OS DOZE MAIORES EQUÍVOCOS SOBRE OS
VIKINGS
Prof. Dr. Johnni Langer (UFPB/NEVE)
A Escandinávia Medieval
foi representada pela arte durante o Oitocentos de diversas maneiras,
especialmente com temas relacionadas ao período viking. Muitas destes conteúdos
eram equivocados e aqui tomamos como sinônimo os conceitos de estereótipo,
clichê e imagens canônicas – todas representações falseadoras ou fantasiosas do
passado, tomadas como verdades históricas pelas mais diversas formas de
manifestações artísticas e mídia contemporânea. A lista a seguir não é
completa, apenas uma pequena introdução ao tema.
1. Os vikings foram um povo
Nas fontes medievais o
termo viking tem um sentido relacionado a empreitadas marítimas (especialmente
para pirataria). Após o século XIX, especialmente por influências da arte
romântica, o termo passou a designar todos os habitantes da Escandinávia do
período compreendido entre o século VIII ao XI, indistintamente, passando a ser
utilizado também no meio acadêmico e na mídia de forma genérica. Apesar deste
conceito poder ser aplicado a um modo de vida orientado por práticas culturais
durante este período (operações de saque e exploração, por exemplo), seu uso
étnico é errôneo: nem todo nórdico era viking, mas todo viking era nórdico.
Deste modo, utilizar o termo em contextos sociais como “criança viking”,
“mulher viking”, “casa viking”, entre outros exemplos, é totalmente equivocado.
Referência: LANGER,
Johnni. Vikings. In: LANGER, Johnni (Org.). Dicionário
de Mitologia Nórdica. São Paulo: Hedra, 2015, pp. 546-549.
2. O elmo viking possuía chifres e
asas
O mais famoso estereótipo relacionado aos nórdicos
foi utilizado primeiramente na Inglaterra dos anos 1830, em ilustrações de traduções
de obras suecas. Ele rapidamente se espalhou pelas óperas, artes plásticas e
literatura, incentivado pelo referencial romântico e nacionalista do período.
Ainda não desapareceu completamente, sendo frequentemente revivido pelos
torcedores de futebol, animações infantis ou produções de baixa qualidade do
cinema. Um estereótipo mais atual, derivado dos tempos de internet, tenta
explicar os “chifres” dos elmos como provindos do próprio medievo, devido ao
fato dos ataques nórdicos terem sido realizados em igrejas. Neste caso, o
próprio cristianismo teria criado a imagem, associando os nórdicos com o diabo.
É um clichê totalmente desprovido de qualquer fundamentação histórica,
arqueológica ou iconográfica.
Referência: LANGER, Johnni. The origins of the imaginary Viking. Viking Heritage 4, 2002, Gotland
University, pp. 6-9. Disponível aqui.
3. Os nórdicos bebiam em crânios
Trata-se de um estereótipo pouco conhecido no
Brasil, mas que ainda prolifera em muitos filmes, animações, literatura e
mídia. Esta imagem equivocada teve início no medievo, onde escritores cristãos misturaram
as referências contidas na mitologia e literatura com a sociedade histórica dos
nórdicos. Isto é, as citações surgidas em fontes literárias e míticas como a
Saga dos Volsungos, foi transferido para as populações reais – algo nunca
comprovado pela História, Arqueologia e documentação material. Na segunda
temporada da série Vikings, o personagem Rollo bebe num crânio – uma clara
perpetuação do velho estereótipo.
Referência: BOYER,
Régis. Le mythe viking dans les lettres françaises. Paris: Editions Du Porte-Glaive, 1986, pp. 101.
4. Os
vikings conviveram com o período feudal
Muito popular em filmes
clássicos e histórias em quadrinhos (como Príncipe Valente e Hagar), a imagem
dos nórdicos atacando castelos ou fortificações de pedra, interagindo com
elementos da sociedade feudal ou mesmo duelando com cavaleiros em armaduras
completas é um clichê advindo da fantasia literária, misturando períodos e contextos
geográficos completamente diversificados, sem relação direta entre si (O
feudalismo só penetrou na Europa Setentrional após o século XI).
Referência: HARTY,
Kevin. Introduction. In: HARTY, Kevin (Org.). The Vikings on film: essays on depictions of the Nordic Middle Ages.
London: McFarland, 2011, pp. 3-8.
5. Os nórdicos não usavam arco e
flechas
A imagem típica dos nórdicos utilizando em combates
somente espadas, lanças e machados provém especialmente do cinema
norte-americano e obras de popularização. Apesar da arquearia não ser uma das
principais técnicas utilizada pelos exércitos nórdicos, ela também ocorria
(existem evidências arqueológicas e literárias que comprovam isso). Em algumas
produções fílmicas escandinavas, como da Noruega, o arco e flecha são
constantes, especialmente em reconstituições do período Viking e em locais com
muita neve.
Referência: ALEM,
Hiram. Onde estão os arcos? A arquearia na série Vikings. Notícias Asgardianas 10, 2016, pp. 128-136. Disponível aqui
6. Os nórdicos eram altos, descomunais
e brutos
Uma imagem canônica a
respeito dos nórdicos foi desenvolvida por alguns países durante o século XIX,
como as representações de que os nórdicos eram brutais, assassinos, violentos,
com corpo descomunal e semelhantes a antigos habitantes da pré-história ou “selvagens
incivilizados” (vestindo somente peles animais ou tendo comportamento animal).
Parte deste estereótipo foi transferido para a ficção moderna, em romances como
no livro Angus, o guerreiro ou ilustrações de
fantasia medieval, com diversos exageros físicos e comportamentais.
Referência: LANGER, Johnni. Rêver son passé. In: GLOT, Claudine
& LE BRIS, Michel (Eds). L`Europe des
Vikings. Paris: Éditions Hoëbeke, 2004, pp. 166-169. Disponível aqui
7. O machado escandinavo era
gigantesco e com duas lâminas
Um erro comum em
algumas reconstituições artísticas sobre a Era Viking é a inclusão de enormes
machados com duas lâminas – denotando um aspecto muito mais descomunal ao
guerreiro. Na realidade tanto os machados de mão quanto os de batalha
utilizavam somente uma lâmina. Após a chegada das técnicas de batalha do
período feudal, posteriormente, foram introduzidos machados duplos (mas com
lâminas bem pequenas).
Referência: SHORT,
William. Viking weapons and combat
techniques. Westholme, 2009, pp. 71-86.
8. Os nórdicos utilizavam martelos em
batalhas
Outro equívoco surgido
pela mistura entre Mito e História. A farta referência nas fontes mitológicas
do deus Thor utilizando um martelo, levou diversos artistas (especialmente no
cinema e quadrinhos) a representarem os nórdicos utilizando martelos de
batalha. Esse tipo de equipamento foi utilizado na Escandinávia, mas após a
introdução do feudalismo e das técnicas de batalha da cavalaria pesada. Até o
momento, nunca foram encontrados martelos de batalha em sítios da Era Viking ou
mesmo anteriores. Um exemplo visual deste estereótipo é a narrativa Lindisfarne
(série Vikings/Northlanders, publicado no Brasil pela Vertigo), parte II,
página 72, onde um guerreiro nórdico utiliza um martelo de batalha contra os
anglo-saxões.
Referência: GRIFFITH,
Paddy. The viking art of war. London:
Greenhill Books, 1995, pp. 162-181.
9. Os escandinavos possuíam somente
embarcações com escudos e remos
Um erro comum em livros didáticos, filmes e obras de
arte é a representação dos nórdicos chegando na América em barcos longos de
batalha (o famoso drakkar). Na realidade, para operações em alto mar e
transoceânicas, utilizavam-se embarcações denominadas de Knorr, sem remos,
escudos laterais e figuras de proa e popa.
ATKINSON, Ian. Los
barcos vikingos. Madrid: Akal, 1990, pp. 23-24.
10. Todo viking era pagão
Apesar de grande parte da Era Viking ter sido
composta por religiosidades politeístas anteriores ao cristianismo, se levarmos
em conta que as práticas culturais sobreviveram muito mais tempo do que o
paganismo público, então podemos afirmar que existiram “vikings” cristãos. Leifr
Eiríksson, o descobridor de Vinland nas sagas islandesas, era cristão, bem como
Olav Tryggvason, famoso mercenário e
pirata antes de se tornar rei.
LONNROTH, Lars. The
Vikings in History and Legend. In: The
Oxford Illustrated History of the Vikings. Oxford, 1997, pp. 225-249.
11. As incursões escandinavas medievais
chegaram na América do Sul
Um erro histórico
criado durante o século XIX foi a de que os nórdicos teriam chegado na América
Central e do Sul, especialmente o litoral brasileiro e o Amazonas. Apesar de
seu sucesso no imaginário literário, em quadrinhos e até em alguns filmes (Xuxa
e o tesouro da cidade perdida), essa teoria não tem atualmente nenhum respaldo
historiográfico e arqueológico.
Referência: LANGER, Johnni. Vikings na selva. Revista de História, 2012. Disponível aqui
12. Os vikings utilizavam balestras (bestas)
Uma imagem que vem sendo popularizada após o filme Arthur (2004), o quadrinho Vinland Saga e a série Vikings, é o das populações germano-escandinavas utilizarem balestras em combates na Alta Idade Média. Apesar do armamento ser conhecido desde a Antiguidade oriental, a exemplo dos romanos ou mesmo do seu uso pelos francos, ele não constitui um equipamento bélico de uso ostensivo na Era Viking. Não existem indícios históricos ou arqueológicos dos nórdicos conhecerem ou utilizarem este tipo de armamento durante os anos 750 a 1.110 d.C. Foi somente no século XIII que os escandinavos utilizaram pela primeira vez balestras em combates.
Referência:
GRIFFITH, Paddy. The
viking art of war. London: Greenhill Books, 1995.
LINDHOLM, D. & NICOLLE, D. Medieval Scandinavian armies. Oxford: Osprey, 2003.
SHORT, William. Viking
weapons and combat techniques. Pennsylvania: Westholme, 2009.