sábado, 26 de outubro de 2019

Traduções e esoterismo na Mitologia Nórdica: alguns cuidados







TRADUÇÕES E ESOTERISMO NA MITOLOGIA NÓRDICA: ALGUNS CUIDADOS



Prof. Dr. Johnni Langer (NEVE/UFPB)

johnnilanger@yahoo.com.br




O Brasil tem avançado largamente na área dos estudos nórdicos. A cada dia percebemos a inclusão de novos pesquisadores e temas de pesquisa entre as universidades, o surgimento de eventos, publicações e atividades que auxiliam o crescimento da Escandinavística. Porém, isso não significa que a área não tenha diversos problemas e questões, uma delas é o acesso às fontes e bibliografia, ainda extremamente carentes em língua portuguesa. Isso acaba levando diversas pessoas à consultar traduções disponíveis na internet, sem maiores cuidados, e a também o acesso a obras de caráter duvidoso. O objetivo deste pequeno ensaio é discutir esse problema, apontando algumas alternativas viáveis aos interessados.


Infelizmente o nosso país não possui as traduções completas da Edda Poética e em Prosa. Apesar de já existirem traduções acadêmicas de alguns poemas éddicos em português (Hávamál, Vǫluspá, Grímnismál, Baldrs Draumar, Þrymskviða), muitos estudantes acabam recorrendo a trabalhos disponíveis na internet sem qualquer tipo de metodologia e vinculados à sites desprovidos de qualificação científica (em páginas e portais neopagãos, esotéricos ou de popularização). Alguns destes trabalhos aparentam ou são caracterizados como tendo sido traduzidos diretamente dos textos em islandês antigo, mas na realidade são traduções do inglês e espanhol. Em alguns eventos acadêmicos, trabalhos de conclusão de curso e até mesmo em dissertações de mestrado, estão sendo utilizados estes textos. Eles apresentam o problema de não terem recebido nenhum tipo de teoria, metodologia e instrumentos das traduções, além de algum tipo de parecer ou avaliação (visto que não foram publicados em periódicos) e contém uma forte carga confessional, visto que foram realizados por adeptos de movimentos neopagãos, diletantes ou entusiastas, o que pode comprometer o resultado final das traduções e por consequência, a qualidade das pesquisas em que eles forem utilizados e citados.

A Edda em Prosa está atualmente sendo utilizada como tema em um mestrado em estudos de tradução no Brasil e logo estará disponível online.


O cuidado com as fontes primárias é necessário a todo pesquisador da Mitologia Nórdica, provindo de qualquer área das Ciências Humanas. Caso ele não domine a leitura do inglês – primordial aos estudos nórdicos – recomendamos o acesso às excelentes traduções hispânicas de Luis Lerate, tanto para as duas Eddas quanto para várias poesias escáldicas. Com a dedicação e o estudo, o pesquisador iniciante pode consultar textos mais sofisticados com o avanço de suas leituras, como os de Ursula Dronke ao inglês.


Outro problema é a recorrente citação de uma autora esotérica, Mirella Faur (especialmente o seu livro Mistérios Nórdicos). Sua obra apresenta fartos problemas interpretativos e tendenciosos, invalidando o seu uso como referencial analítico ou como bibliografia secundária. É inconcebível que algumas recentes dissertações de mestrado estão utilizando amplamente a sua obra, no tocante aos estudos de Mitologia Nórdica. Já apresentamos anteriormente algumas análises críticas sobre seus livros (Runas e magia). Mais recentemente tem surgido outros autores da mesma tendência, como Rejanilton Lopes (no livro Simbologia nórdica ou nas dezenas de títulos sobre runas e runologia). Elas são obras legítimas de um ponto de vista da crença, do mesmo modo que qualquer tipo de manifestação religiosa ou esotérica, mas não possuem uma estrutura que as ratifique enquanto análise cientifica da Mitologia Nórdica (e muitas vezes nem foram criadas com essa intenção) e seu uso na academia de maneira geral.


O jovem pesquisador acadêmico deve ter consciência das limitações do campo em nosso país e procurar estar inserido em redes de intercâmbio (como o grupo NEVE no facebook), permitindo a troca de ideias, bibliografias, discussões metodológicas e apoio. Muitas vezes isolado e sem contato com outros pesquisadores, o iniciante pode acabar comprometendo a qualidade de sua pesquisa – por simples desconhecimento bibliográfico (como os apontados) - acessando sem maiores cuidados qualquer tipo de texto ou publicação pela internet.




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