial arqueológico.
Extremamente importante para todos os pesquisadores é
o acesso aos documentos medievais. O Dicionário de História e Cultura da Era
Viking possui dezenas de verbetes tratando deste tema, também reunidos
na entrada Fontes Primárias. A seguir
enunciamos algumas destas fontes analisadas neste referido livro e suas
traduções e disponibilidade na internet:
Sagas do Atlântico Norte: uma das poucas obras publicadas no Brasil traduzidas diretamente do nórdico antigo por Theo Moosburger, integrantes da edição Três sagas islandesas (A saga dos groelandeses e A saga de Eirikr Vermelho, UFPR, 2007). Constituem alguns dos textos mais importantes para o estudo da presença e colonização nórdica na América.
A
saga de Njál: talvez a mais
importante e famosa saga islandesa, constituindo um documento primordial para o
estudo da sociedade nórdica durante o medievo. A saga de Njál é disponível em
uma tradução integral de Theo Moosburger em sua tese de doutorado (UFSC, 2014),online.
Documentos
franceses: O livro As invasões Normandas: uma catástrofe?
(Editora Perspectiva, 1997), de Albert D´Haenens, reúne os excertos de 15
crônicas francesas alto medievais relatando ataques nórdicos pela França (entre
as páginas 88 e 99). São importantes relatos sobre o impacto nórdico durante a
Alta Idade Média europeia.
Crônica
anglo-saxã: Uma das mais importantes séries de documentos
medievais tratando dos nórdicos e sua presença na Inglaterra. Foi parcialmente
traduzido ao português por Robert Taylo, disponível online.
Batalha
de Maldon: importante
batalha entre vikings e anglo-saxões, traduzida ao português por Glauco Roberti
(Dissertação em Letras, USP, 2006).
Sagas de Família (ou dos islandeses): um dos subgêneros de sagas mais utilizadas pelos historiadores, tanto para o estudo da Era Viking quanto da sociedade nórdica medieval. Uma boa coletânea em inglês é The sagas of ícelanders: a selection (Penguin, 2000).
Landnámabok:
disponível em tradução ao
inglês por Herman Palsson and Paul Edwards (The book of settlements, University
of Manitoba, 2007).
Íslendigabók (tradução de Faulkes e Finlay ao inglês disponívelonline). Dois documentos imprescindíveis para o estudo da colonização nórdica
na Islândia.
Poesia
escáldica: uma série de
poemas de elogio que possui diversas referências históricas. Em inglês exista a
famosa coletânea de Turville Petre (Scaldic
Poetry, Oxford University Press, 1976) e em espanhol a de Luis Lerate (Poesia Antiguo-Nórdica, Alianza
Editorial, 1993).
Crônica
dos anos passados (Crônica
primária russa): um dos mais importantes documentos para a história dos
nórdicos no Leste europeu. Uma conhecida tradução ao inglês foi realizada por
Samuel Cross e Olgerd Wetzor em 1953, disponível online.
Grágás – conjunto de leis islandesas do século XII, muito útil para estudos sobre a sociedade, legislação, política, costumes e tradições do mundo nórdico medieval. Foi traduzido ao inglês em 2007 por Andrew Dennis e Peter Foote (Laws of Early Iceland, University of Manitoba) em dois volumes.
Ibn Fadlan – o mais famoso cronista árabe sobre o mundo nórdico da Era Viking, extremamente importante para o estudo da religiosidade e dos costumes funerários. Recebeu uma tradução ao inglês em 2012 por Paul Lunde (Ibn Fadlan and the Land of Darkness, Penguin).
Historia
Norwegiae: um dos mais
antigos e importantes documentos sobre a história da Noruega no medievo,
originalmente escrito em latim e traduzido ao inglês por Devra Kunin, disponível online.
Historia
de antiquitate regum norwagiensium, de Theodoricus Monachus. Outro importante documento sobre a história
da Noruega medieval, traduzido ao inglês por David e Ian McDougall, disponível online.
Heimskringla: a famosa história dos reis da Noruega, de Snorri
Sturluson, uma série de sagas islandesas do subtipo sagas reais. Possui a clássica
tradução de Lee Hollander (University of Texas, 2009) e a nova tradução de Alison
Finlay e Anthony Faulkes (dividida em três volumes) e disponível online.
Gesta
Danorum: famoso
documento sobre a História da Dinamarca, escrito por Saxo Grammaticus. A
tradução ao inglês por Oliver Elton (1905) está disponível online.
2. O que estudar: temas para pesquisa
Essa sempre é uma dúvida constante de qualquer
graduando que se inicia nos estudos nórdicos. Nunca é fácil opinar a alguém em
qual tema deva investigar, mas o mais recomendado é que o iniciante tenha
sempre um conhecimento geral sobre a Era Viking, nos seus mais variados aspectos:
História, literatura, sociedade, religião e mitologia, Arqueologia, economia,
política, etc, com o intuito de poder definir em qual campo vai querer se
especializar (como o tempo, é claro). A partir disso, cada campo específico
possui seus temas mais originais ou que são pouco conhecidos e difundidos no
Brasil. Cabe sempre ao pesquisador ter o bom senso de equilibrar a
originalidade com a qualidade na pesquisa. Nem sempre as pesquisas mais
recorrentes em um assunto necessariamente esgotam as possibilidades de
investigação – novos olhares, novas perspectivas teórico-metodológicas podem
contribuir para uma revisão em campos consagrados.
O interessado pode acessar algumas publicações
historiográficas que concedem um razoável panorama das investigações conduzidas
no Brasil até o presente momento, ajudando em escolher alguns parâmetros nas
novas pesquisas: Estudos Nórdicos Medievais: alguns apontamentos historiográficos
e Uma breve historiografia dos estudos brasileiros de religião nórdica medieval.
Também os artigos publicados pelos membros do NEVE
podem fornecer uma certa base na escolha de novos temas.
Outro modo de escolher as temáticas, mas também os
recortes mais precisos e mesmo as metodologias e opções conceituais é o
intercâmbio com outros pesquisadores mais experientes na área. Neste sentido,
os interessados podem se filiar ao grupo do NEVE no facebook e utilizar este
instrumento para sanar suas dúvidas, seus questionamentos e suas incertezas
frente a esse campo.
3. Onde estudar: cursos e programas de pós graduação
A área que possui a maior tradição de conter
pesquisadores do mundo nórdico no Brasil é a de História, especialmente devido
ao fato da maioria dos cursos de licenciatura e bacharelado possuírem a disciplina
de História Medieval, onde parte do conteúdo de Era Viking é vislumbrado.
Muitos professores dessa disciplina acabam aceitando a orientação de projetos
de iniciação científica e trabalhos de conclusão de curso em temáticas
escandinavas.
Do mesmo jeito, muitos medievalistas vinculados a
programas de pós graduação em História, Letras e Ciências das Religiões são
receptivos a temas nórdicos. A maioria das pesquisas ainda se concentra em
temas relacionados a religiosidade e mitologia (ver tabelas finais neste artigo historiográfico), sendo que o programa atualmente com maior quantidade de pesquisas é o da
Universidade Federal da Paraíba (Programa de Pós Graduação em Ciências das Religiões).
Com o aumento das pesquisas, traduções e publicações,
certamente esse panorama deve mudar consideravelmente nos próximos anos,
auxiliando ainda mais as futuras gerações de novos investigadores da
Escandinávia.