Montagem fotográfica do monólito frontal do sítio neolítico de Newgrange, Irlanda, com a foto do sol penetrando na câmara interior do mesmo monumento, durante o solstício. Fenômenos astronômicos foram importantes para a determinação de calendários entre todos os povos europeus pré-cristãos.
CALENDÁRIOS E FESTIVAIS SAZONAIS ENTRE CELTAS E NÓRDICOS
Susan Sanae Tsugami
Mestranda em Ciências das Religiões pela UFPB
Membro do NEVE
Festivais
sazonais aconteciam em momentos específicos do ano, relacionados ao movimento
do sol e acontecimentos astronômicos como solstícios e equinócios. Os fenômenos
celestes eram extremamente relevantes na vida dos povos Europeus da
Antiguidade. Langer (2017) compreende que, para os povos neolíticos, germanos,
celtas, eslavos e habitantes do Mediterrâneo pré-clássico, o céu propiciava não
só a regulamentação do calendário, como também que os movimentos do Sol e da
Lua orientavam a sazonalidade agrícola.
Os
povos celtas, germanos e escandinavos, segundo Davidson (1988), possuíam
rituais regulares e organizados, para renovar a comunicação com o mundo
sobrenatural, ou seja, era um aspecto importante para o entendimento desses
povos e para a manutenção da interação com o Outro Mundo. As datas festivas,
assim, incluíam algumas práticas como, por exemplo, consagração de cerveja ou
hidromel (bebida produzida a partir da fermentação do mel), dedicado aos deuses
de maior importância, assim como a realização de sacrifícios de animais
relacionados às divindades. Era costume oferendar saques coletados nas
batalhas, animais sagrados, parte da colheita e demais alimentos e objetos para
as deidades como forma de agradecimento.
Outras
práticas ritualísticas também poderiam ser realizadas nessas épocas, como os
rituais de sacrifícios, em ocasiões especiais, a exemplo da chegada a algum
lugar sagrado, da mudança para uma nova moradia, da vitória nas batalhas, da
abertura de assembleia ou da morte de reis.
Os
rituais são representações simbólicas, são momentos por meio dos quais os seres
humanos e as divindades podem se encontrar e, portanto, são elementos
imprescindíveis para que o processo de comunicação entre os dois mundos obtenha
sua eficácia. Além disso, os rituais devem, necessariamente, se referir ao
universo semântico que se conhece através dos mitos.
O
ritual está relacionado aos fenômenos de comunicação, se diferindo dos mitos,
entendido como parte de uma outra categoria, já que se trata de uma ferramenta
para entrar em contato com o Outro Mundo. Uma hipótese a partir da qual
chegamos a tal afirmação é a de que, provavelmente, o rito tenha precedido o
mito, sendo este último compreendido com a funcionalidade de explicar,
ritualizar e obter, uma vez que a comunicação que o ritual procura estabelecer
inclui, sempre, uma tentativa de manipular os atores do Outro Mundo; os seres
humanos precisam da intercessão desses seres/deidades para obter alguma coisa,
vitória na batalha, bom tempo, boa colheita e o conhecimento do Outro Mundo.
(SCHJØDT, 2008, p. 69).
Os festivais, então, para Davidson
(1988), eram momentos ritualísticos e já estavam sendo realizados desde antes
do uso formal de calendários. Ainda assim, a autora afirma que os celtas da
Gália elaboraram um calendário, chamado de “The
Coligny Calendar”, com datação que remete à idade do bronze (achado na
França em 1897); retrata cinco anos solares de doze meses, com dois meses
adicionais para adaptar o ano lunar juntamente com o solar.
(The Coligny Calendar – calendário celta
lunisolar da Idade do Bronze, retirado de: http://www.bbc.co.uk/guides/ztg87hv)
Antes
do uso do calendário, a autora explica que os festivais eram momentos
importantes para os guerreiros, fazendeiros, caçadores, pescadores e pastores.
Os Celtas e Germanos usavam a orientação do “meio ano” como unidade básica do
tempo. Na Islândia, essa referência era o verão e o inverno; cada uma dessas
temporadas possuíam vinte e seis semanas de duração, e o início de cada uma era
marcado por um banquete e um ritual religioso, contudo, a passagem do tempo era
contada por invernos e noites.
No
decorrer do ano solar, os Celtas tinham três festivais significativos, Samain, Beltaine e Lugnasad. Um
quarto festival Imbolc, para os
autores Le Roux e Guyonvarc’h (1999), não é considerado de importância muito
significativa, pois há poucos documentos nos quais seu nome aparece.
A
primeira data festiva é o 1º de novembro, conhecido como Samain/Samhaine os autores explicam que esta data especificamente é
a festa mais importante para os celtas. Marcava o começo do inverno e do ano,
ao mesmo tempo era uma recapitulação do verão. Segundo Davison (1988) Samain, provavelmente, significa “o fim
do verão”, nessa época, ocorriam sacrifícios de animais que não resistiriam ao
inverno. Esse festival era considerado como um período de perigo já que
representava o limiar entre as estações, o Outro Mundo estava aberto e os
mortos poderiam se encontrar com os vivos; diziam que era o começo do “The Adventures of Nera”: o monte das
fadas de Erin estava sempre aberto em Samain/Samhain.
Outro
festival importante era o Beltane/Beltaine/Beltine
ou C’etshamain data das grandes
assembleias druídicas, celebrado em 1º de maio no começo do verão. Powell
(1995) explica que essa data tinha como principal característica a importância
que se dava ao fogo, sendo grandes fogueiras acesas nessa festa. Mesmo após a
consolidação do cristianismo, continuaram as práticas de acender fogueiras e
vários outros ritos para a fertilidade, com a finalidade de se obter boa
colheita e proteção. Havia, também, mais dois outros festivais: um realizado em
1º de fevereiro (Imbolg), e outro, em
1º primeiro de agosto (Lughnasad).
O
Imbolg/Imbolc, também é considerado
uma festa importante, porém há poucos documentos nos quais seu nome aparece. Festejado
em fevereiro, estava associado à deusa Brigantia,
conhecida popularmente, após a consolidação cristã, como Sta. Brigit ou Santa Brígida.
Seu nome indica uma conexão com ordenhar, mas também possui uma associação
forte com a purificação. Em agosto, o Lughnasad/Lugsnasad,
possuía uma significação relativa às colheitas e, em períodos pré-cristãos,
estava conectado ao deus celta Lug.
(DAVIDSON, 1988, p. 39).
Sobre
os festivais sazonais nórdicos e germânicos, ainda a mesma autora esclarece que
o inverno, para os germanos, começava no que chamaríamos de outono, com o “winter nights”, em outubro, na Islândia,
possivelmente entre os dias 11 e 18, porém, devido a dificuldades e às
limitações das fontes, não se sabe uma data exata para a celebração dessa
festividade.
Em
abril, celebrava-se o equivalente ao verão como sumarmál, provavelmente entre os dias 9 à 15 de abril. Na Era
Viking, essa era a época para pedir boa sorte nas invasões e expedições, após o
período de recolhimento do inverno. Havia, também, o midwinter, conhecido como Yule
(Jól), que, depois, com o advento do
cristianismo, passou a ser ressignificado como o Natal e foi uma data extremamente
difundida como cristã, até os dias atuais. O Yule (Jól) era o momento
em que o solstício de inverno acontecia, quando pouco se podia fazer em
ambientes externos, devido ao frio rigoroso.
Tácito
(2010), em sua obra Germânia,
descreve que os germanos possuíam uma compreensão diferente em relação à
sazonalidade. Para eles, o ano se dividia em menos estações: o inverno, a
primavera e o verão. O outono, assim, era uma estação desconhecida para a
realidade deles.
Um
ponto semelhante à descrição de Tacitus, em relação à obra de Snorri Sturluson,
é que, na Ynglinga Saga (capítulo 8),
o autor menciona três principais festas na Escandinávia, antes da conversão
cristã: uma, no começo do inverno, quando haviam muitos sacrifícios; uma, para
o meio-inverno, para o crescimento das plantações, e uma, para o verão, para
sucesso e vitória nas expedições. Óðinn estabelece
a sucessão blóts, no Norte. Para o
inverno (ou seja, no outono), deve ser realizado um blót para a prosperidade; no midwinter
(meio do inverno), um para o crescimento do solo; no verão, um terceiro, que
seria o blót da vitória. Assim sendo,
há uma conexão com o ritmo do ano: a cerimônia de outono ocorreria após a
última safra, e os animais abatidos seriam aqueles que não deveriam sobreviver
ao inverno. O blót do meio do inverno
ocorreria depois que as noites mais longas acabassem e, então, seria celebrado
o renascimento da terra. A cerimônia de verão, se fosse de vitória, coincidiria
com a partida de navios em viagens de invasão (e, mais mundanas, viagens
comerciais). (LINDOW, 2001,
p. 35).
REFERÊNCIAS:
DAVIDSON, Hilda Roderick Ellis. Myths
and symbols in pagan Europe: early Scandinavian and Celtic religions. Syracuse
University Press, 1988
LANGER, Johnni.
Calendário e Contagem do Tempo. In: LANGER,
Johnni (org.). Dicionário de História e
Cultura da Era Viking. São
Paulo: Hedra, 2017, p.125-131.
LE ROUX, Fançoise;
GUYONVARC'H, Christian-J.; SOARES, Fernanda. A civilização Celta. Portugal: Publicação Europa-América,1999.
LINDOW, John. Norse Mythology:
A Guide to Gods, Heroes, Rituals, and Beliefs. Oxford University Press, 2001.
POWELL, T. G. E. The Celts. London:
Thames and Hudson Ltd, 1995.
SCHJØDT, Jens Peter. Initiation
between two worlds: Structure and symbolism in pre-Christian Scandinavian
religion. Syddansk
Universitetsforlag, 2008.
STURLUSSON, Snorri. La
saga de los Ynglingos. Miraguano Ediciones, 2012.
TACITUS. Agricola and Germania. Penguin UK, 2010.