terça-feira, 3 de agosto de 2021

"MULHER" COM ARMAMENTO? ESCLARECIMENTO DO NEVE SOBRE O TÚMULO FINLANDÊS DE SUONTAKA

 


Várias traduções e matérias na internet vem propagando um estudo que foi publicado recentemente pelo European Journal of Archaeology e que vem causando muita polêmica: A Woman with a Sword? – Weapon Grave at Suontaka Vesitorninmäki, Finland. A sepultura foi descoberta em 1968 junto a armas e broches, o que levou alguns a acreditarem que teria sido o enterro de uma mulher poderosa no início da Finlândia medieval. Outros questionam o enterro original junto com a  espada e interpretam como sendo um enterro duplo (o armamento foi inserido posteriormente). 

Agora, novas análises do contexto, solo e DNA levaram novos pesquisadores a apresentarem outra análise: o sepultamento pertenceu a uma pessoa com Síndrome de Klinefelter (um tipo de anomalia cromossômica, onde o indivíduo possui três cromossomos sexuais, XXY, ele é do sexo masculino, porém seus órgãos sexuais são pouco desenvolvidos e não produzem espermatozoides e suas mamas podem apresentar um grande crescimento). O estudo apresenta também o contexto que o indivíduo enterrado foi de uma pessoa muito respeitada e que possivelmente sua identidade de gênero pode não ter sido binária (ou seja, considerado necessariamente homem ou mulher). 

Os autores afirmam em sua conclusão que mesmo no início da Finlândia medieval, muitas vezes considerada uma sociedade puramente masculina e guerreira, pode ter ocorrido indivíduos que não se encaixavam em um modelo de gênero binário. Eles também podem ter sido respeitados e considerados muito importantes, e suas identidades de gênero podem ser lembradas no conteúdo de seus sepultamentos. 

Este estudo vem sendo interpretado e divulgado de forma um tanto equivocada, o que levou uma das autoras (Ulla Moilanen) a postar em sua conta no Facebook: "NÃO estamos dizendo que o indivíduo era hermafrodita, homossexual ou mesmo intersexual. Estamos dizendo que sexo é diferente de gênero. Independentemente da aparência anatômica, essa pessoa (assim como qualquer outra pessoa que viveu em qualquer época) poderia ter se identificado em qualquer lugar no espectro de gênero. No entanto, as identidades de gênero podem não ter sido escolhas pessoais como hoje, mas criadas pela sociedade de formas complexas. A combinação do simbolismo feminino e masculino nos túmulos da Idade Média (e não apenas deste período) podem sugerir que precisamos reconsiderar como o gênero era compreendido e construído nas comunidades medievais, pois parece que pode ter havido casos em que os ideais ´tradicionais´ não eram seguidos". 

Podemos concluir que as identidades de gênero são complexas e, mesmo em sociedades medievais onde sempre se acreditou que os papéis sexuais eram idênticos aos de gênero, na prática apresentam uma grande fluidez que merece atenção e ainda, precisa ser mais estudada, sem análises apressadas. 

O NEVE realizará um vídeo sobre o tema em seu canal no Youtube, a ser divulgado em breve.