O grupo interinstitucional NEVE (NÚCLEO DE ESTUDOS VIKINGS E ESCANDINAVOS, criado em 2010) tem como principal objetivo o estudo e a divulgação da História e cultura da Escandinávia Medieval, em especial da Era Viking, por meio de reuniões, organização de eventos, publicações e divulgações em periódicos e internet. Parceiro internacional do Museet Ribes Vikinger (Dianamarca), Lofotr Viking Museum (Noruega), The Northern Women’s Art Collaborative (Universidade de Brown, EUA), Reception Research Group (Universidad de Alcalá) e no Brasil, da ABREM (Associação Brasileira de Estudos Medievais) e PPGCR-UFPB. Registrado no DGP-CNPQ. Contato: neveufpb@yahoo.com.br

sexta-feira, 28 de junho de 2024

Novo vídeo: Trolls, Fadas e Bruxas na Escandinávia - Mitos Nórdicos: Ontem e Hoje Ep. 2

Seminário apresentado pelas pesquisadoras Andréa Caselli e Luciana de Campos no canal Fantasticursos, coordenado pelo professor Alexander Meireles da Silva (UFG). O seminário aborda algumas das principais representações folclóricas escandinavas: as figuras de Troll, as fadas e as bruxas - as suas origens e as suas ligações com a Mitologia Nórdica.




domingo, 23 de junho de 2024

As valquírias na cultura pop

 


A representações das Valquírias na cultura pop americana e japonesa

 

Leandro Vilar Oliveira 

Doutor em Ciências das Religiões pela UFPB

Introdução

             A palavra valquíria significa “aquela que escolhe os mortos”, etimologia diretamente associada com sua principal missão: a de atuar como enviadas de Odin para coletar as almas dos guerreiros mortos e leva-los ao seu salão, onde eles serão treinados para se tornarem einherjar, os guerreiros de elite de Odin, que eram treinados todos os dias até quando o Ragnarök ocorresse. (SIMEK, 2007).

            Entretanto, Langer (2012) assinala que as valquírias na mitologia nórdica teriam pelo menos quatro características principais: serviçais em Valhala, amantes ou esposas de guerreiros ou heróis, guerreiras e profetisas. Neste caso, a característica como guerreira foi a que se sobressaiu nas artes e mídias, principalmente pelo fato de elas seres divindades associadas com o campo de batalha, o mundo espiritual dos guerreiros (Valhala) e uma divindade ligada com a guerra (Odin).

Além disso, a condição de elas irem buscar as almas dos guerreiros mortos a torna em psicopompos (“guia das almas”), termo usado para designar a função exercida, por deuses, espíritos, anjos, divindades, seres sobrenaturais diversos, encarregados de guiar as almas para o julgamento ou para algum dos mundos dos mortos. (MORREALL; SONN, 2011). Assim, entre as atribuições das valquírias estaria essa de serem psicopompos.

            As valquírias inicialmente teriam sido espíritos sinistros associados com os guerreiros mortos. O poema Canção das Lanças (Darraðarljóð), presente na Saga de Njál, descreve elas como seres horrendos, os quais fazem um tear com ossos e vísceras humanos. Elas estariam tecendo com entranhas o destino dos guerreiros, o que as colocava próximas da função das Nornas (“deusas do destino”). Entretanto, em dado momento essa imagem sombria das valquírias foi substituída por representações delas como mulheres jovens e belas. (SIMEK, 2007).

Assim, nas Eddas, principais fontes da mitologia nórdica, as valquírias são representadas como belas e jovens mulheres incumbidas de escolher as almas dos guerreiros mais valorosos que morreram em batalha e os conduzir até o Valhala, o salão de Odin. Por sua vez, na Edda em Prosa informa-se que parte dos guerreiros mortos também seriam conduzidos para o Sessrúmnir, o salão de Freyja. Elas também apareceriam vivendo em Valhala, recebendo os guerreiros que para lá iriam, o que inclui algumas representações iconográficas em pedras gravadas como a Lilbjärs III e a Tjängvide, as quais mostram mulheres segurando cornos de bebida, enquanto os oferecem a um guerreiro, algo interpretado como uma referência as valquírias. Essa representação inclusive é vista também em alguns pingentes e estatuetas, apesar que no caso dos pingentes temos valquírias aparecendo armadas, representação não vista nas pedras gravadas. (DAVIDSON, 1988).

            Todavia, excetuando-se essas menções pontuais, não existem mitos específicos que destaquem as valquírias como grandes guerreiras, até mesmo Brunilda (Brynhildr) que aparece na Saga dos Volsungos, não temos descrições dela em batalhas, apenas que usava uma cota de malha, elmo e portava armas. Algo representado por alguns artistas em pinturas (Leeke, 1890; Bussiere, 1894; Butler, 1909). Um aspecto a ser assinalado é que as representações da valquíria Brunilda costumam enfatizar o drama associado a personagem, como ela ter sido colocada em sono profundo e cercada por um círculo de fogo, posteriormente sendo resgatada pelo herói Sigurd.

A ideia das valquírias como valentes e hábeis guerreiras como se fossem “amazonas” da mitologia nórdica é algo que passou a ser enfatizado pelo Romantismo do XIX, a partir de pinturas, esculturas e depois com a ópera. Soma-se a isso também todo um contexto nacionalista e ufanista em se buscar um passado de bravura para respaldar os anseios políticos nacionais do XIX. (ADRIANSEN, 1993).

Assim, diferentes países europeus, mas também americanos e asiáticos recorreram aos seus mitos, lendas e folclore para buscar personagens que servissem de modelos heroicos, unindo-os a acontecimentos históricos. No Brasil tivemos o Indianismo que valorizou os indígenas, mas no caso escandinavo, os vikings e a mitologia nórdica foram utilizados para essa finalidade.

Com isso, países como Dinamarca, Noruega e Suécia recorreram cada um à sua maneira aos mitos e a história da Era Viking para utilizá-los em suas finalidades nacionalistas, trazendo-os como valores de homens e mulheres fortes, destemidos, trabalhadores, como também explorar ideias de amor à pátria e à família. Dessa forma, as valquírias foram escolhidas como símbolo que representasse o ideal da “mulher nórdica”, inspirando pinturas e esculturas que representavam a “mãe pátria”. (LJØGODT, 2012).

Diante dessa valorização ideológica política e cultural, temos representações de valquírias geralmente mostrando mulheres trajadas com vestidos e usando lanças. Algumas dessas representações mostram valquírias com asas (Freund, 1827; Bissen, 1835; Baumann, 1871; Frølich, 1895) ou montadas em cavalos. Outras representações optam por valquírias trajadas com cota de malha, segurando lanças e usando elmos com asas (Sandberg, 1818; Arbo 1869; Bayard, 1870; Leeke, 1870; Maud 1890). Há exemplos de valquírias usando vestidos mais curtos, sem elmos, mas portando espadas e escudos (Freund, 1822).

Inclusive a representação de valquírias trajadas com armaduras remontaria ainda o século XVIII, como visto numa ilustração de Daniel Chodowiecki de 1787 para a ópera A Morte de Balder (1774) de Johannes Ewald. Nessa ilustração temos o deus Hod diante de três mulheres trajadas com vestidos e armaduras, segurando lanças e usando elmos com penachos.

Vale ressalvar que dessas pinturas mencionadas (confira as referências no final), as valquírias costumam serem retratadas em seu aspecto marcial, porém, existem obras de arte que exploram outros aspectos delas como a estátua de Bissen (1835), em que sua valquíria segura um cálice, a ilustração de Frølich em que vemos três valquírias carregando jarros de bebida, e uma delas enche um corno de bebida; ou a pintura do Valhala de Doepler (1905), na qual vemos duas valquírias acompanhando os guerreiros durante o banquete de Odin. O pintor Lorenz Frølich em 1905 fez uma ilustração mostrando três valquírias conduzindo um guerreiro morto diante de Heimdal, o que evoca a função delas nos mitos.

No entanto, as representações que realmente impactaram a cultura visual de forma mais extensa vieram com a ópera alemã. Neste caso, o trabalho do compositor Richard Wagner (1813-1883), o qual foi o autor da monumental ópera O Anel do Nibelungo (1876), obra que tomou vários anos de sua vida, estando dividida em quatro óperas, as quais baseiam-se no folclore dos Nibelungos, na Saga dos Volsungos e na mitologia nórdica. Assim, a segunda ópera intitulada A Valquíria, destaca bastante tais personagens, embora elas apareceram em outros momentos também. No entanto, o figurino das cantoras as retratava usando vestidos longos, uma armadura, lanças, escudos e elmos com chifres. Isso inclusive ficou marcante nas ilustrações feitas para os cartazes e livretos da ópera.

 

Figura 1: Cantoras trajadas como valquírias em fotografia de 1899 da ópera A Valquíria.

 

O visual desenvolvido para o figurino da ópera wagneriana tornou-se marcante a ponto de servir de modelo para as representações marciais das valquírias que começou a despontar na segunda metade do XIX. Isso por sua vez, inspirou pinturas, esculturas, desenhos, histórias em quadrinhos, videogames etc. Condição essa que como será visto o uso de elmos com asas e peitorais são características recorrentes na cultura pop dos séculos XX e XXI, principalmente no Japão.

 Padrão americano

             Nos Estados Unidos as representações de valquírias na cultura pop se concentram principalmente nas histórias em quadrinhos (comics) e nos jogos de videogame, raramente aparecendo em desenhos e filmes, e até mesmo em propagandas e ilustrações para marcas e produtos.

Neste caso, as primeiras aparições das valquírias remontam aos quadrinhos do final da Era de Ouro (1938-1955), surgindo brevemente em uma narrativa do Príncipe Valente (1937), apesar que essas personagens somente se destacariam nos quadrinhos da Marvel durante a Era de Prata (1956-1970), período que marcou uma reformulação na forma de produzir quadrinhos, atualizando personagens clássicos pré-Segunda Guerra, além de ter sido uma época do surgimento de grandes franquias, em especial destaque na Marvel, com a dupla Stan Lee e Jack Kirby, os quais produziram o Quarteto Fantástico, o Poderoso Thor, os Vingadores, o Homem de Ferro, o Incrível Hulk. Por sua vez, Stan Lee ao lado de outros quadrinistas criou o Homem-Aranha, Doutor Estranho e os X-Men. (JACOBS; JONES, 1985).

Soma-se também a esse período a inclusão de super-heróis com problemas mais realistas e dilemas morais (Peter Parker e sua rotina escolar, Tony Stark e o alcoolismo, Bruce Banner e seu temperamento explosivo), além de temáticas sociais sobre racismo, xenofobia e feminismo. Esses aspectos foram moldados a tramas de ficção científica que embalavam as hqs dos anos 1960 e 1970, como foi o caso das revistas do Poderoso Thor, que trouxe a popularização do universo da mitologia nórdica. (OLIVEIRA, 2014).

 Valquírias em Príncipe Valente (1951-1952)

             No ano de 1937 o quadrinista Hal Foster (1892-1982) criou o personagem do Príncipe Valente, inspirado em histórias medievais de cavalaria, especialmente as associadas com o Ciclo Arturiano, além de inserir outros elementos de fantasia e referências aos vikings e a mitologia nórdica. (ALBUQUERQUE, 2019).

            No volume 8 da revista, temos a apresentação ao mito do Ragnarök, e em uma das páginas vemos o príncipe vendo uma cena desse mito, na qual se encontra Odin, os lobos Skoll e Hati perseguindo os deuses Sól e Mani, Thor lutando contra gigantes, valquírias cavalgando pela ponte Bifrost, sendo seguidas por einherjar.

 

Figura 2: Página do volume 8 do Príncipe Valente, Hal Foster.

Nesta representação das valquírias observa-se que elas usam elmos com asas, capas, vestidos e couraças de metal, além de empunharem espadas. O visual é bastante similar ao modelo romântico, popularizado pela ópera wagneriana e pinturas do final do XIX e começo do XX. Além disso, as valquírias nessa ilustração aparecem como guerreiras cavalgando para a guerra final no Ragnarök, enquanto lideram os einherjar que ajudaram a escolher, o que retoma sua função como psicopompo.

 Valquírias da Marvel Comics (1963-presente)

             Aproveitando a popularidade das narrativas baseadas em ficção científica e na mitologia nórdica nas histórias do Poderoso Thor, Stan Lee e Jack Kirby foram inserindo cada vez mais elementos mitológicos nesses quadrinhos, finalmente chegando as valquírias. Entretanto, a primeira aparição das personagens foi breve e nem ganhou destaque. Na revista Journey into the Mystery #91 (1963), nessa história Thor confronta o poderoso feiticeiro Sandu, e para vencê-lo ele tinha que aumentar seus poderes, para isso ele necessitava de seu cinto de força o Megingjord, o qual estava guardado em Valhala. Ao chegar lá, após algumas provações, duas valquírias lhe entregam o cinto.

  


Figura 3: Primeira aparição das valquírias na Marvel, na revista Journey into the Mystery #91 (1963).

 

            Nessa imagem percebemos que as valquírias são mulheres louras usando vestidos brancos. Na prática elas poderiam ser tomadas por qualquer outra personagem, pois não há referências que as associassem com as valquírias que habitualmente conhecemos com base na iconografia difundida desde o XIX. Todavia, nas representações da Era Viking, as valquírias são retratadas usando vestidos e tendo seus cabelos trançados. Sendo assim, essa representação de 1963 feita pelo Jack Kirby, apresenta uma versão mais próxima dessa outra forma de representar as valquírias, não se prendendo a imagética delas trajadas como guerreiras.  

            Posteriormente, as personagens voltariam a ser citadas novamente, agora aparecendo como guerreiras. Isso é mencionado na revista Thor #133 (1966), sendo elas chamadas de Valkyrior, uma tropa de elite formada apenas por mulheres, designada por Odin para guardar Valhalla e executar algumas missões especiais. Com o tempo o grupo foi sendo desenvolvido em algumas revistas, ganhando nome para seus membros e até recebendo mulheres de fora de Asgard como a própria humana Jane Foster.

 

Figura 4: As valquírias em cena da revista Thor #133 (1966).

             Nessas primeiras aparições as valquírias da Marvel seguem o padrão visual estabelecido pela ópera wagneriana, em que vemos mulheres usando elmos com asas, armaduras de aço (não cota de malha), calças e botas (diferente dos vestidos e sandálias do vestuário da ópera). As valquírias empunham lanças, espadas e escudos e montam cavalados alados (diretamente inspirados no Pégaso da mitologia grega). Esse visual das valquírias da Marvel não é definitivo, ele varia de acordo com a época e o desenhista, em que temos versões sem armadura e com trajes inspirados nos estereótipos dos super-heróis.

            Na década de 1970 tivemos a primeira valquíria que ganhou maior destaque nos quadrinhos da Marvel, seu nome é Brunnhilde (inspirada na mitológica Brynhildr). Ela é o alterego de Valquíria, heroína que em várias ocasiões atua como líder das Valkyrior. Brunnhilde apareceu a primeira vez na revista Avengers # 83 (1970), participando de uma missão dos Vingadores. Sua presença foi bastante significativa, já que ela estava presente na capa desse volume.

Nesta narrativa, Brunnhilde liderara temporariamente um grupo de heroínas chamadas Damas Libertadoras (Lady Liberators). O visual da personagem já era modernizado, mostrando-a usando uma couraça, capa azul, corpete preto, braceletes e sandálias gladiadoras. Destaca-se o fato de ela estar com as pernas a mostra, o que concede um toque de sensualidade. Esse visual se tornará padrão para Valquíria mesmo atualmente em algumas hqs, mostrando já um distanciamento do padrão visual do Romantismo.

 


 

Figura 5: Capa da revista The Avengers #83 (1970).

             Com o sucesso da primeira aparição da Valquíria, ela retornou na revista Defender #4 (1972), tornando-se membro desse grupo esporadicamente, aparecendo em outras edições dos Defensores e dos quadrinhos do Thor. Valquíria acabou se tornando personagem recorrente nos quadrinhos, até aparecendo em alguns jogos de videogame da Marvel, mas não costumava aparecer nos desenhos.

            Dessa forma, as valquírias foram aparecendo mais vezes nas hqs dos Thor e dos Defensores, já adotando um visual mais baseado nos trajes de super-heróis, mas há casos de algumas revistas em que o visual das valquírias se tornou até mais sensual. Seus trajes se inicialmente lhe cobriam a maior parte do corpo, além de elas usarem elmos com asas ou com chifres, gradativamente os trajes foram encurtando, tornando-se armaduras mais justas como no caso da Valquíria; abandonando os elmos, trocando os vestidos por calças, saias curtas, maiôs etc. Um exemplo de mudança radical no vestuário das valquírias da Marvel ocorreu na revista Thor: Ages of Thunder (2008), em que vemos valquírias bem sensuais, usando trajes curtos.

  

Figura 6: Brunhilde e outras valquírias na revista Thor: Ages of Thunder (2008).

 Entretanto, nos quadrinhos recentes da Marvel Comics as valquírias ganharam destaque numa revista chamada Valkyrie: Jane Foster (2019-2020) na qual somos apresentados a Jane Foster que se tornou uma valquíria (após deixar de ser a Poderosa Thor), entrando para o grupo das Valkyrior. Nesta revista a personagem de Foster utiliza um traje preto contemporâneo, com ombreiras, luvas e peitoral, um elmo, mas o destaque vai para suas armas mágicas e o fato de ela ter asas como um anjo. A ideia de valquírias aladas não é nova na cultura pop, todavia, nos quadrinhos da Marvel era algo pouco usual, apesar que em outras mídias isso até já fosse utilizado.

  

Figura 7: Capa da revista Valkyrie #1 (2019).

 Valquíria de Conan, o Bárbaro (1982)

             No ano de 1982 a Universal Pictures e a 20th Century Fox lançaram o primeiro filme baseado no famoso personagem Conan, o Bárbaro, criado em 1932 por Robert E. Howard. O filme era estrelado por Arnold Schwarzenegger, trazendo uma história original escrita por John Millius e Oliver Stone, baseado nos contos de Howard. Entre os personagens que aparecem nessa produção temos uma bela, valente e forte guerreira chamada Valeria (interpretada por Sandahl Bergman), a qual nos contos é uma pirata. Porém, no filme ela aparece de forma diferente.

            No filme Valeria surge como uma espécie de amazona mercenária que se une a Conan e seu grupo em sua jornada para matar o vilão Thulsa Doom, todavia, em determinada parte da trama, Valéria aparece usando uma armadura prateada com saia, ombreira, botas peludas e um chapéu com asas.

  

Figura 8: A atriz Sandahl Bergman como a personagem Valéria, trajada como uma valquíria no filme Conan, o Bárbaro (1982).

 

            Apesar da personagem não ser uma valquíria propriamente, no entanto, é possível notar certas semelhanças com o visual americano das valquírias. A armadura leve, que basicamente somente protege o tronco, ao mesmo tempo que realça o busto dela; uma saia irregular, sendo mais longa na parte da frente, os braços e pernas desnudos. Neste caso, notamos certas semelhanças com o visual da Valquíria da Marvel, a qual aparecia naquela época com as pernas e braços expostos. Além disso, sublinhamos o aspecto sensual da personagem, característica típica das obras de Conan.

Valquírias de Age of Mythology (2001)

             Age of Mythology é um jogo de estratégia em tempo real baseado na franquia de sucesso Age of Empires. O jogo originalmente reunia três povos: gregos, egípcios e nórdicos. Mas as DLCs adicionaram os atlantes e os chineses. Entre as divindades que representam os nórdicos estão Odin, Thor e Loki, e entre as tropas que eles podem convocar se encontram valquírias.

            Neste jogo as valquírias são representadas como mulheres louras, usando inicialmente saia, uma armadura, botas, elmo com penachos, estando armadas com lanças e montando cavalos brancos. As valquírias são unidades de combate especializada para enfrentar monstros, sendo elas disponíveis a partir da deusa Freyja, divindade associada com elas. Todavia, no jogo temos Reginlief, a única valquíria que recebe nome e possui um destaque na trama, guiando os outros protagonistas em dados momentos.

 

Figura 9: Reginlief ao centro e outras duas valquírias.

             As valquírias de Age of Mythology já são retratadas como seres divinos, supostamente filhas de Odin. Elas servem a Freyja, e são hábeis guerreiras. No tocante ao seu visual, observa-se trajes adaptados da ópera wagneriana, já que se manteve a armadura, mas trocou-se o vestido por saias.

 

Valkyrie Series (2013-2016)

             A escritora canadense Kate O’Hearn é a autora da série Valquíria a qual compreende uma trilogia, em que acompanhamos a jovem Freya em sua missão como valquíria, as quais nesta narrativa são retratadas como “anjos da morte”, indo ao mundo dos humanos recolher suas almas. Entretanto, os livros se passam nos tempos atuais, mostrando os problemas e desafios de Freya na adolescência além de outros questionamentos sobre seu dever, o mundo e a vida. Na trama Freya acaba entrando em conflito com outras valquírias por discordar de suas funções.  

            Um ponto importante a destacar nesses livros é a condição de que O’Hearn faz uso da função de psicopompo das valquírias, pois nos mitos elas eram responsáveis por ir buscar as almas dos guerreiros mortos em batalha. Os guerreiros valorosos seriam escolhidos para serem levados ao Valhala. Essa ideia de valquírias conduzindo almas foi mantida e ressignificada por O’Hearn para o contexto de seus livros, apesar disso, apresenta uma interpretação contemporânea que difere do padrão dos quadrinhos americanos de termos valquírias apenas como heroínas.

A respeito do visual de Freya e outras valquírias, pelas capas de seus livros vemos a protagonista sendo uma valquíria ruiva, usando uma armadura por cima de um vestido branco, usando botas, empunhando uma espada e tendo asas negras. No entanto, como ela deve frequentar o mundo dos humanos, ela acaba utilizando trajes comuns. Dessa forma temos representações de Freya com diferentes tipos de roupas.

Figura 10: Capa do primeiro livro da série Valquíria.

 A Valquíria nos filmes da Marvel (2017-2023)

 No caso dos filmes, somente em Thor Ragnarok (2017) a Valquíria fez sua primeira aparição sendo interpretada pela atriz Tessa Thompson. Neste filme, a Valquíria é retratada como uma habilidosa guerreira que se alia a Thor para evitar o Ragnarök. Ela é uma personagem marrenta e as vezes debochada. Inicialmente ela não possui conexão com Valhalla, tampouco aparecem outras valquírias, elas são apenas mencionadas.

A respeito do visual da Valquíria nesse filme ela possui dois trajes, ambos baseados no estilo de super-heróis típicos dos filmes da Marvel. O primeiro é um traje preto com calças, mangas curtas e capa azul. O segundo traje é branco, já tendo mangas longas e tendo mais detalhes, consistindo no uniforme para o ato final.

 

Figura 11: A atriz Tessa Thompson interpretando Valquíria em Thor Ragnarok (2017).

           A personagem da Valquíria volta aparecer em Vingadores: Ultimato (2019), Thor Amor e Trovão (2022) e fez uma aparição especial em The Marvels (2023), em cada um dos filmes ela surge com trajes diferentes, mas nenhum deles é igual ao dos quadrinhos. Além disso temos algumas novidades. No filme dos Vingadores a Valquíria aparece montada num cavalo alado, referência direta as hqs, por sua vez, no quarto filme do Thor, Valquíria fala sobre a existência de Valhala, dizendo que para lá iam os valorosos guerreiros, que originalmente a guarda das valquírias é responsável por proteger aquele lugar, que representa o “paraíso”.

  

Figura 12: Valhala no filme Thor Amor e Trovão (2022).

             Assim, observa-se que a Valquíria do MCU atualiza algumas características da personagem das hqs, incluindo a adoção de pautas sociais como representividade, pois a personagem original é branca e loura, mas nos filmes é interpretada por uma atriz negra, além de que nessa versão dos filmes a Valquíria assume sua bissexualidade, algo que nas hqs nem sempre era evidente. Por outro lado, a ideia de que foi nos filmes que a personagem ficou empoderada, é imprecisa, pois ela já tem essa característica nas hqs há décadas. Por sua vez, quanto ao Valhala, esse é um local ainda inexplorado nos filmes da Marvel, apesar de ter finalmente sido mostrado brevemente. (DENNIS, 2023).

 As valquírias em God of War (2018-2023)

             Na franquia God of War os jogos mais recentes abordam a mitologia nórdica, pois anteriormente era a mitologia grega. Em ambos os jogos acompanhamos a jornada de Kratos e seu filho Atreus pelos Nove Reinos. No primeiro jogo os dois são perseguidos por Balder, no segundo jogo eles têm que impedir a conspiração de Odin.

            Em God of War (2018) as valquírias foram corrompidas por Odin, por desobedecerem ao mesmo, então ele as enfeitiçou e as aprisionou pelos reinos. Assim, ao todo existem nove valquírias que representam desafios de combate para Kratos e Atreus, sendo inimigas opcionais. Mas além de serem adversárias difíceis de serem derrotadas, o que chama atenção é o visual estranho delas, as quais são representadas usando armaduras, tendo asas de ferro, e usando elmos e máscaras sombrios. Cada valquíria possui traje e máscara diferentes, como forma de identifica-las. Além disso, elas são mulheres mais altas do que o normal, possuem força e agilidade sobre-humanas e sabem usar magia. (DENNIS, 2023).

  

Figura 13: Arte conceitual de uma valquíria em God of War (2018).

 

            No primeiro jogo as valquírias são inimigas de Kratos e Atreus, mas em God of War Ragnarök (2022) isso mudou. Graças aos dois entrarem em conflito contra Odin e receberem o apoio de Freya (chamada de “rainha das valquírias”), as mesmas se tornaram aliadas. Os conflitos anteriores são reduzidos. E durante o Ragnarök, se pode ver valquírias lutando como aliadas de Kratos. Mas outra mudança vinda com esse jogo ocorreu em sua DLC lançada em 2023, a qual apresenta Valhala.

            Nessa DLC, acompanhamos Kratos dessa vez viajando sozinho até a ilha de Valhala, pois diferente da mitologia nórdica cujo local é o salão de Odin, neste jogo trata-se de uma misteriosa ilha cercada por um nevoeiro, a qual consiste num campo de provação, onde os guerreiros enfrentam uma série de combates baseados em seu presente e passado para serem testados. As valquírias aparecem nessa ilha como guardiãs, instruindo Kratos sobre o lugar. Além disso, Freyja é retratada como a comandante das valquírias, tornando-se uma deusa guerreira.

 

Figura 14: Cena de God of War Ragnarök: Valhalla (2023), mostrando Kratos conversando com Freya, Mimir e algumas valquírias na ilha de Valhala.

 

Padrão japonês

             Diferente do padrão americano, o caso japonês começou a investir em valquírias mais de vinte anos depois. E curiosamente isso começou a despontar nos videogames e depois migrou para os mangás, seguindo um caminho inverso ao visto nos Estados Unidos. Assim, devido à popularidade dos videogames na segunda metade da década de 1980, quando consoles da Nintendo e da Sega superaram o domínio do Atari, além da condição de que a maioria das desenvolvedoras de jogos eletrônicos eram empresas japonesas, isso contribuiu para a efetivação da indústria de videogames que crescia a cada ano, além de que com a ampliação dos consoles domésticos gerou também o aumento por mais produtos, consequentemente as empresas passaram a buscar temas para além da cultura japonesa e americana (seus principais mercados consumidores) como forma de atrair consumidores. (WOLF, 2008).

Dessa forma, a temática da mitologia nórdica que aparecia irregularmente em jogos de RPG (role playing game), começou a chamar a atenção de algumas empresas japonesas como a Namco e a Square Enix. Além disso, como será visto, as valquírias na cultura pop japonesa tendem a ter pouca variedade visual de representações, além de serem retratadas não apenas como guerreiras, mas como as responsáveis por recolher as almas dos guerreiros mortos, característica deixada de lado nos quadrinhos da Marvel.

Valkyrie da Namco (1986-1989)

             No ano de 1986 a desenvolvedora de videogames Namco lançou exclusivamente no Japão o Valkyrie no Bōken: Toki no Kagi Densetsu, para o NES (Nintendo Entertainment System), um jogo de RPG que se passa na fictícia Marvel Land, na qual jogamos como uma valquíria em sua missão de derrotar o vilão Zouna e restaurar a paz naquele mundo. Por se tratar de um jogo de gráficos simples como era o padrão da década de 1980, a trama é pouco desenvolvida, além de que mal explora-se a mitologia nórdica, apesar disso, é o primeiro jogo conhecido a se ter uma valquíria como protagonista.

            Assim, por se tratar de um RPG de ação-aventura, a valquíria é uma guerreira que atua como defensora da Marvel Land. Isso se torna nítido nas ilustrações do jogo, em que vemos uma mulher loura e branca, usando um elmo com grandes asas, armadura sobre um vestido branco, botas, e armada com espada e escudo. Um visual inspirado na ópera wagneriana claramente.

 


 Figura 15: Capa do jogo Valkyrie no Boken (1986).

             Com o relativo sucesso desse jogo a Namco lançou em 1989 uma continuação intitulada Valkyrie no Densetsu, a qual foi posteriormente traduzida para o inglês com o título de The Legend of Valkyrie. Neste jogo que segue a premissa do anterior, retornamos a Marvel Land em nova missão da valquíria heroína para protege-lo.

            Outro aspecto a ser comentado é que a Namco não voltou a produzir outros jogos sobre valquírias, porém, passou a usar a personagem em alguns jogos da franquia de JRPG Tales of (1995-2021) como Tales of Phantasia (1995), Tales of Destiny (1997) e Tales of Eternia (2000). Entretanto, nesses jogos a valquíria é apenas uma figurante ou uma inimiga. Apesar disso, o visual estabelecido nos jogos anteriores foi mantido

Figura 16: Cena do jogo Tales of Phantasia (1995) mostrando a Valquíria.

 

Valkyrie Profile (1999-2022)

             O visual das valquírias estabelecido pela Namco nos anos 1980 tornou-se um padrão no Japão, fato esse que outros jogos da empresa o mantiveram e, por sua vez, outras empresas também se inspiraram nele. Assim, no final da década de 1990 a Square Enix lançou para PS1 um JRPG de turnos intitulado Valkyrie Profile (1999). Nesse jogo livremente inspirado na mitologia nórdica, jogamos com uma valquíria chamada Lenneth a qual é incumbida por Odin de viajar para Midgard e recrutar einherjar. Lenneth possui um prazo de tantos dias para fazer isso, pois o rei dos deuses precisa de um exército para o vindouro Ragnarök.

            Dessa forma, além de se jogar com Lenneth, é possível jogar com vários outros personagens que acabaram morrendo, mas cujos espíritos se tornaram einherjar, sendo treinados em batalhas por Midgard, antes de serem enviados à Asgard. Além dessa missão, à medida que o jogo progride, Lenneth vai descobrindo que existe algo a mais que Odin e os outros deuses não contaram a ela.

            Neste jogo a principal valquíria é Lenneth, a qual é retratada como tendo longos cabelos cinzentos, além de usar uma armadura, saia longa, botas, espada e um elmo com asas. O visual de Lenneth é bastante inspirado no modelo desenvolvido pela Namco. Além disso, nesse jogo ela mantém sua função original de valquíria, em ser aquela que escolhe os mortos, já que a missão de Lenneth é recrutar guerreiros dignos de serem os einherjar de Odin.

 


Figura 17: Arte conceitual de Valkyrie Profile: Lenneth (2006) versão remasterizada do original.

             Apesar do relativo sucesso na época, por se tratar de um jogo de difícil, a Square Enix demorou alguns anos para lançar uma continuação, a qual foi intitulada Valkyrie Profile 2: Silmeria (2006). Nesse jogo somos apresentados a outros deuses e valquírias, dessa vez, a protagonista é a jovem valquíria Silmeria, irmã mais nova de Lenneth, a qual por desobedecer Odin, foi punida a possuir o corpo de uma humana, a princesa Alicia.  Assim, ambas iniciam uma jornada para conseguir libertar Silmeria. Eventualmente isso as colocará em confronto com as demais valquírias e os deuses.

            Com o sucesso da franquia um mangá resumindo o primeiro jogo foi lançado, além de outros jogos também foram lançados, sendo o mais recente Valkyrie Elysium (2022. Neste jogo, acompanhamos a valquíria Nora em sua missão de recrutar einherjar, mas novamente ela acaba tendo problemas com outras valquírias e os deuses. No entanto, além da mudança de jogabilidade, a qual passou para um RPG de ação-aventura, nota-se que o visual das valquírias também mudou. Outras valquírias ainda conservam suas armaduras pesadas e elmos com asas, mas Nora agora não utiliza mais um elmo, mas uma tiara com penas, além de que seu traje embora consista numa armadura sobre um vestido, apresenta contornos mais sensuais.

 

Figura 18: Nora e seus aliados em cena de Valkyrie Elysium (2022).

 Odin Sphere (2003)

             Lançado em 2003 pela Vanillaware e a Atlus, esse JRPG de ação-aventura se passa num mundo fictício inspirado na mitologia nórdica, onde jogamos com cinco personagens. O primeiro deles é uma princesa chamada Gwendolyn, filha do Lorde Demônio Odin, o qual planeja dominar o mundo. Neste caso, Gwendolyn decide ir para a batalha para investigar a morte da sua irmã Griselda e depois procurar pelo seu marido Oswald, o qual estava desaparecido. Eventualmente ela vem a descobrir a respeito do passado de seu pai e de sua vilania.

            Mas além de Gwendolyn e de Griselda, o jogo conta com outras valquírias, as quais atuam como guerreiras de Odin, protegendo sua cidade e executando suas ordens pelos outros cantos do mundo. No entanto, todas as valquírias possuem o mesmo visual: um corpete, saia curta com asas que permitem elas planarem, botas de cano longo, uma tiara com penas e uma lança.


 
Figura 19: Action figure da valquíria Gwendolyn de Odin Sphere (2003).

 

A roupa das valquírias desse jogo é algo bem diferente vista em outras produções japonesas e até americanas, pois seu traje lembra um vestido de balé com adornos, diferente das habituais armaduras que estamos acostumados. Além disso, as valquírias nesse jogo não apresentam um aspecto sensual, algo visto em algumas hqs americanas, mangás e jogos japoneses, o que novamente as coloca fora dos padrões.

 Vinland Saga (2005-presente)

             O caso de Vinland Saga é bastante pontual. Esse mangá criado por Makoto Yukimura está a anos em produção, ainda sem previsão de conclusão. A trama é bastante realista e baseada em alguns fatos históricos envolvendo a morte do rei Sueno Barba-Bifurcada e o início do reinado de Canuto, o Grande. A narrativa acompanha a vingança e depois redenção de Thorfinn Thorson, o qual viaja pela Islândia, França, Inglaterra e outros lugares.

            Entretanto, no capítulo 21 (episódio 11 do anime) quando alguns guerreiros comentam sobre a perspectiva de poderem morrer nas próximas batalhas, alguns falam que estavam esperançosos de que as valquírias os notassem para conduzir suas almas a Valhala. Assim, neste momento temos representações delas, atuando como seres espirituais que recolhem as almas dos guerreiros mortos. Em termos visuais nota-se semelhanças do traje delas com o primeiro jogo de Valkyrie Profile, mas sobretudo com a ópera wagneriana.

 

Figura 20: Cena do anime Vinland Saga (2019), episódio 11, mostrando duas valquírias.

 

            Na cena em questão que pode ser vista na imagem acima, nota-se duas valquírias louras, usando couraça de ferro sobre vestidos brancos, mas elas estão descalças, um diferencial não visto em outras produções. Seus elmos possuem longas asas brancas. Além disso, ambas estão carregando espada embainhadas, enquanto uma segura uma espada e a outra leva um escudo. Tais armas reforças a condição de elas serem vistas como guerreiras, aspecto marcante na representação das valquírias.

 

Record of Ragnarok (2017-presente)

             Neste mangá escrito por Shinya Umemura e Takumi Fukui, e ilustrado por Ajichika, acompanhamos a valquíria Brunhilde recrutando guerreiros humanos para participar do Ragnarök, a grande batalha que decidirá o futuro da humanidade. Os deuses de diferentes lugares estão indignados e descrentes com a humanidade e pretendem exterminá-la, porém, para evitar a destruição final, os humanos devem escolher os melhores guerreiros do presente e do passado e vencer os deuses em duelos.

            Embora o mangá se chame em inglês Record of Ragnarok, seu título original é Shūmatsu no Warukyūre, que significa “Valquírias do Fim”, uma referência a Brunhilde, a mais velha das valquírias, a qual propôs aquele torneio de lutas para garantir uma segunda chance a humanidade, além de tentar se vingar de alguns deuses.

            Além de Brunhilde o mangá informa que existem outras doze valquírias, todas são irmãs, embora nem todas apareceram ainda. As outras valquírias inclusive possuem trajes diversos que vão desde roupas comuns usadas no dia a dia, passando por belos vestidos, além de terem cabelos de diferentes cores, não sendo normalmente louras. Além disso, elas no geral são personagens cômicas, algo diferente de visto em outras produções, nas quais elas aparecem mais sérias e dramáticas.

Curiosamente elas não aparecem trajando armaduras e nem portando armas. Além disso, algumas das valquírias são sensuais, enquanto outras possuem a aparência de adolescentes infantilizadas. Todavia, quanto a principal valquíria, a Brunhilde seu visual apresenta-a usando um adorno com penas sobre a orelha esquerda, braçadeiras pretas e um elegante vestido branco.

 

 


Figura 21: Cena do anime Record of Ragnarok (2021), mostrando as valquírias Brunhilde e Göll.

 

 Yu-Gi-Oh! Shadows of Valhalla (2018)

             No ano de 2018 foi lançado o deque de cartas Shadows of Valhalla da franquia Yu-Gi-Oh!, famosa pelos jogos de cartas e seus animes e jogos de videogame. Neste deque somos apresentados a cartas baseadas na mitologia nórdica, havendo inclusive várias cartas referentes as valquírias.

 


 
Figura 22: Algumas cartas de valquírias no jogo Yu-Gi-Oh! Shadows of Valhalla (2018).

 

Nesse jogo nota-se um visual variado das valquírias em que elas aparecem algumas com asas, outas usando capas, outras possuem elmos com asas ou usam tiaras com asas. A cor de seus cabelos também muda, além de que suas armaduras também possuem estilos diferentes, desde armaduras mais pesadas até armaduras leves e com traços sensuais, como na carta do meio. O interessante desse jogo de cartas é que as ilustrações das valquírias combinam vários referenciais do padrão japonês visto nas últimas décadas.

 

Considerações finais

             Embora existam outros exemplos de valquírias na cultura pop americana e japonesa, optei pelos mais conhecidos e marcantes, os quais nos fornecem dados que podemos utilizar nesse simples estudo sobre as representações imagéticas acerca das valquírias na cultura pop contemporânea.

Assim, é perceptível que no padrão americano destaca-se bastante as valquírias desenvolvidas nos quadrinhos, primeiro na obra de Príncipe Valente, mas efetivamente nos quadrinhos da Marvel, que consequentemente foram para seus jogos de videogame e filmes. Essas valquírias embora sejam ditas serem protetoras de Valhala, no entanto, com o tempo elas se tornaram diferentes grupos de heroínas, havendo várias formações de valquírias nos quadrinhos. Soma-se a isso a condição de que as personagens deixaram de ter um visual baseado no modelo romântico do XIX e adotaram cada vez mais trajes que seguem o padrão dos uniformes de super-heróis, o que implica em roupas mais contemporâneas (o que inclui até trajes sensuais), apesar que em alguns casos encontramos elas ainda usando elmos e capas, referências ao padrão antigo.

Essa mudança no visual das valquírias na Marvel segue o desenvolvimento das hqs em atualizar o visual de seus personagens (aparência, cortes de cabelo, trajes, costumes, comportamentos etc.) conforme a época que as revistas eram escritas. Basta observar personagens icônicos como o Batman, cujo traje mudou bastante em oito décadas, além de alguns aspectos de sua moralidade, comportamento, opiniões e relacionamentos, o que inclui outros personagens e vilões importantes da sua franquia. (NOVA, 2022).

Além disso, inclui-se o elemento de ficção científica cada vez mais recorrente em várias produções, por conta disso, nota-se que os trajes das valquírias da Marvel se antes era associado com vestidos, hoje basicamente elas usam calças, as vezes saias curtas e colantes.

No entanto, fora das produções do Universo Marvel percebe-se que as valquírias ainda mantiveram características associadas com o visual romântico das óperas do XIX, algo visto no jogo Age of Mythology. Entretanto, a Valéria do filme Conan, o Bárbaro (1982), apesar de conservar aspectos desse visual romântico, ela já apresenta aspectos sensuais, inspirados no próprio universo literário de Conan, em que as mulheres que acompanham o cimério sempre são belas, sensuais e usam pouca roupa. Ou seja, o filme apenas representou essa perspectiva já existente nos contos e novelas escritos por Howard desde a década de 1930.

Todavia, nos jogos de God of War, as valquírias apresentam um visual bastante único, elas trajam armaduras pesadas, possuem asas de ferro e usam máscaras sombrias, algumas até extravagantes. Isso se deve por conta da ambientação sombria e violenta da franquia, além de algumas mudanças da empresa também, o Santa Monica Studios. Para se ter ideia, os dois jogos mais recentes da franquia removeram os elementos eróticos que costumavam aparecer nos jogos anteriores, reflexo da mudança do caráter do personagem e das relações públicas da empresa, influenciada pela conjectura social e moral mais recentes quanto a sexualização das mulheres. (GARCIA, 2018). É bem provável que se a saga nórdica de God of War tivesse sido lançada nos anos 2000, as valquírias teriam um visual completamente diferente, inclusive mais sensual, tendo como base o histórico dos jogos daquele período.

Por sua vez, o padrão japonês nos apresenta valquírias mais próximas do modelo romântico do XIX e começo do XX, algo visto principalmente nos jogos de videogame como Valkyrie da Namco e na franquia Valkyrie Profile, apesar deque nessa série de jogos, a produção mais recente já traga Nora não usando mais elmo com asas e uma armadura mais modernizada além de alguns traços sensuais.

No tocante a sexualização das valquírias, o mercado japonês ainda se sobressai em relação ao mercado americano de entretenimento. Valkyrie Elysium, Record of Ragnarok, as cartas de Yu-Gi-Oh!, temos a presença de valquírias sensuais. Embora em outros países do mundo críticas ao sexismo de personagens femininas tenha aumentado a ponto de se alterar a forma como isso é retratado na cultura pop, diminuindo a exposição das personagens. No Japão, nos deparamos com uma situação mais complexa. A cultura pop japonesa em especial no âmbito dos mangás, animes e videogames é conhecida a décadas por possuir apelo sexual, havendo inclusive todo um ramo pornográfico e erótico dedicado a isso dentro dessas mídias. (FERREIRA, 2021).

Sendo assim, a presença de valquírias sensualizadas não é algo incomum no padrão japonês, porém, ressalvamos que curiosamente é uma condição até pouco explorada, o motivo ainda não é conhecido, o que demandaria uma pesquisa a respeito para se averiguar porque as valquírias na cultura pop japonesa não são tão sensualizadas como outros de tipos de personagens femininas como guerreiras, lutadoras, feiticeiras, bruxas, estudantes, empregadas domésticas, garçonetes, sereias etc.

Entretanto, o visual das valquírias em Vinland Saga ainda conserva o modelo romântico, somente atualizando a estética das armaduras em alguns casos. Já no jogo Odin Sphere temos outro caso com um visual singular, as valquírias usam trajes parecidos com o de bailarinas, e a conotação sexista não é destaque, apesar que neste jogo existam personagens sensuais. Todavia, a produção optou em não transpassar tais características as suas valquírias.

No entanto, é preciso salientar que no padrão japonês é comum notar as valquírias em alguns jogos e desenhos sendo retratadas como aquelas incumbidas de escolher as almas dos guerreiros mortos e leva-los ao Valhala. Algo apresentado nos livros de Kate O’Hearn, mas ausente nas produções da Marvel, embora seja mencionado em alguns jogos.

Por fim, percebe-se que as representações contemporâneas das valquírias na cultura pop destacam bastante o aspecto como guerreiras, destacando-as como mulheres valentes, fortes, as vezes temperamentais e até irônicas (algo visto com a Valquíria da Marvel e em Record of Ragnarok), além da função delas como guia dos mortos (principalmente visto na franquia Valkyrie Profile e nos livros Valkyrie). Por outro lado, também encontramos produções que exploram a sensualidade das personagens ou as retratam de forma mais sombria e dramática.

 

Fontes iconográficas:

Pedra gravada Lillbjärs III. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:G_268_Stenkyrka_Lillbj%C3%A4rs_III.jpg.

Pedra gravada Tjängvide. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Tj%C3%A4ngvide_image_stone.

 

Referências

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ALBUQUERQUE, Mauricio da Cunha. Por Trás da Capa e da Espada: o neomedievalismo em “Príncipe Valente” (1939–1940), de Hal Foster. 2019. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Pelotas.

DAVIDSON, Hilda E. R. Myths and symbols in pagan Europe: early Scandinavian and celtic religions. Syracuse: Syracuse University Press, 1988.

FERREIRA, Junia Eloize Muniz. A influência do sexismo da cultura pop na objetificação da mulher e as políticas públicas para a prevenção: o caso das revistas em quadrinhos. In: ALMEIDA, Flávio Aparecido de. (org.). Políticas públicas, educação e diversidade: uma compreensão científica do real, vol. 3. Guarujá: Editora Científica, 2021, p. 67-84.

JACOBS, Will; JONES, Gerard. The Comic Book Heroes: From the Silver Age to the Present. New York: Crown Publishing Group, 1985.

LANGER, Johnni; NEIVA, Weber. Valquírias versus gigantas: modelos marciais femininos na mitologia escandinava. Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano V, n. 13, maio 2012.

LJØGODT, Knut. Northern Gods in Marble: the Romantic Rediscovery of Norse Mythology. Romantik, v. 1, n. 1, 2012.

MORREALL, John; SONN, Tamara Sonn. The Religion Toolkit: A Complete Guide to Religious Studies. London: Wiley-Blackwell, 2011.

OLIVEIRA, Leandro Vilar. Thor – do mito a super-herói: A reinvenção moderna do deus nórdico do trovão. História, Imagem e Narrativas, n. 18, abril de 2014.

SIMEK, Rudolf. Dictionary of Northern Mythology. London: D.S. Brewer, 2007.

WOLF, Mark J. P. The video game explosion: a history from PONG to Playstation and beyond. Santa Barbara: ABC-Clio, 2008.

 

Referências da internet

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GARCIA, Tayná. Cory Barlog explica por que God of War deixou de lado o apelo sexual da franquia. Disponível em: https://jovemnerd.com.br/noticias/games/cory-barlog-explica-por-que-god-of-war-deixou-de-lado-o-apelo-sexual-da-franquia.

NOVA, Daniel Vila. As configurações dos personagens foram atualizadas. Disponível em: https://gamarevista.uol.com.br/semana/qual-sua-hq-favorita/como-os-quadrinhos-se-adaptam-aos-tempos-atuais/.

 

Referências da cultura pop:

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The Legend of Valkyrie. Disponível em: https://www.arcade-museum.com/Videogame/legend-of-the-valkyrie.

Valeria – Conan the Barbarian. Disponível em: https://conan.fandom.com/wiki/Valeria.

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Valkyrie – Kate O’Hearn. Disponível em: https://www.goodreads.com/series/114441-valkyrie.

Valkyrie Profile: Lenneth. Disponível em: http://www.valkyrieprofile.com/LENNETH/

Vinland Saga: Capítulo 21. Disponível em: https://vinlandsaga.fandom.com/wiki/Chapter_21.

Yu-Gi-Oh! Shadows of Valhalla. Disponível em: https://yugioh.fandom.com/wiki/Shadows_in_Valhalla. 

 

Referências das pinturas citadas:

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BISSEN, Herman Wilhelm. A valquíria. Estátua, 1835. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Valkyrie#/media/File:Valkyrie_(1834-1835)_by_H._W._Bissen.jpg.

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FREUND, Hermanm Ernst. O Friso do Ragnarök. Escultura, 1827. Disponível em: https://www.germanicmythology.com/works/FreundRagnarokFrieze.html.

FREUND, Hermanm Ernst. Mimir e Balder diante das Nornas. Escultura, 1822. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Mimir_and_Balder_Consult_the_Norns#/media/File:Mimer_og_Balder_r%C3%A5dsp%C3%B8rger_nornerne.jpg.

FRØLICH, Lorenz. As valquírias. Ilustração, 1895. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Valqu%C3%ADrias#/media/Ficheiro:Hild,_Thrud_and_Hl%C3%B8kk_by_Fr%C3%B8lich.jpg.

LEEKE, Ferdinand. As valquírias. Pintura, 1870. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Ferdinand_Leeke_-_The_Valkyries,_1870.jpg.

MAUD, William T. A cavalgada das valquírias. Pintura, 1890. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Paintings_of_valkyries#/media/File:The_Ride_of_the_Valkyries_by_William_T._Maud.jpg.

SANDBERG, Johan Gustaf. A cavalgada das valquírias. Pintura, 1818. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Johan_Gustaf_Sandberg#/media/File:Valkyriornas_ritt_(1818)_av_Johan_Gustaf_Sandberg.jpg.