Figura 3: Cena do poema Vaftrudnismál,
representando Odin e Vafthrúdnir durante sua conversa gnóstica. Ilustração de
Lorenz Frølich, 1895.
Mas além destes dois poemas, outros que
contem breves menções ao mito do Ragnarök, são o Baldrs Draumar (Sonho de Balder) e o Lokasenna (Escárnios de Loki). No Baldrs Draumar, o amado deus Balder está tendo pesadelos que
assinalam sua possível morte. Odin preocupado com o filho viaja a Hel, a fim de
consultar uma vidente a respeito da interpretação dos sonhos (onirologia) de
seu filho. No Ragnarök a morte de Balder é uma das profecias para desencadear a
guerra final.
Por sua vez, o poema Lokasenna narra o conturbado banquete
ocorrido na casa do gigante Égil, o qual convidou os deuses e os elfos, e
durante esse banquete Loki se pôs a afrontar, insultar e debochar dos deuses.
Em determinados momentos há referências à morte de Balder e o vindouro
Ragnarök.
No que se refere à segunda Edda, essa é
conhecida como Edda em Prosa, Edda Menor, Edda de Snorri, Edda Jovem,
etc. Também escrita no século XIII, sua autoria é creditada ao poeta e orador
das leis Snorri Sturluson (1179-1241), suposto autor de outros trabalhos como a
Heimskringla. Snorri teria escrito
seu livro na década de 1220, porém, os manuscritos conhecidos datam dos séculos
XIII, XIV e XV. (Figura 4).
Figura
4: Capa de uma versão da Edda em Prosa do século XVIII, conhecida como
manuscrito IB 299 4to, depositado no Icelandic National Library.
São conhecidos quatro manuscritos da Edda em Prosa, identificados como Codex Upsaliensis (o único que contém o
nome de Snorri como sendo o autor, e o mais antigo dos manuscritos), o Codex Trajectinus, o Codex Wormianus e o Codex Konungsbunus. Cada um destes manuscritos possuem algumas
variações no texto, mas não chegam ser tão marcantes para alterar a narrativa
em si.
A Edda
em Prosa é dividida em quatro partes: o prólogo, o qual alguns consideram
ter sido um acréscimo posterior, pois sua linguagem é diferente do restante da
obra, apresentando um pensamento evemerista e cristão do mundo, no qual
considerava que os deuses nórdicos eram falsas divindades, tendo na verdade
sido reis advindos de Troia, que migraram para o norte da Europa, e com o tempo
se tornaram mitos.
A segunda parte que é a mais importa é
chamada de Gylfaginning (Alucinações
de Gylfi), que a partir de uma conversa entre o rei Gylfi e três reis (que na
verdade trata-se de Odin disfarçado), Gylfi indaga a essas misteriosas figuras
acerca da história do mundo, com isso, cada um dos reis lhe narra a origem do
universo até o fim do Ragnarök. O
Gylfaginning consiste numa adaptação de vários mitos vistos também na Edda Poética, numa narrativa coesa e
contínua. Não obstante, há algumas narrativas mitológicas que estão apenas
presentes na obra de Snorri, além de que algumas informações e detalhes também
são exclusivos de seu livro.
A terceira parte é o Skáldskaparmál (Linguagem da Poesia),
que consiste num diálogo entre o gigante Égil e Bragi, o deus da poesia. Snorri
como era um poeta, ele procurou escrever uma espécie de manual de poesia para
instruir os novos poetas (skald) a
como compor poesia de base mitológica, daí ele apresenta no Skáldskaparmál e na quarta parte, o Háttatal (“Lista de versos”) instruções
sobre métrica, rimas, composições, etc.
Nomenclatura:
Para situar alguns leitores acerca do
nome de deuses, monstros e lugares que estão relacionados ao mito do Ragnarök,
aqui segue uma breve nomenclatura, com dados básicos.
·
Balder: filho de Odin e Frigga. Deus
conhecido por ser belo, inteligente, justo, honrado e sábio. É admirado pelos
deuses. Sua importância é somente encontrada nos mitos.
·
Bifrost: ponte em forma de arco-íris que
conecta Asgard (terra dos deuses) a Midgard (terra dos homens).
·
Fenrir: o lobo gigante filho de Loki e
Angrboda.
·
Freyr: filho de Njörd e irmão gêmeo de
Freyja. Freyr é o deus da caça e da fertilidade.
·
Garm: o cão de guarda de Hel.
·
Heimdall: deus que guarda Asgard e
sentinela da Bifrost.
·
Hel: Filha de Loki e Angrboda. É a deusa
dos mortos que vão para Hel.
·
Hoder: filho de Odin e Frigga. É o deus
cego.
·
Hrymir: gigante que comandará os
exércitos de Jotunheim (terra dos gigantes).
·
Jormungand: a Serpente de Midgard,
colossal criatura que habita os mares, circundando o mundo. É um dos três
filhos monstruosos de Loki e Angrboda.
·
Loki: o trickster da mitologia nórdica. É um gigante que vive entre os
deuses, que ora os ajuda ou ora os atrapalha e causa problemas.
·
Mimir: gigante conhecido por sua
sabedoria. Foi morto por Odin, porém, o deus lhe cortou sua cabeça e lhe
concedeu vida, para que assim pudesse conversar com Mimir e tomar conselhos.
·
Modi e Magni: filhos de Thor. Magni é
filho de Thor e a giganta Járnsaxa, porém, se desconhece a mãe de Modi.
·
Nagflar: navio feito com as unhas dos
mortos.
·
Odin: rei dos deuses, senhor da guerra,
um dos deuses dos mortos. Odin também está relacionado com a sabedoria e o
conhecimento rúnico.
·
Sól e Mani: deuses que representam o Sol
e a Lua.
·
Skoll e Hati: lobos gigantes filhos de
Fenrir.
·
Surt: gigante de fogo, senhor de
Mulspelheim.
·
Thor: filho de Odin e Jörd. É o deus do
trovão, raios, tempestades e chuvas. Campeão dos deuses e protetor dos homens.
·
Tyr: deus da guerra (apesar de que Odin
e Thor tivessem mais significância religiosa para a guerra do que ele).
Conhecido por sua bravura e honra. Perdeu a mão direita para Fenrir.
·
Valhala: literalmente o “salão dos
mortos”, é um dos salões de Asgard, morada de Odin, e para onde vão os bravos
guerreiros que faleceram em combate.
·
Vali: filho de Odin e Rindi. Deus de
pouca expressividade na mitologia.
·
Vidar: filho de Odin e Frigga, conhecido
por sua força e impetuosidade. Possui pouca relevância nos mitos e nenhuma
conhecida na religião.
·
Vigrid: planície na qual ocorrerá a
grande batalha do Ragnarök.
·
Yggdrasil: árvore que sustenta o mundo.
Personifica a árvore da vida, a árvore cósmica.
Esquematização
do mito:
A narrativa do Ragnarök pode ser
dividida em três partes: na primeira, temos as profecias e o cumprimento
destas, as quais desencadeariam a grande guerra; na segunda, temos a marcha dos
exércitos e o relato sobre a Batalha de Vigrid, onde deuses, gigantes, monstros
e os homens lutariam; na terceira, a descrição dos acontecimentos após o
término da guerra. Com base nessa divisão vejamos um resumo da narrativa,
apresentando aqui uma mescla dos relatos contidos no Völuspá e no Gylfaginning,
assinalando que ambos apesar de possuírem semelhanças, ainda assim, eles
possuem diferenças também, inclusive.
1. As profecias.
Não existe uma ordem propriamente nas profecias. Inclusive Snorri ao tentar
sistematiza-las, não incluiu algumas delas em seu relato.
a. Morte
de Balder tramada por Loki, e executada ingenuamente por Hoder, o deus cego. (Völuspá 33;
Gylfaginning 49).
Figura 5: A morte de Balder. Christoffer Wilhelm
Eckersberg, 1816.
b. Skoll
e Hati finalmente devorarão o sol e a lua, deixando o mundo em profunda
escuridão. (Völuspá 40; Vaftrúdnismál 45-46; Grimnismál 39; Gylfaginning 51).
c. O
cantar de três galos: o galo de madeira (Fjalar) do gigante Eggther; o galo
dourado (Gollinkambi) em Valhala e o galo vermelho-ferrugem em Hel. (Völuspá 42, 43).
d. Garm,
o cão de guarda de Hel, quebrará sua corrente e participará da batalha final. (Völuspá 44, 49, 58).
e. O
Ragnarök ocorrerá na Era dos Lobos (Vargöld),
uma alusão aos lobos Skoll e Hati que perseguem os deuses Sól (Sol) e Mani
(Lua). Todavia, no poema Völuspá se
menciona que a Era dos Lobos será precedida de outras três épocas: a Era dos
Machados (Skeggjöld), a Era das
Espadas (Skalmöld) e a Era dos Ventos
(Vindöld). Essas três eras seriam
marcadas por guerras, desordem, depravação, imoralidade, etc., seriam tempos
difíceis e severos. (Völuspá 45, Gylfaginning 51).
f. Ocorrência
de um longo inverno que duraria três anos seguidos, chamado de Fimbulvertr
(“longo inverno”). (Vaftrúdnismál 44;
Gylfaginning 51).
g. Prisão
de Loki. No Lokasenna a prisão não
tem relação direta com o Ragnarök, mas na Edda
em prosa Snorri relatou que os deuses ao descobrirem que Loki era
responsável pela morte de Balder, ele foi aprisionado por causa disso, vindo a
se libertar apenas no Ragnarök. (Gylfaginning
50).
Figura
6: Loki and Sigyn. Mårten Eskil Winge, 1863.
2.
Marcha
dos exércitos e a batalha: Apesar de se tratar de uma guerra,
os relatos mitológicos não a descrevem propriamente, apenas mencionam certas
particularidades, embora Snorri procurou fornecer mais informações sobre esse
conflito final.
a. Os
elfos estarão atônitos, os anões chorarão diante de suas portas de pedra, os
gigantes começaram a marchar, e os deuses se reunirão em conselho de guerra. (Völuspá 48; Gylfaginning 51).
b. O
gigante Hrymir comandará o navio Nagflar. (Völuspá
50; Gylfaginning 51).
c. Loki
liderará o exército dos mortos de Hel, vindo do Norte. (Völuspá 51, Gylfaginning
51).
d. Fuga
de Fenrir, o qual rasgará o céu com suas presas. (Gylfaginning 51).
e. A
Serpente de Midgard sairá do mar, causando maremotos, inundações e cuspindo
veneno sobre o mundo. (Gylfaginning 51).
f. Surt
liderará os filhos de Muspell, vindos do Sul, indo para o campo de Vigrid. (Völuspá 52; Gylfaginning 51).
g. Heimdall
soprará sua corneta Gjallarhorn, anunciando a vinda dos gigantes. (Völuspá 46; Gylfaginning 51).
h. Odin
visitará o Poço de Mimir para tomar conselhos antes de ir à guerra. (Völuspá 47; Gylfaginning 51).
i.
Odin cavalgará a frente do exército de
Valhala. (Gylfaginning 51).
j.
Odin lutará contra Fenrir, mas será
morto. (Völuspá 53; Gylfaginning 51).
Figura 7: Battle of the Doomed Gods. Friedrich Wilhelm Heine, 1882. Na
imagem podemos ver Odin contra Fenrir, Thor contra Jormungand, Freyr contra
Surt, entre outros guerreiros.
k. Vidar
lutará contra Fenrir, matando o lobo e vingando o pai. (Völuspá 54; Gylfaginning 51).
l.
Thor lutará contra Jormungand. Apesar de
conseguir matar a colossal serpente, acabará morrendo devido ao veneno desta. (Völuspá 55-56; Gylfaginning 51).
m. Freyr
lutará contra Surt, mas acabará sendo morto. (Gylfaginning 51).
n. Garm
lutará contra Tyr, ambos morrerão. (Gylfaginning
51).
o. Loki
e Heimdall lutarão e ambos se matarão. (Gylfaginning
51).
p. Surt
destruirá a ponte Bifrost e com sua espada flamejante, incendiará o céu. (Gylfaginning 51).
q. O
mundo continuará em trevas, as estrelas cairão do céu, toda a vida morrerá, e
as chamas arderão. (Völuspá 57; Gylfaginning 51).
3. A renovação do mundo:
a. O
mundo se regenera das catástrofes ocorridas. As águas baixarão, as plantas
voltarão a crescer, as águias voltarão a pescar entre os penhascos, etc. (Völuspá 59-62; Gylfaginning 53).
b. Os
deuses sobreviventes se reunirão em Idavoll para deliberar acerca do novo
mundo. (Völuspá 60).
c. Gimlé,
Brimir e Sindri serão novas moradas celestes. (Völuspá 64; Gylfaginning
52).
d. Balder
e Hoder retornarão de Hel. Balder se tornará o novo rei dos deuses. (Völuspá 62; Gylfaginning 53).
e. Vidar
e Vali sobreviverão. Modi e Magni também sobreviverão e herdarão o Mjölnir. (Gylfaginning 53).
f. Escondidos
em Hoddmimis, em algum lugar da base da Yggdrasil, estavam um casal de humanos
chamados Lif e Lifthrasir, os quais sobreviverão à destruição do mundo causada
por Surt. Consistindo nos únicos humanos a terem sobrevivido. (Gylfaginning 53). (Figura 8).
g. A
filha da deusa Sól, tornara-se o novo sol a iluminar o mundo. (Gylfaginning 53).
Figura 8: Lif e Lifthrasir, o casal de
humanos sobrevivente ao Ragnarök, segundo a Edda em Prosa. Ilustração de Lorenz Frølich, 1895.
Referências:
Fontes:
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