sábado, 7 de junho de 2014

MULHER VIKING: GUERREIRA OU DONA DE CASA?

Prof. Dr. Johnni Langer (UFPB/NEVE)



Porunn

Já faz um ano que muitos me solicitam para realizar uma resenha sobre a série Vikings, do History Channel. Não tenho tempo para isso, afinal, a série apresenta tantos erros, anacronismos, fantasias e estereótipos que seria necessária uma verdadeira tese para poder analisá-la profundamente. Como diversão ela até tem seus méritos, mas temos que separar ficção de História. Talvez pelo fato de ser originalmente produzida por um canal com uma proposta dita de popularização histórica, muitos assistem na esperança de aprender um pouco mais sobre o passado. Mas arte é acima de tudo representação e imaginário, e em se tratando de nórdicos medievais a série segue uma tradição filmográfica muito antiga, a de reproduzir imagens construídas no século XIX.
Neste sentido, muitas das representações sobre mulheres nórdicas de filmes e séries de TV são devedoras deste imaginário romântico oitocentista, em que o referencial feminino foi construído muito mais em personagens advindas das sagas lendárias (como a Saga de Ragnar Lodbrok e a personagem Lagertha, inspiradora da série ou Saga dos Volsungos – no caso de Brunhilde). As mulheres das sagas de família (Íslendingasögur) são geralmente deixadas de lado. Por quê? Por conterem um caráter “mais histórico”, por apresentarem uma visão de mulher ocupando posição essencialmente nas casas e fazendas, por não estarem envolvidas em batalhas ou piratarias, elas não são tão interessantes ao imaginário moderno – num tempo em que personagens como Sonja, Xena, Eowyn, Brienne fazem comoção entre as adolescentes, é claro que o referencial das donzelas de escudo e as valquírias (ambas personagens da mitologia e do material lendário) façam mais sucesso do que a mulher real, que viveu na Escandinávia da Era Viking.

Reconstituição de sepultamento feminino da Era Viking, baseada em pesquisas arqueológicas. Os objetos faziam parte do cotidiano feminino, além de símbolo de status da morta.

Já publiquei um artigo sobre este tema, o imaginário da mulher guerreira nórdica, a partir da análise de quadrinhos anteriores à série Vikings (clique aqui). Mas como sei que muitas ditas “feministas” engajadas neste referencial fantasioso vão declarar que sou machista (pelo simples fato de ser homem) e que realmente as mulheres da Era Viking tinham mais poder do que os homens na sociedade, então recomendo a leitura de três livros básicos sobre o tema, escritos por mulheres escandinavistas, aplicando a teoria de gênero social para este período:


  
JESCH, Judith. Woman in Viking Age. London: Boydell, 1991.
JOCHENS, Jenny. Women in Old Norse society. London: Cornell University Press, 1998.
JOCHENS, Jenny. Old Norse Images of Women. Philadelphia, 1996.


Um excelente estudo em espanhol sobre as mulheres das sagas isdandesas, particularmente a saga de Njal, escrito pela historiadora Nelly Egger de Yölster (clique aqui).


A ficção/arte tem um grande poder de transferir valores e idealizações do presente para o passado, mas é tarefa do historiador demonstrar os limites de seu papel enquanto divulgadora de conhecimento histórico. Obviamente não sou pós-modernista e ainda acredito na ciência. Desde os anos 1980 tenho uma grande fascinação pelo tema de mulheres guerreiras, sejam as amazonas, viragos e personagens dos mitos ou para mulheres que realmente existem evidências de terem ido para o campo de batalha (são poucas, especialmente no medievo). Mas a mulher real da Era Viking era muito mais interessante do que a nossa vã ficção pode imaginar!